[EUA] Uma Década Em Revolta: Rumo ao Futuro do Nosso Movimento

Análise do Movimento Revolucionário Abolicionista (RAM) sobre o contexto global e nacional. Texto escrito em janeiro de 2020.

No decorrer da última década a possibilidade de revolta se acendeu ao redor do mundo – em lugares que o povo nunca pensou ser possível. Enquanto a constância do terror do estado, e a concepção errônea de que o estado é todo poderoso, manteve a maré contida nos Estados Unidos, estas insurreições globais inspiraram camaradas aqui e nos ensinaram muitas lições sobre como podemos seguir em frente. A demanda por mudanças radicais na América e ao redor do mundo tem se tornado cada vez mais necessária e ainda mais provável.

A Primavera Árabe surgiu em um piscar de olhos por todo o Oriente Médio. Enquanto movimentos de protesto lutaram poderosamente contra as forças repressivas, vimos em tempo real uma lição valiosa. Apesar da sua bravura, estes protestos espontâneos não tinham uma fundação organizacional, ou consistência política. Então vimos, por exemplo no Egito, o poder estatal caindo nas mãos de conservadores.

Em contraste, a revolta na Síria criou um vácuo de poder no noroeste do país, o qual os Curdos rapidamente tomaram para si. Eles se engajaram desde o final dos anos 70 em construir sua organização baseada em um sistema de valores explicitamente radicalizado na esquerda, e como tal vêm engajando em disputas de guerrilha e construindo um autogoverno local no sul da Turquia. Acumularam forças capacitadas que foram capazes de agir rapidamente para destronar rapidamente os remanescentes do enfraquecido regime no norte da Síria.

A troca de paradigma na mudança revolucionária de tomar os reinos do poder para dispersá-los foi iniciada pelos Zapatistas em 1994. Isso foi expandido na última década, com mais e mais grupos indígenas no México tomando armas e ocupando territórios em direção a autodeterminação local, e lutando contra as forças da direita. Decorrente deste paradigma, e tomando a ausência de estado como uma oportunidade, os Curdos em Bakur e Rojava, criavam um ponto de convergência internacional para anarquistas e revolucionários, que afluíram para a região para apoiar a luta.

Este ponto de encontro, e ignição da luta armada anarquista, cunhou o caminho adiante para militantes anarquistas, e colocou um holofote em métodos que poderiam ser eficazes diante das condições que assolam todos os oprimidos por estados particularmente autoritários. As formações de militantes anarquistas na região mostraram a antiautoritários do mundo todo que aquilo pelo que lutam está ao alcance das possibilidades.

Também fomos ensinados pelas falhas do Partidos dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que ao invés de construir horizontalidade em conjunto com seus amigos e apoiadores, e aprofundar a revolução através da dispersão de poder das comunas e coletivos, fez concessões em favor dos Estados Unidos, e suas políticas imperiais, resultando na perda de muitas conquistas revolucionárias, e seus territórios.

Na Grécia, em contrapartida, anarquistas criaram infraestrutura capacitada com ocupação residencial e assistência médica para o fluxo de refugiados da Guerra Civil na Síria. Aprofundaram seu trabalho libertador ao estabelecer métodos de autogestão. Contudo, com os recentes despejos pelo governo de direita, podemos ver que estruturas de defesa requisitadas devem atuar para que qualquer projeto civil alcance longevidade.

O caminho em direção ao fascismo explícito nos Estados Unidos precede a presidência Trump, com a polícia descaradamente executando a população negra nas ruas, de Oscar Grant a Eric Garner e então subscrevendo à declaração de que policiais deveriam ter o direito de matar pessoas negras sem repercussão.

Black Lives Matter surgiu em resposta, um tremor abaixo da superfície, desde além das forças pacificadoras do protesto liberal, culminando em atiradores independentes, como Micah Xavier Johnson, atirando de volta na polícia. Em 2016 blocos carcerários estremeceram quando a maior greve penitenciária da história foi organizada através de 24 estados, contra a totalizante violência antinegro do encarceramento e pelo fim da escravidão presidiária.

A medida que o regime Trump empoderou as forças policiais, patrulhas da fronteira, e todos os aparatos fascistas do estado, vimos crianças sendo tomadas de suas famílias, pessoas sendo varridas aos milhares e colocadas indefinidamente em depósitos humanos, e patrulhas direitistas da fronteira crescerem em mortalidade e ações drásticas. Novamente um ator independente tomou para si lutar contra o Policiamento de Imigração e Aduana (ICE). O nome de Willem van Spronsen será tido em alta estima pelo movimento, pois suas ações ascenderam a altura dos horrores perpetuados pela ICE.

Nosso movimento nunca esquecerá de nossos mártires e agirá em seu nome: Mauricio Morales, Mikhail Zhlobitsky, Lorenzo Orsetti, Korryn Gaines, e Nubar Ozanyan, são tidos em grande honra pela necessidade das ações que tomaram. Em sua honra, olhamos para o escopo organizacional que precisamos para amplificar estas ações. Olhamos para a próxima década como uma oportunidade para construir a infraestrutura que desafiará a hegemonia do estado a força, a forte fundação da qual ações coordenadas serão possíveis.

