Por Collective Action| 11/05/2020
Com os dois principais partidos lutando para se posicionarem como os mais responsáveis tributariamente, devemos rejeitar incondicionalmente a premissa de austeridade neoliberal e sonhar com um mundo novo.
Como explicou o sempre inspirador Arundhati Roy, a pandemia do Coronavírus é um portal onde do outro lado nos espera um novo mundo, que é limitado apenas pela nossa imaginação. À medida que aumentam os apelos para “retornar à normalidade”, devemos questionar o que era normal e rejeitar o desejo de simplesmente voltar às condições anteriores.
A normalidade era a colonização em curso das terras das Primeiras Nações (povos indígenas da América do Norte). Eram as mortes dos aborígenes e populações das ilhas do estreito de Torres detidas. Eram as prisões crescentes, com mais pessoas trancadas em jaulas. Eram os centros de detenção improvisados em hotéis suburbanos, porque os outros centros de detenção modelados nas prisões estão transbordando. A normalidade era, e ainda é, políticos dos dois principais partidos fazendo de bodes expiatórios pessoas racializadas e trabalhadores migrantes para obter capital político, ignorando as consequências. A normalidade foi o ressurgimento da ideologia supremacista branca no mainstream.
A normalidade era o aumento da desigualdade, impulsionada por um mercado imobiliário financeirizado. Era haver mais casas vazias do que pessoas sem casa. Era uma precariedade sistemática para os e as trabalhadoras por meio do aumento da precarização e da dependência absoluta de alguns trabalhadores na chamada gig economy (trabalhos temporários e flexíveis). O normal eram centenas de milhares de trabalhadoras e trabalhadores desempregados vivendo abaixo do limiar da pobreza. Eram milhões de idosos australianos, pessoas com deficiência e os seus e suas prestadoras de cuidados receberem pagamentos abaixo do limite da pobreza, muitas vezes forçando-as a escolher entre comida, aluguel ou medicação.
A normalidade era a ocorrência generalizada de violência familiar, em grande parte perpetrada por homens, o que só cresce nas circunstâncias atuais. Era a ocorrência semanal de uma mulher ser assassinada pelo seu atual ou ex-parceiro. Eram os ataques contínuos contra pessoas LGBTQ que enfrentam assédio regular nas ruas e pela polícia. A normalidade era a dizimação acelerada do nosso planeta e ambiente. A estação mais quente, mais seca e mais perigosa que experienciamos.
Para evitar o retorno ao normal, precisamos rejeitar inequivocamente propostas de partidos políticos que se concentram na austeridade e em soluções neoliberais. Devemos imaginar um mundo construído sobre a crença fundamental do apoio mútuo e da solidariedade. Neste continente, deve começar com um profundo entendimento e um firme compromisso com a descolonização. Exemplos recentes da importância dos serviços de saúde controlados pela comunidade aborígene e de soluções anticarcerárias autônomas descrevem a importância das iniciativas lideradas pelos aborígenes e pelas pessoas das ilhas do estreito de Torres. Através do processo de descolonização, devemos desmantelar as estruturas de supremacia branca que mantêm a atual sociedade de colonos para criar um mundo sem racismo e estruturas de poder opressivas.
Devemos imaginar um mundo sem prisões, centros de detenção ou gaiolas de qualquer tipo. Um mundo que abole o cis hétero patriarcado que continua a oprimir e assassinar mulheres, pessoas não binárias e trans. Devemos imaginar um mundo em que a habitação não seja controlada pelo capricho dos especuladores financeiros, mas seja fornecida a todas e todos. Um mundo em que todos e todas as que desejam trabalhar podem trabalhar de forma protegida e segura em direção a um futuro ecologicamente sustentável. Um mundo que tenha as suas bases enraizadas na justiça climática, fornecendo soluções sustentáveis para o atual desastre ecológico e que centre o papel dos grupos climáticos liderados por indígenas. Um mundo que remove hierarquias e assimetrias de poder estabelecidas para um mundo organizado horizontalmente com base no apoio mútuo e na solidariedade.
O nosso futuro não é pré-determinado, não estamos presos à política convencional de austeridade e empresarialização. No entanto, não podemos simplesmente sonhar com o nosso futuro utópico, temos de agir. Devemos organizar-nos com as nossas comunidades locais, sejam elas redes de apoio mútuo recém-estabelecidas, grupos comunitários existentes, organizações religiosas, grupos ativistas ou simplesmente nossos e nossas amigas, familiares, vizinhas e colegas de trabalho. A organização é essencial para alcançar os objetivos que queremos, mas não devemos limitar a nossa imaginação do que é possível.
Agora é a hora de ser utópico, discutir com aqueles e aquelas na tua vida como pode ser um mundo que verdadeiramente inspira a lutar. Embora não seja seguro organizar pessoalmente no momento, é uma oportunidade de estabelecer conexões com os grupos e organizações locais. Uma lista de redes de apoio mútuo pode ser encontrada aqui¹, junta-te ao teu grupo local e inicia uma conversa. Se houver outros grupos ou organizações comunitárias na tua área que já estejam envolvidos na organização comunitária, entra em contato com elas e expressa o teu interesse. Se não encontrares um grupo na tua área, considera juntar-te à filial local do Sindicato dos Trabalhadores Desempregados da Austrália, à filial local da IWW, a grupos de discussão públicos ou entra em contato conosco para saber se conhecemos grupos na tua área. Estarmos conectados e conectadas permite-nos sonhar coletivamente com o mundo que merecemos, o mundo que devemos criar antes de nos organizarmos e lutarmos por ele.
O Collective Action é um grupo anarquista sediado em Melbourne, na Austrália.
[1] https://docs.google.com/spreadsheets/d/1J7bjI-2bD4zpvpQM3v1QB9dlbbUgPErnn-JjBq4NrNs/edit?usp=sharing
Tradução > Ananás
agência de notícias anarquistas-ana
pousada na lama,
a borboleta amarela,
com calor, se abana
Alaor Chaves
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!