Estamos há várias semanas no meio de uma crise social, humanitária e de saúde sem precedentes, na qual a propagação da pandemia de COVID-19 realça da maneira mais enfática a natureza criminosa do Estado e do capitalismo. A organização da sociedade pelo Estado e pelo sistema capitalista, que já condenou milhões de pessoas à morte por fome, doença e guerra, não está lutando contra a pandemia que avança, mas para preservar seus privilégios, suas posições de poder, e o política e economicamente poderoso.
Até agora, o Estado não tomou nenhuma medida verdadeiramente relacionada ao tratamento do vírus, medidas que passam principalmente pelo fortalecimento do sistema público de saúde. Um sistema que o Estado e o capital têm tentado desmantelar por anos através de subfinanciamento, demissão de equipes médicas e de enfermagem, cortes de equipamentos e fechamento de hospitais. O resultado disso é que hoje, o já devastado sistema de saúde pública, está em perigo de colapsar se for chamado a lidar com demandas massivas da população.
Ao contrário, os gestores políticos estão tentando, através da mídia, utilizando a retórica da responsabilidade individual, transferir toda a responsabilidade das demandas do COVID-19 e as vítimas a nós, aos de baixo deste mundo, livrando os governantes e os estados de suas responsabilidades, enquanto ao mesmo tempo lança as bases para dar o golpe mortal aos direitos, conquistas e liberdades das pessoas. A pandemia é utilizada pelo Estado e pelos patrões para impor mais e mais pesadamente as condições de exploração e opressão, e transferir o fardo da crise do sistema à base social.
Neste contexto, o sistema capitalista patriarcal dominante está atacando ainda mais as mulheres das classes inferiores.
Isso significa a continuidade e a intensificação da exploração de classe das mulheres trabalhadoras, a repressão do Estado àquelas que estão lutando, a detenção desumana de mulheres refugiadas e imigrantes nos campos de concentração, a proliferação do nacionalismo e do fascismo, a superlotação de pessoas em condições terríveis de aprisionamento, o cultivo e a legitimação do canibalismo social pelas instituições – que também é expresso através da violência de gênero, cujo um aspecto é a violência doméstica. Tudo isso destaca o interesse hipócrita do Estado e seus mecanismos, tanto na sociedade em geral quanto nas condições de brutalidade sofridas pelas mulheres. Mulheres trabalhadoras, desempregadas, refugiadas e imigrantes, as prisioneiras que se revoltam. A violência patriarcal está presente em todos os campos moldados pelo poder como uma parte integral do Estado e da barbárie capitalista.
O toque de recolher, o confinamento compulsório em casa, o controle constante e as multas não estão relacionadas ao tratamento da pandemia, pois a maioria esmagadora da população respeitou as medidas de autoproteção, mas sim à gestão militar da crise. Apesar de acompanhadas por anúncios fofos de “fique em casa” a preço de ouro, essas medidas eram e são devastadoras para muitas mulheres e crianças que sofrem violência em suas casas.
Sob condições de aprisionamento, a violência sexual dispara: o lema “fique em casa”, com a compulsória e ininterrupta coabitação que isso implica, é um pesadelo para as mulheres e para as crianças que sofrem violência doméstica. Não é por acidente que os casos registrados de violência doméstica no mundo tenham aumentado em 30%. O assassinato da jovem enfermeira por seu companheiro na residência deles na Itália e o duplo homicídio de duas mulheres por seu marido policial em Kifissia são incidentes típicos. Claro que a mídia se apressou para retratar os assassinatos como uma consequência lógica do confinamento em meio à quarentena, do “amor excessivo”, da “perda de controle” e não como a consequência final de um sistema que promove a violência de gênero e o canibalismo social. Assim como as campanhas do Estado para conter a violência doméstica, a mídia é altamente hipócrita. Porque não há hipocrisia maior que falar sobre confrontar a violência de gênero através das muitas instituições de um sistema que promove essa violência através de suas leis e mecanismos. Não há nada mais ultrajante do que as instituições que nutrem e reproduzem a violência de gênero se apresentarem como quem luta contra isso. Estamos solidários às mulheres que são sujeitadas à violência de gênero e nos mantemos ao lado delas em cada tentativa que tenham de se proteger!
Por outro lado, de fato, o imperativo “nós estamos ficando em casa” não se aplica a milhares de trabalhadores em muitos setores que são forçados a trabalhar dia e noite.
Centenas de médicos e de equipes médicas – do qual a vasta maioria são mulheres – estão lutando uma enorme batalha com medidas de autoproteção inadequadas, dia e noite, com autorrenúncia e solidariedade, respondendo aos momentos críticos, trabalhando duro à espera dos pacientes, isolados por horas em câmaras de pacientes infectados pelo coronavírus. Estamos solidários às mulheres trabalhadoras no setor de saúde e nos mantemos com elas em cada uma de suas reivindicações!
