Por Antonio Pérez C.
Depois de celebrar todos os nossos aniversários com algum tipo de evento público, no qual tentamos colocar o olhar libertário sobre as questões das estrelas na época, estávamos esperando a chegada do XXXV aniversário para abrir a casa e organizar alguns dias de debate o mais deslumbrante possível. Entretanto, por razões tão além de nosso controle como a pandemia sanitária, não foi possível comemorar este evento da maneira que desejaríamos. Apesar destas circunstâncias, acreditamos que o aniversário do Ateneu Libertário Al Margen (A Margem) não pode deixar de ser um bom momento para recordar o caminho percorrido e, ao mesmo tempo, para rever as ideias que após a Ditadura deram origem a este e muitos outros projetos.
Os anos 80 do século passado foram muito ricos em eventos – não todos eles felizes – para o anarco-sindicalismo e o movimento libertário valenciano como um todo. A cisão sofrida pela CNT após o falido congresso de 1979 foi o auge de um período de vários anos (desde a reconstrução confederal até o já mencionado congresso da Casa de Campo) de desentendimentos, boicotes e desfederações em que muitas das ilusões e esforços de muitas pessoas valiosas foram queimadas.
Um setor da militância que esperava uma renovação do anarco-sindicalismo continuou com seu trabalho nas seções sindicais, para depois de algum tempo convergir com outros grupos no projeto que acabaria dando forma à CGT, que hoje continua a manter a ideologia e as práticas do sindicalismo revolucionário. Mas outros grupos, principalmente jovens que haviam se aproximado do anarquismo após a morte de Franco, acabaram desencantados com sua experiência sindical e optaram por outras formas de continuar vivendo seus sonhos libertários.
A primeira grande experiência deste processo vital e militante foi a Semana Cultural de 1980, ainda sob as iniciais de CNT, mas sem o apoio das estruturas confederais. Durante esses treze dias (de 11 a 23 de novembro) as personalidades mais renomadas da cultura, arte e ativismo social da época passaram pelo agora desaparecido cinema Alameda em Valência. Entre esses nomes podemos lembrar os de Agustín García Calvo, Antonio Álvarez Solís, Juan Gómez Casas, Luis A. Edo, J. Luis García Rua, Eliseo Bayo, Fernando Savater, Pep Castell, Rodolf Sirera, Juan Goytisolo, Ramón J. Sender, Pablo Guerrero, Joaquín Carbonell, Emma Cohen, Rosa León, Al Tall e alguns outros não tão conhecidos fora da esfera libertária, mas com uma ampla gama de lutas e conhecimentos.
Após a experiência autogerida daqueles famosos dias culturais, o vínculo que uniu um bom punhado de pessoas bastante jovens com trajetórias anteriores variadas tinha sido fortalecido. Pouco depois, alguns dos projetos mais sólidos e duradouros da cena extática valenciana surgiriam: a Rádio Klara, o Ateneu Llibertari Progrés, o Ateneu Libertário Al Margen e alguns outros na forma de cooperativas de trabalho, fundos de resistência, revistas, associações de consumo ecológico, gráficas de impressão, etc.
Al Margen, como proposta para um ateneu libertário, começou a tomar forma no outono de 1984. Os contatos pessoais seguiram um após o outro e rapidamente deram frutos em dois jantares (com mais de quarenta pessoas cada) nos quais foi assumido o compromisso de fazer contribuições financeiras a fim de chegar a uma soma que cobrisse os custos de compra das instalações e as adaptasse às funções que se destinava a proporcionar: biblioteca, salão de conferências e exposições, refeitório, etc.
Dois anos mais tarde, o espaço já estava disponível e os trabalhos relevantes já haviam sido realizados. A inauguração “oficial” foi realizada em março de 1986. Como de costume, foi dada uma palestra e todos os grupos próximos foram convidados para uma pequena festa. As primeiras instalações estavam localizadas na rua Baja, 8, no bairro popular de El Carmen. O Ateneu esteve lá até 1998, quando se mudou para sua localização atual (Palma, 3), também no centro histórico de Valência.
Seria injusto não destacar, a partir desse período de sonhos e trabalho duro, o papel desempenhado por Ángel Olivares e Víctor Serrano, dois companheiros sobreviventes da guerra, do exílio e da repressão de Franco que deixaram um bom pedaço de suas economias e muito suor naquelas primeiras instalações. Outros militantes do Sindicato de Aposentados e Pensionistas da CNT na época também apoiaram o projeto.
