[Espanha] Mauro Bajatierra, o cronista da CNT que melhor contou a Guerra Civil

A reedição de suas peças jornalísticas durante 1936 e 1937 ajuda a se aproximar deste personagem que viajou por muitas frentes antes de 1939, quando os fascistas o alvejaram à porta de sua casa.

Por Gullermo Martinez | 05/08/2020

Escrever entre tiros, metralhadoras, caças, frio e fome nunca foi fácil. As crônicas do miliciano Mauro Bajatierra, agora reeditadas, confirmam isso. Seu passeio pela frente de Madrid e a batalha de Guadalajara deixaram dezenas de peças publicadas no jornal CNT, apesar de o jornalista, um padeiro por herança familiar, sempre ter pertencido à UGT. O consenso historiográfico determina que seus escritos são o melhor do momento ao unir as informações em primeira mão, pois Bajatierra se movia continuamente para as diferentes frentes, com uma leve patina de humor e um tom menos belicoso, acrescentando grandes pinceladas de humanismo, o que o caracterizou diante de seus colegas jornalistas, como assegura Julián Vadillo, historiador, professor da Universidade Carlos III de Madrid (UC3M) e que escreveu o prólogo desta nova e cuidadosa edição de Piedra, Papel, Libros.

Bajatierra (1884-1939), nascido em Madrid, dedicou a maior parte de sua vida ao ideal do comunismo libertário. Fundador do movimento anarquista na capital, e até mesmo iniciador da Federação Anarquista Ibérica (FAI) de acordo com Gómez Casas, durante a segunda década do século XX ele se tornou maçom, na Loja La Cantoniana. Naquela época, ele dividia a militância com outros republicanos de renome do período. “Seu nome simbólico, aquele que todo maçom tem que escolher quando se inscreve, era Justiça, e ele chegou à terceira série, que é o grau mais alto entre as notas simbólicas dentro da organização”, completa Vadillo.

Exilado sob a ditadura de Primo de Rivera, sua entrada na Maçonaria lhe permitiu encontrar refúgio na França e receber ajuda de seus companheiros maçons na Bélgica e na Alemanha. “Afinal, Bajatierra é um daqueles anarquistas que estavam entre os primeiros, quando a Internacional chegou à Espanha, como Anselmo Lorenzo e Francisco Ferrer i Guardia, e a terceira geração de libertários, que testemunhou em primeira mão a revolução social de 1936 e que já abandonaram a ideologia maçônica, considerando-a algo estreito e incompleto”, aponta o professor.

750 CRÔNICAS DE GUERRA EM TRÊS ANOS

Assim, desde o início do conflito espanhol, Bajatierra tem sido um comissário de guerra, ocupando uma posição importante dentro da representação das diferentes organizações políticas e sindicais no exército. “Com uma militância libertária, não é que ele tenha disparado tiros, ele não fazia parte de nenhuma milícia, mas estava armado”, diz o prólogo. Nos quase três anos que durou a guerra, o padeiro-jornalista conseguiu escrever 750 crônicas, a maioria delas publicadas no jornal da Confederação Nacional do Trabalho (CNT).

A primeira edição de Crónicas del frente de Madrid foi publicada em 1937, com um prólogo de Federica Montseny, também militante anarco-sindicalista que veio para ocupar um ministério no Governo Republicano. As palavras que ela dedicou aos escritos de seu camarada já sugeriam que tipo de crônicas Bajatierra estava escrevendo: “E que livro de guerra, camaradas! Feito na linha de frente, onde os obuses explodem e onde os dinamitadores brincam todos os dias com a morte”, começava dizendo Montseny.

E assim é. O “jornalista que nunca deixou de trabalhar em sua profissão de padeiro”, como explica Vadillo, que consegue recriar o ambiente bélico, mas também humano, que pode ser sentido no final de 1936 em Madrid e no início de 1937 na região de La Alcarria. As referências ao bom trabalho do lado republicano com os cativos contra a imprudência reproduzida pelo lado faccioso são constantes: “(…) nem os mouros nem os do Terceiro que voluntariamente se juntam às nossas fileiras são fuzilados. Somos homens, e como tal agimos”, escreve ele em 6 de dezembro de 1936.

