Por Iason Athanasiadis | 06/12/2021
Como o Estado deveria lidar com um ambientalista que quer aboli-lo? Um anarquista grego acusado na polícia após um protesto contra a poluição. Eles responderam com cassetetes, negação e silêncio.
Quando ele tinha 18 anos de idade, Vasilios Mangos destruiu a sede do partido grego neonazista Aurora Dourada. Ele foi condenado por vandalismo por um tribunal na sua cidade natal, Volos, mas, com a sentença suspensa, evitou a prisão. Sete anos depois, em 14 de junho de 2020, Mangos novamente teria problemas com a lei. Desta vez, não houve julgamento: a punição foi administrada instantaneamente, nos portões do foro de Volos. Mangos foi chutado, agredido com cassetetes e enviado à delegacia após se precipitar em um grupo de policiais durante um protesto em frente ao foro. Solto sem acusações naquela tarde, foi admitido ao hospital, onde foi diagnosticado com seis costelas fraturadas e contusões no fígado e na vesícula. Quatro dias depois, foi mandado para casa sob medicação para a dor.
De volta com a sua família, o jovem de 26 anos cuidou de seus ferimentos e pesquisou sobre processar a polícia. O governo declarou apoio às ações do policial, declarando que Mangos – conhecido pelas autoridades como um anarquista comprometido – comportou-se de maneira ameaçadora. Mas havia evidência para sugerir que a polícia passou dos limites: a agressão em frente ao foro foi filmada nos celulares dos manifestantes.
Mangos se uniu a um grupo de ativistas da cena local anarquista e esquerdista que planejavam um desafio separado contra a polícia local, sobre sua repressão em uma manifestação ambientalista recente. Nas atualizações do Facebook, explicou por que tinha confrontado os policiais: tinha raiva sobre a destruição do meio ambiente e sobre brutalidade policial. Disse que os policiais apenas o deixaram ir quando perceberam que necessitaria de atenção médica. “Fiz com que falassem que seriam obrigados a me levar ao hospital se me mantivessem por mais tempo”, escreveu. “Duas semanas de recuperação agora, e quem sabe quantos anos até que haja justiça”.
Seja lá qual forma essa justiça eventualmente tome, virá tarde demais para Mangos. Um mês após seu encontro com a polícia, foi encontrado morto – o resultado de uma overdose. A família Mangos acredita que ele estava usando drogas para lidar com o impacto do ataque, e credita parte da responsabilidade por sua morte à polícia. “Sem ser uma figura de linguagem, acreditamos que o Vasilios morreu um mês após seu assassinato”, o pai de Mangos, Yannis, disse à Balkan Investigative Reporting Network, BIRN. Contudo, um relatório do promotor de Volos concluiu que não havia evidência de que os ferimentos de Mangos levaram a sua morte; ele foi morto pela heroína e sedativos em seu sistema.
Em 2020, a entidade de proteção aos direitos humanos da Grécia, a Ombudsman, recebeu cerca de 18,500 reclamações contra a polícia: o maior número em sua história, bem como um crescimento de 75% no total do ano anterior. Esta é a história por trás de uma dessas reclamações, que oferece um retrato de uma força policial em descontrole, praticando abusos sem medo de ser responsabilizada.
Os anarquistas são estrelas no que se referem na Grécia como sua “esquerda extraparlamentar”, uma constelação de grupos que opera fora do – e em oposição ao – sistema político. Muitas cidades gregas têm uma cena anarquista viva centrada em um espaço, ou no “horos” – uma zona de edifícios ocupados, com frequência grafitados, que dizem ter autonomia do Estado. O movimento anarquista está também na linha de frente dos protestos, comandando uma presença na rua que rivaliza com bastiões históricos como Itália e Espanha.
Na Grécia, como em qualquer lugar, os anarquistas apresentam um dilema: como o Estado deveria lidar com aqueles que buscam sua abolição? A resposta tipicamente envolve a polícia. Os próprios anarquistas também frequentemente acreditam em confrontação direta com os policiais: o monopólio da violência do Estado, como exercido pela polícia, deve ser desafiado com violência. Esta história oferece um relance de como a força policial grega lida com as pessoas que querem se livrar de seus empregadores.
