[EUA] Minha Vida Anarquista

Por Christopher Scott Thompson | 14 de abril de 2021

“Eu comecei a ver uma conexão entre minha mentalidade anarquista – que, por quase toda a minha vida, foi mais um instinto do que uma filosofia – e minha religião pagã. Especificamente, eu comecei a entender uma visão de mundo pagã e animista como o centro espiritual de uma sociedade livre futura capaz de viver neste planeta sem destruir toda a vida daqui.”

VENENO

Eu era um anarquista há quase tanto tempo quanto eu era pagão – ou até mais, dependendo de como você olhar para isso – mas eu não sabia muito o que a palavra significava na maior parte do tempo. Eu me declarava anarquista desde os meus dezesseis anos ou mais, mas a verdade é que tudo começou antes disso.

Quando? Eu não sei exatamente. Talvez quando as outras crianças me cercaram e andaram em circulo ao meu redor, gritando que eu era “veneno” porque eu não era como eles, porque eu me vestia com roupas de brechó que estavam fora de moda e não serviam direito. Talvez quando eles me empurraram contra a parede e bateram no meu rosto até a metade de cima de um dente da frente se partir. Talvez quando eles mandaram eu me sentar em um banco, e então mandaram eu me levantar, e depois mandaram eu me sentar novamente… ou talvez quando eu me levantei dando socos, porque eu de repente decidi que ninguém mais me diria o que fazer.

Minha política é pessoal. Eu odeio fascistas porque eu odeio valentões de todos os tipos, odeio eles desde que fui descrito como veneno por todos os meus colegas. Eu sou contra o Estado porque eu sou contra os valentões que dão ordens, achando que eles têm o direito de dizer a outras pessoas o que fazer. Toda postura política que eu assumo é baseada nestes dois fatos centrais.

D.O.E., SAIA…

Comecei a protestar como um menino que morava fora de Boston. Meu irmão mais velho e eu fizemos greve contra a complacência de nossa escola em tolerar valentões. Até onde eu sei, o bullying só acontecia por que a escola permitia, ou até aprovava isso como uma forma de punir as crianças que não agiam da forma que a comunidade queria que suas crianças agissem. O jornal mostrou, e o protesto se tornou uma grande polêmica local. Muitas pessoas pareciam achar que nossa mãe deveria ter nos impedido de protestar, ou pelo menos nos punido, mas em vez disso ela nos apoiou.

Alguns anos depois nos mudamos para o Maine e morávamos em uma propriedade rural na floresta sem eletricidade ou água corrente. Estávamos mais pobres do que nunca – a ponto de a renda familiar de um ano inteiro ser de apenas alguns milhares de dólares – mas isso foi suficiente para manter sete pessoas vivas, embora muitas vezes com polenta ou pão com leite.

O Departamento de Energia estava procurando um lugar para armazenar lixo nuclear, e o Maine parecia uma boa opção para eles porque não tinha muitas pessoas morando lá. Meus pais aderiram ao movimento de protesto contra a proposta de despejo nuclear e gravaram uma música com um cantor country local chamado Jimmy Floyd:

“DOE, vá embora, pare seu despejo agora, todos os nossos lagos e campos clamam, deixe-nos…”

Ir para aqueles protestos com eles foi provavelmente minha primeira exposição ao ambientalismo.

UM JOVEM ILEGALISTA

Primeiro eu comecei lendo filosofia no ensino médio, começando com o Jean Jacques Rousseau. Morando na floresta sem eletricidade, eu fui simpático aos seus argumentos de que a civilização era a raiz de todos os nossos problemas. Embora houvesse muitas coisas sobre ele que eu não percebi na época – por exemplo, que sua filosofia era basicamente totalitária. Foi nessa época que eu comecei a me chamar de anarquista, embora eu não tivesse lido nenhuma obra de um pensador anarquista ainda.

Minha visão de mundo na época era uma forma grosseira de anarco-primitivismo com uma boa dose de ilegalismo. Para simplificar, eu sentia que as leis existentes foram escritas por um grupo de criminosos para manter qualquer outro grupo de criminosos fora da competição, e eu não tinha a intenção de ser enganado por isso.

Mudando para a cidade quando jovem, eu passei vários anos envolvido em pequenos crimes de rua. Determinado em nunca mais ser vitimizado ou intimidado novamente, várias vezes eu lutei com outros jovens por pouca ou nenhuma razão, geralmente devido à percepção de desrespeito. Eu ainda não era político, mas pensava em meu envolvimento no crime como uma atividade inerentemente política, como uma declaração de guerra se você preferir.

Foi quando eu descobri o punk rock.

A PIT

Eu formei uma banda de punk hardcore com minha primeira esposa em 1994. A banda se chamava Pit, e nosso primeiro show nos baniu pelo resto da vida do restaurante Porthole em Portland, no Maine, depois que eu acertei um membro enfurecido da platéia com uma espada sem corte enquanto ele tentava me enforcar, e uma ex-namorada minha queimou ele por trás com um cigarro.