Compreensivelmente, o Al Margen teve suas dificuldades, seus conflitos e seus momentos de glória efêmera nestes trinta e cinco anos; quase quarenta se contarmos o tempo de gestação do projeto e as reformas das instalações. Mas acima de tudo, se há algo a destacar nesta trajetória ininterrupta, o mais valioso seria a solidariedade e a amizade criadas entre seus membros e a vontade unânime do grupo de compartilhar experiências, meios e esforços com aqueles que solicitaram o apoio ou a participação do Ateneu.
Cumprindo este propósito de abertura às realidades próximas, as premissas do Al Margen foram utilizadas por ecologistas, antimilitaristas, feministas, posseiros, solidários com o povo saharaui, redatores da revista Si volem… e por grupos que, ocasionalmente, precisaram de um espaço para se encontrar ou montar uma atividade.
Também participamos, na medida do possível, de ações programadas no bairro, tanto em ações puramente de protesto (denúncia de abandono e gentrificação) quanto em outras de caráter cultural ou festivo: “Pintem Juntos” (encontro de pintores de murais), “Música en el escaparate” (dia de apresentações em locais e cantos do El Carmen), “Ciutat Vella batega (Cidade Vielha grita)” ou as Fallas Alternativas. Em outras iniciativas autogeridas de longa trajetória na cidade, como a Feira Alternativa ou a Mostra do Livro Anarquista, nossa presença ativa tem sido mantida desde as primeiras edições. A ideia de exigir um monumento para lembrar Valentín González (um cenetista que morreu na greve dos estivadores do Mercado de Abastos em 1979) foi inicialmente iniciada pelo Al Margen e outros coletivos relacionados.
Quanto ao trabalho específico do Ateneu, seria difícil fazer uma lista completa das atividades que aconteceram dentro de suas paredes durante estes 35 anos. Olhando para os últimos cinco anos de sua existência, mencionaremos apenas as iniciativas mais notáveis e resumiremos brevemente os muitos e variados eventos que aconteceram ao longo do tempo.
Para um ateneu libertário é essencial ter uma boa biblioteca; a biblioteca do Al Margen passou por várias situações, nem todas agradavelmente lembradas, mas agora está novamente disponível, com mais de mil títulos sobre anarquismo, história, sociologia, sindicalismo libertário, ecologia, movimentos sociais, filosofia, etc.
Nosso compromisso com bons livros não só nos levou a ter a biblioteca, mas também nos incentiva a publicar ou distribuir novos títulos. Por um tempo participamos da iniciativa Edições Conjuntas, que publicou obras interessantes de autores anarquistas coletivamente com outros grupos de Madri, Catalunha, Galiza, Euskadi ou La Rioja. Como Edições Al Margen, também publicamos outros vinte textos. Alguns desses livros publicados pelo ateneu correspondem a obras selecionadas em nosso Concurso de Narrativa Social, das quais foram publicadas doze edições. Neste trabalho informativo fizemos até uma incursão no mundo da música e da imagem, com a edição de vários vídeos e CDs. Vindo dos tempos do papel impresso não tem sido um obstáculo para nos adaptarmos às novas formas de comunicação, e por isso temos nos fornecido com um web site (ateneoalmargen.org) e os perfis correspondentes no Twitter e no Facebook.
Um capítulo à parte merece a revista AL MARGEN, da qual já publicamos 117 números. Apareceu trimestralmente sem interrupção desde o início de 1992, contando com um bom número de excelentes e cativantes colaboradores. Como fato curioso, temos que ressaltar que com este nome já havia outra publicação nos anos trinta do século passado em Elda (Alicante), mas descobrimos isso quando já tínhamos publicado vários números.
No que diz respeito às atividades habituais, houve inúmeras exposições, apresentações de livros, palestras e debates, leituras de poesia, apresentações musicais, filmes, excursões, jantares…
E, para concluir, gostaríamos de compartilhar nossa avaliação positiva do caminho que percorremos. Isto não significa que tomamos todos os nossos sonhos como garantidos ou que já estamos planejando uma aposentadoria militante. O que é certo é que tudo tem um começo e um fim, e os camaradas de Al Margen também terão que ceder nosso lugar a pessoas com consideravelmente menos anos para dar continuidade a este e outros projetos libertários. Não queremos resistir à tentação de encorajar os jovens a se organizarem e abrirem espaços de debate e de difusão da cultura crítica e das ideias anarquistas.
Fonte: Rojo y Negro # 355, Madri, abril de 2021. Edição completa disponível em http://rojoynegro.info/sites/default/files/rojoynegro%20355%20abril.pdf
Tradução > Liberto
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!