A polícia “não encara os anarquistas como um fenômeno sem cara – eles também os tratam com hostilidade, social e pessoalmente”, diz George Sotiropoulos, um cientista político com base em Atenas e especialista no movimento. Ele descreveu a relação entre os dois lados como tendo “as características de um revanchismo”, bem como lutando uns contra os outros nas ruas, profanam uns aos outros “a níveis de estádios de futebol.”
‘Cultura da mentira’
O primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis foi questionado sobre o caso de Mangos em março deste ano, depois de motins engatilhados pela fúria do policiamento. Ele disse que a investigação oficial estava para acabar e uma decisão seria comunicada “em breve”. Nove meses passaram, ambos um inquérito policial interno e uma revisão desse inquérito pela Ombudsman foram completados, mas não há uma palavra sobre quando as descobertas serão publicadas. A família Mangos diz que foi mantida no escuro sobre o processo.
Um oficial da sede da Ombudsman, falando à BIRN anonimamente, disse que a revisão levou mais tempo do que o planejado porque a investigação policial fora “superficial” e “cheia de furos”. Uma porta-voz da polícia grega de Atenas, tenente Anna-Anniela Efthymiou, disse à BIRN que a polícia estava trabalhando para abordar as questões levantadas no relatório da
Ombudsman, incluindo um pedido por “muitos testemunhos adicionais”.
Enquanto não há veredicto sobre a conduta policial, acusações foram preparadas contra Vasilios Mangos. De acordo com sua advogada, Anny Papparousou, a polícia local colocou esforço em processá-lo por ofensas relacionadas a drogas após algumas horas do seu falecimento, apesar da ausência de qualquer base legal para processar uma pessoa falecida. “Isso é tanto uma violação à lei quanto à lógica”, disse Papparousou à BIRN.
Autoridades policiais de Volos não responderam aos pedidos por comentários da BIRN. Contudo, um policial da cidade que estava familiarizado com o caso, falando anonimamente, disse à BIRN que Mangos confrontou seus colegas em frente ao foro “com postura de boxeador, estendendo seus braços”.
Enquanto o policial concedeu que seus colegas tinham exagerado contra Mangos e deveriam ser “apropriadamente punidos”, ele também defendeu seus caracteres. “É uma vergonha… Eles são caras trabalhadores, honrados, homens sérios de família, o tipo que qualquer um quer como genro”. O policial enfatizou que os ferimentos de Mangos não tiveram a ver com a sua morte. “Respeito a dor do pai dele, mas não vejo como [a polícia] pode ser culpada pela morte”, disse.
Seguindo a instabilidade civil de março, o primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis fez uma admissão rara ao público. “Um código de honra” com a polícia levara a seus excessos serem encobertos, declarou. “Nossa polícia está ainda a um longo caminho de ser adequada à democracia moderna”. Seus comentários ecoaram as descobertas de uma revisão judicial atrasada da violência policial, ordenada pelo governo e publicada com reduções extensivas no ano passado. Concluiu que os policiais operaram em um ambiente de impunidade excepcional, apoiando críticas de entidades internacionais de direitos humanos.
“A liderança da polícia é de fato conivente a atos ilegais individuais de policiais, sem necessariamente tentar ser”, diz Anastasia Tsoukala, professora associada de criminologia na University of Paris-Sud. “Há uma cultura de mentira na polícia, e um medo da responsabilização que se move por toda a hierarquia.” Como resultado, diz ela, a maior parte dos abusos policiais são encobertos – “a não ser que fossem muito graves, ou muito bem documentados”.
‘Núcleo radical’
Sob ordens do novo governo, a polícia se impôs contra seus adversários ideológicos, os anarquistas. Sua repressão ao movimento gira em torno de uma história de reviravolta institucional. A força policial grega tinha uma relação desconfortável com o governo esquerdista Syriza, o qual tentou mantê-la sob controle mais rígido. O partido conservador Nova Democracia, eleito em 2019, derrotou Syriza ao prometer, entre outras coisas, a restauração da lei e da ordem. Quando no governo, engrandeceu as posições dos policiais e expandiu seus poderes. Em maioria de forma controversa, reviveu uma unidade de motocicletas que havia sido desbancada no governo Syriza por violações aos direitos humanos. Muitos dos recrutas da unidade foram tirados de posições de forças especiais militares, evitando a rota usual pela academia.