Como cantor da Pit, eu vestia um roupão de banho vermelho, um chapéu de pompom, uma camisa xadrez neon, e calça rosa. Essa roupa tinha o objetivo de irritar qualquer homofóbico na platéia para que eu pudesse ter a oportunidade de lutar com eles. Lutas eram uma característica comum dos shows da Pit.

As músicas que tocávamos frequentemente tinham temas vagamente políticos, como na música “Up Against the Wall” com a letra, “I ain’t some rebel without a clue, I got no social theory for you, all I know is what’s in front of my eyes… rich man lives, poor man dies!” (“Eu não sou um rebelde sem causa, eu não tenho nenhuma teoria social para você, tudo o que eu sei está diante de meu olhos… homem rico vive, homem pobre morre!”).

Devido as músicas como Up Against the Wall, Molotov Cocktail, Damn the Lying Bastards, e apresentações semelhantes de uma juventude irritada, a polícia apareceu para interromper nossos shows da Flórida à Massachusetts. Os policiais estavam longe da única fonte de problema. No entanto, em um show, levei um choque com um bastão elétrico para gado e em seguida espirraram mostarda amarela diretamente em meus olhos quando eu desabei no chão de dor.

Em uma visita a minha casa no Maine, fui abordado por uma ex-namorada que estava sendo perseguida por um nazista local porque ela era judia. Na verdade ele tinha dito a ela e a amiga dela que ele era da SS e que as colocaria na câmara de gás. Encontrei o homem na frente de um cinema da cidade e espanquei-o na rua na frente de algumas testemunhas. Fui preso por este ato solitário de retaliação antifascista e acusado de um crime que poderia ter me mandado para a prisão por cinco anos. As acusações que eu estava enfrentando resultaram no fim do meu primeiro casamento e no fim da minha banda punk.

MOVIMENTO MARINES

Depois de alegar contravenção, eu me casei de novo e mantive o foco em minhas práticas religiosas. Me mantive longe de crimes e fora das lutas de rua. Por fim, adotei a política de que eu só lutaria em legítima defesa ou em defesa de outra pessoa, e essa política me manteve fora de muitas brigas desde aquela época. Eu comecei a estudar artes marciais em 1998 e aprendi como canalizar meus instintos guerreiros para um treinamento disciplinado, em vez de um confronto aleatório.

Meu segundo casamento acabou em 2001, bem no meio do movimento mundial antiglobalização. Isso foi quando eu ouvi pela primeira vez sobre o Black Bloc, ou o “Movement Marines” como algumas pessoas os chamavam na época – um termo que já foi abandonado, sem dúvida pela óbvia masculinidade tóxica dele. O Black Bloc desempenhou um papel importante no fechamento da Organização Mundial do Comércio na Batalha de Seattle em 1999 e, agora que eu não estava mais casado, eu queria me envolver.

Peguei um ônibus Greyhound para um grande protesto antiglobalização, que resultou em minha primeira experiência enfrentando a tropa de choque – embora não como parte do Black Bloc. Durante uma trégua na ação, um policial da tropa de choque continuou tentando falar comigo na linha de frente, me perguntando do que isso tudo se tratava. Infelizmente, o pessoal do Black Bloc parado ao meu lado não ficou impressionado com o fato de um policial tentar falar comigo, então eles não quiseram fazer nada comigo pelo resto do dia!

OCCUPY MINNESOTA

Quando o movimento Occupy explodiu em 2011, eu já me chamava de anarquista há cerca de 23 anos, mas eu ainda não tinha lido nenhuma obra de nenhum dos filósofos anarquistas. Eu era amplamente antiautoritário, anticapitalista e antifascista, mas eu não tinha nenhuma imagem clara de como seria uma sociedade sem o Estado. Meu anarquismo era basicamente uma resposta instintiva ao crescer como um estranho e me identificar com qualquer pessoa que também parecesse um estranho. Eu não apoiava nenhum dos dois grandes partidos políticos, mas eu tinha desenvolvido o hábito de manter minha boca fechada sobre isso porque muitos dos meus amigos eram democratas.

Quando o Occupy Wall Street começou em Nova York, eu estava morando em Minneapolis com minha terceira esposa. Nós dois sabíamos que queríamos estar envolvidos nesse novo movimento. Eu me lembro de ver a marcha sobre a ponte no noticiário da TV e murmurar para mim mesmo sobre como algo assim deveria acontecer em todos os lugares. Meu sogro virou para mim e disse, “Espere alguns dias. E acontecerá”.

O homem estava certo. O Ocuppy logo se espalhou para Minnesota. Alguns dias antes do nascimento do meu segundo filho, eu estava mantendo a ordem com algumas dezenas de outros ocupantes, defendendo um pequeno monte que nós queríamos usar como acampamento enquanto o Departamento do Sheriff pairava nas proximidades e ameaçava prender todo mundo. Minha esposa estava na tenda médica dizendo aos voluntários horrorizados de lá que eles teriam que levá-la ao hospital se ela entrasse em trabalho de parto, enquanto seu marido estava prestes a ser preso!