REFERÊNCIAS AO CENSOR

Os textos, cheios de informações detalhadas devido à abordagem que o próprio Bajatierra tem com as milícias da frente, não estão livres de censura governamental. Em 17 ocasiões o censor age alterando alguns dados, nome ou lugar específico com um “X” ou um “A”. Da mesma forma, as alegações contra o censor aparecem explicitamente nas crônicas: “(…) houve meu artigo de ontem, tão maltratado, sem merecê-lo, pelo censor (…)”; ou “atacamos com essa coragem que nós espanhóis temos, as cidades de Las Rozas, Majadahonda e Villanueva del Pardillo (censor “colega”, esses nomes são publicados por toda a imprensa pela manhã e foram oficialmente dados ontem à noite pela rádio)”.

Vadillo, autor da biografia de Mauro Bajatierra. Anarquista e jornalista de ação, explica que a censura era exercida pelo governo: “A defesa de Madrid tinha seu próprio censor. Eles pertenciam a quem? As diferentes organizações. O objetivo não era dar determinados locais precisos ou informações que pudessem ser embaraçosas. Por exemplo, os artigos que poderiam ser considerados derrotistas foram censurados, embora isto tenha sido mais o caso com correspondentes estrangeiros”.

Perto de seus colegas da linha de frente, ele sempre lhes ofereceu uma bebida para compartilhar. Foi assim que ele os conheceu, e foi assim que ele se envolveu na linha de frente, mesmo tendo que transportar os feridos em seu próprio carro, como ele registra em suas crônicas. O jornalista também foi designado para outras frentes, como a Andaluzia, diz Vadillo, até março de 1939, quando esteve em Madrid. “Toda vez que vejo Mauro Bajatierra, despeço-me dele com um pouco de emoção”. Penso que nunca mais o verei, que o velho jornalista está destinado a morrer nesta guerra, da qual sua existência e seu entusiasmo são como uma encarnação sintética e viva”, Montseny aventurou-se a escrever em 1937.

A IMPOSIÇÃO DO SILÊNCIO DURANTE O PERÍODO DO FRANQUISMO TARDIO

Bajatierra foi abatido a tiros em 28 de março; seu corpo foi encontrado no dia seguinte em uma garagem em uma rua próxima ao local onde morava. “Para ele, a derrota foi muito dura e os fascistas sabiam que ele não iria para o exílio”, disse o professor da UC3M, antes de ressaltar que “a certidão de óbito ainda é uma ópera cômica dos tempos de Franco, uma vez que afirma que ele morreu de uma síncope quando na verdade ele foi baleado repetidamente à sua porta”.

Uma questão diferente é a maneira pela qual o assassinato ocorre. “As visões mais românticas afirmam que Bajatierra se barricou em sua casa e começou a atirar naqueles que tinham ido para prendê-lo. Até se fala que ele desceu à porta de sua casa na Rua Torrijos, no bairro de Guindalera, com uma cadeira e esperou lá por seus algozes”, escreve Vadillo no prólogo. Esta auréola da mitologia em torno do personagem não tira o fato de que o que realmente aconteceu foi a coisa mais lógica: que a briga existiu, mas dada sua popularidade, os assassinos estariam esperando por ele na porta de sua casa ou nos arredores, parafraseando o mesmo historiador.

Seja como for, o militante anarquista acabou enterrado em uma cova de terceira categoria no cemitério de La Almudena. “Ainda há parentes de Bajatierra que até alguns anos atrás mal sabiam o que havia acontecido com ele ou em quem ele havia se tornado. Quando conheci sua sobrinha-neta enquanto fazia minhas pesquisas, vi como isto, que está acontecendo bem no século 21, ainda é um reflexo do silêncio que o franquismo tardio impôs na vida cotidiana”, conclui Vadillo antes de anunciar que a biografia da qual ele é o autor também será reeditada dentro de alguns meses.

Fonte: https://www.elsaltodiario.com/memoria-historica/mauro-bajatierra-el-cronista-de-la-cnt-que-mejor-conto-la-guerra-civil

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

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Alexandre Brito