Por Isabel Ling | 16/02/2021
Os bares sempre serviram como terreno fértil para o ativismo político. O direito de se reunir para recreação e o refúgio criado por esses locais semearam desde o movimento operário alemão do século XIX aos motins de Stonewall Inn.
Em Providence, Rhode Island, um bar de vinhos experimental está construindo uma relação mais intencional entre bar e política. No Fortnight, uma seleção cuidadosa de vinhos naturais e petiscos orgânicos frescos da fazenda é servida com uma porção de anarquismo.
Para alguns, a palavra anarquia pode evocar imagens de medo e caos, no entanto, para o Fortnight, que opera como uma cooperativa de propriedade dos trabalhadores desde sua fundação em 2016, o anarquismo fornece um modelo de negócios não hierárquico com ênfase na tomada de decisões que em vez disso, baseia-se em princípios de comunicação, confiança e respeito mútuo.
Fortnight não é o primeiro negócio anarquista a prosperar; seus proprietários-membros citam o Delicatessen em Ann Arbor e o Zingerman’s, que funciona desde 1982, como provas da sustentabilidade do anarquismo como modelo de negócios. Em um negócio onde não há patrão, cada um dos seis membros-proprietários do Fortnight, os quais podem ser encontrados atrás do balcão em qualquer noite, tem a mesma voz na gestão e na direção política do negócio.
“No final das contas, o anarquismo significa um bilhão de coisas diferentes para pessoas diferentes, mas é, no fim das contas, uma persuasão política baseada na não hierarquia e na democracia participativa”, diz Liz McDonnell, fundadora e proprietária do Fortnight, ao MOLD. “Não é importante para nós que todo mundo se pareça com um anarquista ou fale como um anarquista, é sobre como a política é concebida na operação do bar”.
Os três membros fundadores do Fortnight têm raízes na organização comunitária, tendo defendido questões como justiça no transporte e abolição das prisões em Providence por quase uma década. A ideia de uma cooperativa de bares de vinhos de propriedade dos trabalhadores nasceu do esgotamento, uma forma de contribuir politicamente, apesar da fadiga emocional que muitas vezes pode acompanhar o ativismo.
“Nós fomos motivados a abrir o Fortnight por termos enxergado uma maneira de continuar a nos organizar em nossa comunidade e construir espaços que imaginamos poder empoderar as pessoas”, diz McDonnell.
No centro do ethos do Fortnight está o aumento da acessibilidade a vinhos naturais eticamente produzidos e a uma comida criativa e deliciosa que se envolve de forma cuidadosa com a grande e próspera comunidade agrícola de Providence. Uma ênfase na transparência e nos sistemas alimentares baseados na comunidade significa que a cooperativa e seus patrocinadores podem tomar decisões mais informadas e conectadas sobre o que escolhem vender e consumir.
Para Ian Augustine, um dos clientes do Fortnight e fazendeiro por trás do Daylover CSA (vinho) que é distribuído no bar, isso significa reconhecer o trabalho por trás das ofertas do bar por meio do relacionamento com fazendeiros e produtores, “Parte do nosso orçamento para o bar tem o fim de permitir que todos visitem os fazendeiros uma vez por ano e construam um relacionamento com as pessoas que produzem nosso vinho, é também um meio de construir uma narrativa em torno do vinho que estamos servindo. No fim do dia, isso nos permite servir vinhos com mais história, da qual podemos falar por experiência própria… Tentamos ter sempre mais nuance em nossa abordagem à compra de vinho, em vez de sermos dogmáticos sobre os parâmetros dos vinhos [naturais]… porque nós conhecemos as pessoas que fazem os vinhos e podemos dizer que eles são boas pessoas e que estão dando seu melhor. Sabemos disso porque passamos tempo com eles e confiamos que eles estão fazendo o que precisa ser feito”.
Nos últimos meses, publicações de Grubstreet e Eater sobre a cultura tóxica nas cozinhas em Mission Chinese e Momofuku respectivamente, investigaram a exploração que os trabalhadores enfrentam na indústria de alimentos. Embora esses sejam estabelecimentos de alto nível dirigidos por chefs famosos, a pandemia revelou que os locais de trabalho tóxicos e a precariedade enfrentada pelos trabalhadores no serviço são reproduzidos estruturalmente em todas as escalas da indústria de alimentos e de hospitalidade.
“Este ano proporcionou uma lente muito importante para darmos um passo para trás, olharmos para o projeto e lembrarmos o porquê ele é estruturado da maneira que é. Quando o COVID-19 aconteceu e os lugares fecharam e então reabriram, se ouviram muitas histórias de terror de pessoas sendo forçadas a voltar ao trabalho se não perderiam o seguro desemprego”, diz Augustine.
De acordo com Augustine, o modelo não hierárquico do Fortnight é uma abordagem sistêmica para a reimaginação de como uma indústria de alimentos em que os trabalhadores tenham agência pode parecer, “Acho que é um modelo que se presta à indústria de serviços… Especialmente nesta indústria onde as pessoas são tão frequentemente exploradas ou aproveitadas de maneiras explícitas e implícitas. Muitas vezes, a triste verdade é que mesmo em lugares que estão tentando seu melhor dentro de uma estrutura de negócios normal de cima para baixo, onde as pessoas realmente não estão tentando tirar vantagem umas das outras, por causa dessa estrutura capitalista e hierárquica, as pessoas acabam sendo exploradas de qualquer forma”.
Para McDonnell, o Fortnight oferece uma visão para o futuro, uma mais justa e enraizada na mutualidade, “O anarquismo não é sobre violência e destruição, mas sim uma perspectiva muito esperançosa de que existe um mundo melhor lá fora”.
Tradução > A. Padalecki
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Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!