Por Mario Di Vito| 19/10/2020
A notícia, em si mesma, é simples, ainda que desagradável: depois de quarenta e nove anos, A Rivista Anarchica encerra suas publicações. A primeira publicação italiana “em ordem alfabética” já não chegará a seus assinantes, deixando um vazio onde a cada mês era possível ler uma revisão bastante exaustiva de ideias, temas e questões do variado mundo libertário. A história é conhecida e tem tintes de lenda: o jornal favorito de Fabrizio De André (quem lhe deu apoio financeiro), o veículo que denunciou o “massacre de Estado” em Piazza Fontana, impulsor da campanha pela libertação de Pietro Valpedra, sempre com a íntima convicção de que “não há bons poderes” e que, portanto, não é uma posição extrema, mas a única verdadeiramente aceitável.
ERA SEGUNDA-FEIRA 20 DE JULHO quando o histórico fundador e editor – na verdade diretor, mas odiava essa palavra – Paolo Finzi decidiu morrer se lançando por baixo de um trem em Forli, e muitos se perguntaram o que aconteceria com a revista da que ele era a alma e coração palpitante durante décadas. A resposta chegou como um forte golpe no final da semana passada: cessar de atividades “por vontade testamentária”, diz a redação. “Está claro que pelo carinho e respeito que sentimos por Paolo e sua obra, seguiremos suas indicações”, afirma a lacônica carta enviada a leitores e colaboradores.
O sociólogo Enrico Finzi, irmão comunista de Paolo, no entanto, fala desse gesto como de “uma infâmia” e, como executor do testamento, diz estar “amargurado, decepcionado, enfurecido”, porque “a decisão de não dar um futuro a A foi tomada por um pequeno grupo de pessoas; não foi compartilhada por mim nem por muitos companheiros e camaradas. Inverte as pautas aceitas até recentemente”.
Daí também a descrição daquilo que, segundo ele, teria sido o futuro de A: um número dedicado a seu fundador – já em preparação mas nunca concluído –, a publicação de outros números que circulariam na próxima primavera, isto é, no quinquagésimo aniversário, e depois “uma continuação com custos reduzidos, utilizando o formato online“. Essencialmente, uma doce morte: se A sobreviveu esse tempo todo foi apenas porque Paolo Finzi, mês a mês, por milagre (algo no que nunca acreditou) conseguiu manter todas as peças juntas, chegar ao fim do mês e enviar o número entregue pela gráfica, pronto para ser distribuído. Pensar que a Rivista Anarchica pode seguir existindo mesmo sem ele requer um esforço considerável de imaginação.
Diz, com uma boa dose de otimismo de vontade, Enrico Finzi: “A ideia sempre foi involucrar a maravilhosa comunidade de libertários e alguns partidários num esforço compartilhado, inclusive considerando que Paolo via isso como improvável”. Sobretudo nos últimos tempos, de fato, o editor de A tinha expressado em repetidas ocasiões pensamentos bastante sombrios sobre o futuro da publicação mensal, enquanto seguia tecendo relações e organizando iniciativas para um amanhã que finalmente decidiu não presenciar.
O que resta da equipe editorial de A, entretanto, não pretende responder ao arrebato do irmão do fundador, e simplesmente reitera que “o que os editores de A tinham a dizer está escrito”. E isso é tudo.
Não faz sentido se perguntar onde está a verdade, no duelo e na derrota. No fim das contas, trata-se de um assunto de pouca relevância, bom apenas para incitar notários e advogados, categorias de pessoas que os anarquistas mantêm a uma distância adequada. O que mais fere são as palavras, os pensamentos e acima de tudo as suspeitas, com o medo à traição sempre à espreita para atormentar as consciências e questionar até o adágio mais importante de todos, aquele do bandido anarquista Jules Bonnot: “Lamenta-se, sim, mas de qualquer modo não há remorso”.
Estas são as últimas reflexões de uma dolorosa história que começou com a morte voluntária do anarquista Finzi, e que agora vê uma hoste de órfãos em atrozes dificuldades para lidar com um legado não apenas ideal: a revista e seus mais de cinco mil leitores mensais são uma riqueza que seria lamentável perder.
NÃO SE TRATA DE UMA FALTA DE IDEIAS, de qualquer modo. A equipe editorial de A está trabalhando para concretizar um novo projeto, e já começou a buscar uma editora disposta a investir alguma quantia, no enésimo renascimento de um grande clássico das aventuras anarquistas: a luta pela sobrevivência econômica, um momento que se volta a viver com a água constantemente à altura do nariz, mas que também acaba consolidando relações e no descobrimento de que o compromisso dos militantes-leitores se traduz muitas vezes e de bom grado numa chuva de doações. Aconteceu em várias ocasiões, e não se pode descartar que volte a acontecer.
O ROMPIMENTO PERMANECE na família anarquista e é mais do que um mau agouro. É a manifestação de um cansaço que se sente há anos, como se a história tivesse ido longe demais e tivesse deixado os libertários atordoados, se perguntando qual direção tomar. Um drama político que transborda no pessoal, entre camaradas inclusive de longa data, entre os que há de todos os matizes. Certamente não é um belo espetáculo.
É assim que a vontade de Paolo Finzi torna-se também um campo de batalha: encerra-se ou não? E, inclusive se o fundador decidiu levar consigo a A, seria realmente correto cumprir com seus desejos, ou seria melhor discuti-los? Há, por exemplo, aqueles que negam essa decisão, verdadeira ou suposta, como expressão de “autoritarismo”, atributo pouco anárquico e, portanto, que deve ser rejeitado em sua totalidade, custe o que custar.
NO FINAL, TALVEZ, que o legado de Finzi não se busque na revista que ele criou como se fosse uma filha, mas em suas próprias palavras, ou na vontade sempre perseguida de tirar o pensamento libertário de seus lugares canônicos, além dos seus, de suas liturgias e seus espaços mais ou menos estreitos, na procura contínua e obstinada desse murmúrio que se sente em todas as partes do mundo. A tocha da anarquia que permanece acesa inclusive depois de que os anarquistas, por definição “expulsos sem culpa”, tenham ido embora.
Fonte: https://ilmanifesto.it/il-triste-dilemma-della-rivista-anarchica/
Tradução > s/n
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