Trabalhadores em supermercados, trabalhadores em call centers (onde incontáveis queixas sobre condições de trabalho perigosas têm sido feitas), na limpeza de oficinas e em outros lugares em que são forçados a trabalhar exaustivamente por horas, uns sobre os outros, sem as necessárias medidas de proteção e com um óbvio risco à saúde. Em outros casos, eles são forçados a trabalhar de casa, sem que os meios necessários sejam dados e sem um turno de trabalho específico. O rodízio de trabalho também pode ser imposto, redução do salário para a metade e com a possibilidade de prolongar o pagamento do bônus de páscoa até o verão. E tudo isso no meio de um toque de recolher, onde qualquer reivindicação nestes espaços é rotulada pelo Estado como “movimentação desnecessária”.
Adicionalmente, um grande número de pessoas empregadas em empregos na área funerária e/ou no trabalho doméstico (babá, cuidador de idosos), dos quais a maioria são mulheres, estão invisíveis e totalmente expostas à pandemia já que nenhuma medida é tomada para sua sobrevivência, levando-as à total miséria e pobreza. Estamos solidários às mulheres trabalhadoras que estão diariamente exaustas para manter a cadeia produtiva aberta, com as mães que estão ao mesmo tempo trabalhando e tentando apoiar suas famílias, que estão criando seus filhos, e até enfrentando o risco de serem demitidas quando não têm nenhum lugar para deixar as crianças em meio à pandemia!
“Fique em casa” não tem nada a ver as populações que estão sob regime de exclusão: pessoas sem-teto, imigrantes, refugiados e prisioneiros são deixados de lado em uma situação de impasse para suas próprias vidas, para sua própria sobrevivência.
A campanha ultrajante das instituições do Estado, “estamos ficando no acampamento” comercializada como o equivalente do “ficando em casa” e que, nas condições de pandemia, chama os refugiados e imigrantes a permanecer em campos de concentração, é a mais vulgar manifestação de um regime de exclusão. O isolamento nos horrores dos campos de concentração e nos centros de detenção, onde falta até a estrutura mais básica – acomodações em alojamentos improvisados e em tendas, e em alguns casos, sem nem água para beber – sem suporte médico básico, os pedidos por itens de emergência, medicamentos e instalações de auto-proteção estão aumentando no campo de refugiados de Richona, na vila de Malakasa. Tudo isso claramente constitui um crime do Estado capitalista. Com esse tratamento, as mulheres migrantes e refugiadas, que tem sido forçadas a deixar seus países por causa da guerra ou do empobrecimento econômico, são chamadas a lutar por sua sobrevivência e pela sobrevivência de seus filhos, saindo para obter os suprimentos necessários, e até colocando sua saúde em risco. Também, como população ilegal e sem documentos em um regime de exclusão, as mulheres migrantes continuam vulneráveis à escravização e aos circuitos de tráfico. Nem as ameaças de multa ou a repressão podem silenciar a voz dos excluídos. Isso é evidenciado pelas manifestações e pelas greves de fome no campo de refugiados de Moria, no município de Paranesti. O drama chegou ao pico e irrompeu em um choque entre refugiados e policiais no sábado, dia 18 de abril, culminando na morte de um refugiado em um ponto de acesso na Ilha de Chios por causas desconhecidas, depois de ter sido levado ao hospital com suspeita de coronavírus e reconsiderado por apresentar uma doença subjacente. Estamos solidários às mulheres refugiadas e migrantes que vivem em um regime de exclusão, e estamos lutando juntos contra o Estado e a repressão, por solidariedade e liberdade.
Ao mesmo tempo, aplicam as mesmas condições de superlotação em prisões que violam muito até leis do sistema podre de poder e opressão. O principal incidente dos crimes de Estado cometidos diariamente nos armazéns de almas que o Estado por si só tem construído é a morte da detenta Azizel Deniroglu na prisão de Elaionas, em Tebas, no dia 9 de abril, que morreu sem socorro em sua cela, sofrendo de problemas cardíacos e com sintomas de coronavírus. Houve uma revolta de suas companheiras de cárcere que foi brutalmente suprimida pela polícia de choque. As detentas pedem pelo óbvio em meio a uma pandemia: descongestionamento imediato da prisão por causa da pandemia de coronavírus, liberação das pacientes mais velhas e daquelas consideradas vulneráveis, liberação de todas as prisioneiras que cumpriram dois quintos da pena. Estamos solidários às prisioneiras nas cadeias e permanecemos ao lado delas em cada reivindicação. Cumprimento imediato de seus pedidos!
Contra a realidade sombria que os dominantes do mundo deixaram para nós, somos solidários e propomos a organização de todos que estão abaixo, a afirmação de tudo que pertence a nós. Propomos o contra-ataque organizado, de classe, de todos os explorados, mulheres e homens, para superar o mundo do patriarcado, o Estado e o capitalismo, para criar uma sociedade sem exploração e opressão, para criar uma sociedade de igualdade, solidariedade e justiça.
TUDO PARA TODOS, COMIDA, SAÚDE E MORADIA
A VIOLÊNCIA DE GÊNERO É UM REGIME DO ESTADO E DO CAPITALISMO
NÃO TOQUEM NAS MULHERES QUE LUTAM!
CONTRA O ESTADO E O PATRIARCADO – PELA EMANCIPAÇÃO E ANARQUIA
APO – Organização Política Anarquista
Sábado, 09 de maio de 2020
Tradução > Sid Sobral
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