Ao fim dos anos 2000 anarquistas nos EUA e ao redor do mundo testemunharam o crescimento do anarquismo insurrecional, mas o potencial revolucionário de formações temporárias, como promovidas por esta tendência, aparentou se menos possível depois da revolta grega em 2008. Entretanto, o ponto focal do anarquismo insurrecional em conflito permanente e revidarão uma parte essencial do anarquismo que recentemente se diluiu pela emburrecedora influência do liberalismo dentro do anarquismo nos EUA.

Estas tendências, alguns por tentar mesclar anarquismo com liberalismo, e alguns por abraçar a extrema direita, atendem aos ricos e temerários. Seu foco muda daqueles que são os mais oprimidos pelos EUA, Europa e suas práticas coloniais, para longe do sul global, longe daqueles presos em masmorras simplesmente por serem pobres.

Essas tendências de ruptura podem parecer inofensivas, mas colocadas no contexto de uma recuperação global dos movimentos de extrema esquerda, podemos ver o quão daninhas realmente são. Na Espanha, o Podemos prometeu trazer o impulso do Movement of the Squares para a política eleitoral. Na Grécia, o Syriza desviou o tempo e energia de anarquistas para uma estratégia eleitoral e todos nós vimos como sob estes regimes estatais de “extrema esquerda”, anarquistas foram perseguidos. Ainda mais drástico, na Colômbia, as FARC concordaram em um cessar fogo, encerrando uma guerra de décadas, tornando-se um partido político legalmente reconhecido e o estado imediatamente começou a executar ativistas e comunidades indígenas de suas regiões. Novamente, vemos que uma postura conflituosa com o estado é essencial, e defender nossas conquistas imperativo.

Hoje, o poder e influência global dos EUA está no ponto mais fraco deste século. Seu império está em declínio. O que estava suavizando-se durante os anos Obama, mudou para uma queda drástica sob o regime Trump. Somado ao declínio da economia dos EUA, as condições envenenadas em que o povo vive, a completa degradação da vida humana neste país, temos um momento onde o imperativo pela mudança revolucionária não poderia se fazer mais necessário. Também vemos as condições materiais convergindo para dificultar que os EUA deem procedência a suas ameaças imperialistas enquanto mantêm o poder em casa. Não teríamos momento melhor para iniciar nossos preparativos. Neste ponto crucial, quando revolucionários nos EUA desafiam este regime não estamos somente lutando pelos cidadãos americanos, ajudamos a enfraquecer a potencialidade da extrema direita ao redor do mundo. Poderiam as autoridades Haitianas atuar com tamanha impunidade sem o apoio dos EUA? E estaria a extrema direita na Venezuela e Bolívia tão empoderada sem a patronagem dos EUA?

O teor dos maiores movimentos desta década refletem isso: começamos com a retórica egoísta do occupy: dívidas estudantis, que se transformaram em conflitos fundacionais muito mais profundos de Standing Rock a Black Lives Matter até a Greve Nacional Penitenciária. Para as queixas propostas por estes movimentos, as práticas coloniais e genocidas do estado Norte-Americano devem ser impedidas a força. O estado deixou claro em sua resposta a estes movimentos, ainda no processo, aqueles que se levantam contra o estado mostraram suas presas. É aqui que começamos a construir para a próxima década.

O que aprendemos com nossos camaradas ao redor do mundo é que devemos construir com cooperação e constância. Devemos construir uma estrutura forte e inconquistável. Enquanto formamos coletivos revolucionários fortes em áreas tanto urbanas quanto rurais, eles em troca criam recursos para, por exemplo, alimentação, abrigo, e saúde. Nosso foco deve ser em defender desde o começo: o que precisamos para proteger nossos ganhos, nossa infraestrutura. E a medida que construímos estes recursos, devemos construir nossas forças constantemente, e oferecer nosso tempo até a inevitável crise dentro do estado e economia dos EUA abrir a possibilidade de libertação territorial.

A força e potencial do anarquismo advém do conflito do estado, populações pretas, pardas e indígenas, e nossa ética. Durante a próxima década nossa solidariedade deve continuar a ser destemida e sem fronteiras. Desde o Caribe à América do Sul ao Oriente Médio, vamos construir com nossos camaradas que estão presos no campo de batalha pela libertação. Pelos próximos dez anos vamos compartilhar pisos para dormir e ferramentas para lutar. E para ser claro: Anarquismo significa mudança revolucionária. Não sobrarão resquícios deste mundo.

Revolutionary Abolitionist Movement – RAM

revolutionaryabolition.org

Tradução > Aranha do Rio

agência de notícias anarquistas-ana

de tantos instantes
para mim lembrança
as flores de cerejeira.

Matsuo Bashô