Até agora, as energias dessas forças engrandecidas têm focado no policiamento de espaços públicos em isolamento, controlando protestos e retomando zonas urbanas que têm tradicionalmente gozado de alguma autonomia do Estado. No distrito central de Atenas de Exarchia, onde se encontra grande parte dos anarquistas e da esquerda radical, ocupações bem estabelecidas foram invadidas e fechadas. A polícia também ganhou o direito de entrar em campi universitários, encerrando uma proibição em voga desde o colapso da junta militar de 1975, quando estudantes foram proclamados heróis da resistência e seus campi foram resguardados como refúgios dissidentes.
Como a força policial se empurrou à vida pública, encarou escrutínio sem precedentes. Seus excessos nunca foram melhor documentados, com gravações em celulares de agressões compartilhadas amplamente nas redes sociais. Em uma sequência típica de eventos, vídeos de brutalidade policial incitarão protestos de rua que preparam o cenário para que a violência cresça. O ciclo é temporariamente interrompido com linguagem conciliatória sobre reformar a força policial e promessas que acrescentam pouco demais.
Pela segunda vez neste ano, protestos contra a brutalidade policial em Atenas se transformaram em motins. Em outubro, foi sobre o assassinato de um homem, baleado em um carro roubado. Em março, foi sobre gravações da polícia agredindo um homem por uma alegação de violação do isolamento no bairro de classe média Nea Smyrni. Muitos protestantes foram feridos em uma perturbação subsequente, assim como um policial, puxado de sua motocicleta e agredido por uma multidão de vândalos torcedores de futebol.
Historicamente, o Estado torna anarquistas seus alvos com uma combinação de intensificada violência policial e vigilância, com frequência operando no limite da ilegalidade. Enquanto isso, a violência dos anarquistas tem tradicionalmente aparecido em um espectro, desde motins a roubos a bancos, a bombardeios e assassinatos por grupos guerrilheiros urbanos que foram designados como terroristas pelo Estado grego.
Sob a repressão recente, contudo, o movimento tem revisado seu uso de táticas violentas. O cientista político George Sotiropoulos diz que, “em um nível teórico, os anarquistas não abandonaram essa ideia de violência política, mas agora há uma atitude mais sutil sobre ela, precisamente por causa do nível de repressão policial”.
A influência do movimento aumentou quando a crise financeira atingiu a Grécia, 13 anos atrás. O assassinato de um adolescente desarmado, atingido por uma bala de um policial em Exarchia em dezembro de 2008 causou uma instabilidade nacional. Os motins que seguiram a morte de Alexandros Grigoropoulos canalizaram condições econômicas que se deterioravam.
Hoje, os anarquistas também exploram reclamações sobre a resposta do Estado a questões como poluição e incêndios, formando a vanguarda de um novo movimento ambientalista. A esquerda grega e os anarquistas “interseccionam com o movimento ambientalista no nível de lutas locais”, diz Sotiropoulos. Contudo, os anarquistas “não têm sido particularmente ativos na questão das mudanças climáticas”, adicionou, porque há uma ausência da Grécia em qualquer “movimento ambientalista mais amplo, lidando com questões maiores”.
Esse pode não ser o caso por muito mais tempo. Causas ambientais são esperadas a ganhar tração na Grécia por conta de incêndios catastróficos e climas extremos que preveem o caos que será iniciado por um planeta em aquecimento. Sotiropoulos diz que o Estado se encontra alarmado pela possibilidade de anarquistas formarem “o núcleo radical” de um movimento ambientalista em expansão – “uma luta radicalizada” será mais difícil de
conter.
Espírito autoritário
Da colina cravejada em que seu filho está enterrado, Yannis Mangos consegue ver os terraços de Volos, a cidade portuária que foi seu lar pelos últimos 30 anos. Ele cresceu em uma vila na província vizinha de Thessaly, mudando-se para a cidade após o seu casamento com Dati Mourtzopoulou, a filha de um advogado proeminente e poeta. O casal trabalhou como professores e criou três crianças, das quais Vasilios foi a segunda.