Esse foi o começo de alguns anos de intensa atividade política com diferentes ramos do Occupy, anos que reviveram meu radicalismo adormecido. Eu participei de eventos em St. Louis, Chicago e outros lugares, servindo como um guarda-costas não violento para jornalistas civis que pediam proteção da violência policial.

Em St. Louis, a tropa de choque abriu a cabeça de uma Ocupante tão violentamente que ela teve de ser grampeada para ser fechada de volta. Em Chicago, alguém atrás de mim gritou “Eles estão bem atrás de você!” e eu me virei apenas a tempo de ver a tropa de choque atacando. Me virei e corri, de qualquer jeito para longe – uma das razões para eu ser um lutador quando era um homem jovem era que eu não conseguia correr para salvar minha vida, mas de alguma forma naquele dia eu encontrei um jeito de fazer isso. Assim que coloquei distância entre mim e a tropa de choque, eu vi um jovem com sangue escorrendo na frente de seu rosto, olhando para o nada como se não pudesse mais ver o mundo ao seu redor.

Essa foi apenas uma de muitas chamadas difíceis. Eu não vou entrar em detalhes, porque não há nada de incomum nas minhas experiências. Mas vou dizer uma coisa. Sempre que você ouvir que a tropa de choque usou gás lacrimogêneo ou balas de borracha, ou que eles “entraram em choque” com a multidão, eu te garanto que foi a própria polícia que decidiu que isso ia acontecer. Em minha experiência, a violência nunca acontece em um protesto a menos que a tropa de choque queira isso.

VOCÊ SABE O QUE VOCÊ É?

Eu já praticava artes marciais há 15 anos nessa época, e eu costumava dar aulas em seminários aos finais de semana. Eram eventos onde instrutores de todos o país se reuniam – às vezes de fora do país – e ensinavam todas as habilidades que eles possuíam. Luta com vara, luta com faca, luta livre, esgrima – qualquer tipo de habilidade em artes marciais. Você treinava o dia todo e depois bebia e conversava a noite toda, normalmente debates sobre histórias obscuras ou anedotas sobre treinamento com diferentes instrutores.

Um desses debates desviou para política, e outro instrutor perguntou minha opinião sobre algo. Sabendo que eu era muito mais radical politicamente do que a maioria de meus colegas artistas marciais, respondi com relutância. “Eu não concordo com nenhum partido”, eu disse. “E não apoio nenhum político de nenhum partido.”

“Você sabe o que você é?” ele disse, ironicamente. “Você é um anarquista!”

Ele estava certo, e por algum motivo, ouvir ele dizer isso, fez eu me comprometer com isso em um nível que eu nunca estive antes. Quando eu cheguei em casa, eu comprei um livro sobre a história do anarquismo chamado Demanding the Impossible de Peter Marshall. Comprei os livros Farquhar McHarg de Stuart Christie, depois li todos livros disponíveis em inglês sobre os anarquistas da Guerra Civil Espanhola, junto com todos os filósofos anarquistas que eu negligenciei por tantos anos -William Godwin, Pierre-Joseph Proudhon, Mikhail Bakunin, Peter Kropotkin, Emma Goldman, Voltairine de Cleyre, Murray Bookchin, Lorenzo Kom’boa Ervin, e muitos e muitos outros.

Eu comecei a ver uma conexão entre minha mentalidade anarquista – que, por quase toda a minha vida, foi mais um instinto do que uma filosofia – e minha religião pagã. Especificamente, eu comecei entender uma visão de mundo pagã e animista como o núcleo espiritual de uma futura sociedade livre, capaz de viver neste planeta sem destruir toda a sua vida.

Uma sociedade descentralizada de comunidades diretamente democráticas e igualitárias – esse é o tipo de mundo pelo qual eu quero lutar, mesmo que ainda falte mil anos para se tornar nossa realidade. Tradicionalmente, a maioria dos anarquistas são ateus – mas eu não acredito que a espiritualidade irá desaparecer da mente humana, e se isso está conosco para ficar, então devemos fazer algo bom com isso.

Como todos que estão lendo esse post podem ver, eu não sou exatamente um pacifista. O meu paganismo tem mais a ver com as sociedades guerreiras do mundo antigo do que qualquer tipo de utopia pacífica New Age. Eu sempre vou enfrentar valentões como eu tenho feito desde quando eu era criança, e isso inclui racistas, misóginos, homofóbicos, transfóbicos, e fascistas de todos os tipos. O mundo no qual eu quero viver não é um mundo sem conflito, mas onde as pessoas possam viver em relação com o espírito e em igualdade umas com as outras – um mundo com “muitos deuses, e sem mestres”.

Fonte: https://abeautifulresistance.org/site/2021/4/14/my-anarchist-life

Tradução > Brulego

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folhinhas
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Maiakovski

2 responses to “[EUA] Minha Vida Anarquista”

  1. Barulhista

    Texto muito inspirador, me identifico muito com esta pessoa.

  2. John

    Life Style Anarquism