Memória Combativa | Natalino Rodrigues: Anarquista de ação, um indomável, um padeiro agitador.

Que este escrito salte destas folhas impressas, se some com vontades insubmissas e vire ação no aqui e agora. As expressões por busca da anarquia perduram no curso do tempo, por momentos com maiores e múltiplas expressões, em outros, após “desmatamentos e queimadas” atravessa uma “seca”, e de tanto em tanto, rebrotam iniciativas, agitações, pessoas, comunidades em luta. Os tempos mudam a exploração e a sede por liberdade permanece. A atualidade constante do ideal e práticas anarquistas provoca que surja gente, inspirada no apego a liberdade, a odiarem toda dominação combatendo-a com suas energias sempre debaixo de condições adversas e em desvantagem.

Não temos dados biográficos precisos do anarquista Natalino Rodrigues, da sua tempestiva existência em permanente estado de conflito com tudo que tiraniza a vida: governos, patrões, policiais, fascistas/integralistas e seus bajuladores, prisões, manicômios, controle estatal. Encontramos sobre seus feitos, seu agir, suas andanças, agitações e perseguições que foi alvo, nas páginas do jornal anarquista A Plebe, gritando por sua vida e ideias em franca cumplicidade. As páginas dos jornais¹ de grande circulação destacam titulares de suas inúmeras prisões sempre fazendo o papel de demonizá-lo em sintonia com os policiais da ordem política e social (a mídia aponta a polícia dispara, o cidadão, súdito do estado, aplaude), tornando-o inimigo público. Natalino é tido como sujeito perigoso e nocivo para a paz social dos senhores do poder, seus passos são rastreados por agentes do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS/SP). Sua ficha na polícia política (Prontuário nº 1286) é extensa e detalhada no curso da “Era Vargas”. Nasceu em 25 de dezembro de 1912, provavelmente o motivo de seu nome, em São João da Boa Vista, viveu por Santos e São Paulo, se fez anarquista e padeiro se tornando nos anos 30 uma pedra no sapato, um grão de areia no olho dos patrões, dos pelegos e fura greves, dos policiais e dos fascistas.

Padeiros e suas raízes combativas.

E sempre ouve gente e gente de fato. E gente dura de roer.”

O Trabalhador 1º Set 1931²

No calor do forno, no segredo da mistura dos ingredientes e seu ponto, na lida, amassando a massa, paciência, delicadeza, firmeza, padeiros de um século atrás compartilharam mais do que um ofício, viveram o amargor da exploração fazendo pães e doces, desafiando seus patrões, a polícia, o estado-capital, suas formas de controle e punição. Marcaram em momentos distintos por sua atuação destemida, pela ação direta e combativa, pela solidariedade ativa.

Na Argentina anarquistas padeiros deixaram sua marca também de ironia e protesto, no nome de quitutes das padarias que seguem hoje: “cañones”, “bombas”, “vigilantes”, “bolas de fraile”, “sacramentos”, “jesuíta” . Nestas bandas do Rio da Prata conflitivos anarquistas padeiros têm raízes profundas que remontam a Sociedad de Resistencia de Obreros Panaderos fundada em 1887 em Buenos Aires. Também na outra margem do Rio da Prata, em Montevidéu, os padeiros marcaram sua passagem na história com suas atitudes aguerridas na defesa de seus interesses e inspirações ácratas.

Frente à exploração em todas suas faces, que é o pão do dia a dia, em sua trajetória os padeiros em São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, responderam com ação direta como forma de luta no conflito com os patrões, não delegando nada a ninguém, tomando as ações por suas próprias mãos, agitando sabotagens diversas e greves. A paralisação do fornecimento de pão pelas padarias dava um choque no ritmo “normal” da cidade, a ruptura com a normalidade é regra básica para aqueles que buscam subverter a imposição da exploração e romper com sua continuidade. E pra fazer paralisar tem que pelejar.

Nas palavras do anarquista Cecílio Vilar, escrevendo desde Porto Alegre em 1914, em um artigo escrito no jornal “A Voz do Trabalhador” intitulado “Cartas Riograndenses” retrata a agitação dos padeiros durante uma extensa greve, que foi ganha pelos padeiros, defendendo o descanso semanal: “A sabotagem tem sido usada em larga escala. Diversos são os processos químicos empregados para seus imediatos resultados.” E continua: “A dias foram incendiadas duas carroças que conduziam pão.”

Nestas lutas contra os patrões, contra as forças da ordem e as humilhações da lei, também os fura-greves, conhecidos como carneiros, que atendiam a necessidade capitalista dos patrões de não parar de lucrar eram violentamente combatidos. Os padeiros se faziam famosos por esta postura ativa contra fura greves, além da sabotagem de fornos e farinha, uso de artefatos explosivos “machinas infernais”  contra padarias e ataque a distribuição de pão. Por esta virtude estes aguerridos eram perseguidos e punidos pelas mãos policiais, condenações judiciais e as grades das prisões.

Notas:

[1] Correio Paulistano 26 out 1934, 1 e 2 dez 1934, 30 jan 1935, 8 set 1935, 20 fev 1937, 25 jan 1942, Correio de São Paulo 9 mar 1936, Diário Nacional 17 maio 1932, A Gazeta 17 maio 1932, todos  de São Paulo,  e também em Gazeta de Notícias 28 dez 1935, 25 jan 1942, A Noite 9 mar 1936, 20 fev 1937 e Diário de Notícias 25 jan 1942, 16 dez 1944 estes do Rio de Janeiro.

[2] O Trabalhador setembro de 1931 ano 1 nº 1, expressão impressa da luta dos sindicatos autônomos de inspiração anarquista de São Paulo, elaborado sob a responsabilidade do anarquista Hermínio Marcos, expulso do Brasil por ser o que era, um agitador. Nestas páginas desafiando o prefeito e os patões os padeiros se auto declaram assim: “Gente dura de roer”.

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Saio do cinema:
a nuvem de primavera
é outra sessão.

Fernando Sérgio Lyra