Políticas de esquerda eram comuns na família. Quando jovem, Yannis foi um membro do partido comunista grego. Seu pai foi da guerrilha comunista durante a guerra civil grega. Yannis ambicionava passar a tradição familiar adiante, levando o jovem Vasilios para as trilhas atrás de Volos, cena de algumas batalhas lendárias da guerra civil. Eles conversavam sobre a história da região e do herói comunista da resistência, Aris Velouchiotis, que se escondeu nessas montanhas para lutar contra a ocupação nazista na Grécia. Vasilios se tornou um jovem “profundamente político”, diz Yannis, preocupado com questões de injustiça, constantemente perguntando “por que existe, e o que pode ser feito sobre”.
O garoto foi criado em uma cidade em declínio. Volos foi um dia um centro comercial ocupado, ligando a Europa do Danúbio ao Mar Negro, e ao Levant. No século XX, ela se tornou o local do terceiro maior porto de carga da Grécia, suas fábricas da orla produzindo aço e cimento. Com a globalização, contudo, Volos foi no mesmo caminho de todos os centros da manufatura provincial. As fábricas ainda estão lá, soltando fumaça, mas elas produzem menos e contratam menos pessoas. Muito da antiga burguesia se realocou para a capital, e muitos dos jovens que se aglomeram nas calçadas à noite terminarão por usar seus passaportes europeus para ter um futuro no estrangeiro.
Vasilios Mangos permanecia. Ele tinha uma personalidade otimista e uma tendência à impulsividade, e fazia amigos com facilidade, conhecido entre eles por seu apelido, Billy. Ele torcia para o Volos Victory FC, o time de futebol local estabelecido pelos refugiados que aumentaram a população da cidade após a guerra greco-turca de 1922. Desde sua adolescência compartilhou o apetite de seu pai pela literatura política, lendo trabalhos canônicos de Camus, Dostoiévski e do dissidente de esquerda e ambientalista grego Chronis Missios.
Sua política, contudo, divergiria do esquerdismo de seu pai. Enquanto Vasilios compartilhava o ceticismo de Yannis sobre os partidos políticos gregos tradicionais, considerando-os coniventes com interesses americanos ou alemães, ele também rejeitava o dogmatismo dos comunistas. Ao invés disso, diz Yannis, seu filho “acabou se movendo para um espaço político um pouco mais além”. Vasilios gravitava para a cena anarquista de Volos, ficando na maior de suas ocupações, a Matsangou Occupation, em que ajudava a organizar eventos para arrecadação de fundos e culturais.
As origens do movimento anarquista grego moderno pode ser traçada às consequências da Segunda Guerra Mundial. A insurgência comunista que lutou contra os nazistas nas montanhas atrás de Volos foi eventualmente derrotada na guerra civil grega de 1946-9. Nas divisões da Europa do pós-guerra, a Grécia foi desenhada na órbita americana, tornando-se membro da OTAN e, pelo menos nominalmente, uma democracia. Na prática, contudo, seus partidos de esquerda foram marginalizados por um Estado do pós-guerra que temia um renascimento do comunismo. O movimento anarquista se expandiu durante esse período, prosperando ao lado dos comunistas que dominavam as margens. “O anarquismo moderno da Grécia emerge como uma tendência dentro de um radicalismo de esquerda mais amplo,” diz o cientista político George Sotiropoulos. “Desenvolveu-se no contexto de um movimento que demandava democratização”.
Depois que um golpe militar instalou uma junta autoritária de extrema direita em 1967, elementos dentro da subcultura esquerdista e anarquista endossaram a ideia de violência política. Sua crença era que a luta violenta sobreviveria o colapso da junta e a reformulação do sistema democrático em meados dos anos 1970. O anarquismo grego preservou um espaço para a violência política porque veio a ver “ordem legal democrática como uma fachada”, disse Sotiropoulos. Na visão anarquista, o Estado ainda estava sob o controle de interesses profundamente conservadores e reacionários com tendências fascistas, e então seu monopólio da violência tinha que ser continuamente desafiado.
