Por Julio Lorente | 19/07/2021
O entusiasmo que gera toda revolução — Kant o apontava em sua Filosofia da História —, faz tempo que acabou para a Revolução cubana. E se acabou porque a mesma foi esgotando minuciosamente sua reserva simbólica: seu compromisso social.
O povo passou de figura tangível a decoração retórica, e cai sobre esse esquecimento-coerção não só a “parte divergente” do povo, mas o povo em sua generalidade. As reformas implementadas na chamada “Tarefa Ordenamento” foram, uma após outra, cometendo todo tipo de erro que, por ser tão inconcebível para uma economia despedaçada, se poderia pensar que são a priori. Não se pensou nem medianamente em solucionar os problemas imediatos das pessoas, mas em entorpecer a vida do cidadão a pé, e tudo isto em meio de uma pandemia. Desse desespero coletivo nasce o 11 de julho.
É a primeira vez, nos 62 anos de retórica populista da Revolução cubana, que o regime castrista teve que enfrentar um levantamento popular a tal escala. E o fez ao mais puro estilo totalitário: violência pura e dura. Os mecanismos de repressão haviam sido, quase sempre, sinuosos, pontuais e profiláticos. Mas o repertório mostrado ante cada câmara de celular flutua entre sórdidas imagens de jovenzinhos do serviço militar assustados e com paus na mão, até policiais com uma indumentária futurista e temerária. Disparos, sangue, pedras, lemas de um lado e verdades desgarradas de outro; a ilustração mais acabada da cubanidade inoculada pelo castrismo: divisão e ódio.
Díaz-Canel perdeu a oportunidade de ser um Gorbachov tropical e escolheu ser uma prolongação dócil e mesquinha nas mãos do pináculo do poder real em Cuba; leia-se Raúl Castro. Escolheu seguir defendendo a cubanidade como uma categoria política, por isso “a rua é dos revolucionários”, daí a fora não existem os demais, e como não existem são facilmente descartáveis. Parecia retumbar a equação estalinista: a morte de um homem é uma tragédia, a de um milhão uma estatística.
Depois deste banho de sangue tão hiper-real, depois destes encarceramentos e desaparições, não será possível nenhuma “retificação”, esse termo tão comunista e demodê utilizado na Rússia soviética de Stalin, da China de Mao e da Cuba de Fidel/Díaz-Canel. E não será possível porque a Revolução, como cruel Uróboros, mordeu sua própria cauda, essa cauda que sempre foi seu estratégico leitmotiv: o povo.
Quando a linguagem política gravita para o nada e necessita puxar o gatilho para ser crível, o evento revolucionário terminou. Poderíamos dizer, sem temor de nos equivocarmos, que a Revolução cubana morreu. Só lhe resta que custodiem seu cadáver suas tropas de assalto, antes que outra explosão social a apague do mapa histórico. É questão de tempo.
Tradução > Sol de Abril
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!