Se os anarquistas se consideram os donos da tocha da resistência à junta, a força policial preserva ao menos uma parte daquele espírito autoritário da era. Ela consistentemente combateu os esforços para fazê-la mais responsável enquanto recrutando desproporcionalmente dos ranques de extrema direita e simpatizantes neonazistas. “Houve um esforço para democratizar entidades de segurança como resultado da junta,” diz Anastasia Tsoukala da University of Paris-Sud. “Mas, enquanto isso aconteceu satisfatoriamente com as forças armadas e não estamos mais no risco de um golpe, falhou deploravelmente com a polícia”.
‘Procurou sangue policial’
Depois de completar a escola, Vasilios Mangos se matriculou em um curso técnico superior em Atenas e se imergiu na contracultura anarquista da capital, centrado na rede de ocupações de Exarchia. Ele ocasionalmente performava como rapper e frequentava festivais de música, tomando trens pelo país, acompanhando seus amigos em farras épicas. Junto com as drogas de festa inevitáveis, Vasilios desenvolveu um gosto por heroína. Sempre um usuário funcional, fez várias tentativas de parar, entrando em programas de reabilitação em Volos e na cidade próxima Larisa. Ao final da última década, ele tinha conseguido se desabituar. Mudou-se de volta para Volos, encontrou trabalho como motorista de entregas e estava em um relacionamento sério com uma jovem da cidade.
Mangos estabeleceu suas credenciais antifascistas quando era adolescente, com o ataque à sede do Aurora Dourada. Crescendo, também fazia campanha por causas ambientais adotadas pelo movimento anarquista. Os anarquistas de Volos se mobilizavam aonde quer que detectassem que o governo passava dos limites. Protestavam contra as fábricas poluentes da cidade, planos oficiais para desviar uma nascente de montanha, e esquemas para construir usinas eólicas na região – empurradas, de acordo com os residentes, sem levar em conta suas necessidades.
Em 13 de junho de 2020, Vasilios se juntou a cerca de 5.000 pessoas em um protesto contra uma nova instalação planejada para converter lixo comercial em combustível para incineração na fábrica de cimento que dominava a periferia do norte da cidade. Combustível sólido recuperado, ou CSR, é produzido por papel tratado, lixo têxtil e plástico e está sendo cada vez mais usado na produção de cimento e na geração de energia no mundo todo.
É divulgado como uma alternativa mais sustentável para combustíveis fósseis, que tem o benefício adicional de reduzir a quantidade de lixo direcionado a aterros sanitários. Em Volos, contudo, muitos temem que as fábricas de CSR planejado ignorarão normas ambientais e piorarão a poluição do ar. A fábrica de cimento Heracles da cidade, propriedade do conglomerado suíço LafargeHolcim, está entre as maiores das unidades europeias. Um relatório de 2011 pela European Environment Agency, EEA, classificou entre os 10 piores sítios industriais da Grécia em termos do seu impacto na poluição do ar e saúde pública.
Vasilios participou da manifestação de 13 de junho com um grupo de torcedores do Volos Victory FC que foram incumbidos da guarda. Os manifestantes – uma mistura de ativistas, estudantes e famílias com crianças – avançaram em direção aos portões da fábrica de cimento, segurando caixões simbólicos e cartazes com slogans de um tipo que se tornou comum mundialmente em protestos ambientalistas. “Se o clima fosse um banco,” lia um, “o governo o teria salvado”.
Os ativistas e a polícia dão explicações conflitantes para o caos que se irrompeu quando o protesto estava em abrandamento, por volta das nove da noite. De acordo com um depoimento dado pelo sindicato legal da polícia, um grupo de manifestantes vestindo moletom teria “procurado sangue policial”, deixando pelo menos dois policiais com ferimentos na cabeça. Contudo, ativistas disseram que foram atingidos por gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral quando se aproximavam da fábrica de cimento com uma faixa grande.
Algumas contas ativistas disseram que a intenção era colocar a faixa nos portões da fábrica, outros insinuaram que era colocá-la dentro das instalações da fábrica. De qualquer forma, a polícia acabou perseguindo grupos de manifestantes por dois quilômetros de rodovia, até os portões do hospital da cidade. Testemunhas relataram ver manifestantes deitados no asfalto, vencidos pelo gás lacrimogêneo, ou cambaleando para o mar para escapar de seus efeitos.
Nem todos simpatizam com os ativistas ambientalistas. Um PM conservador de Volos os descreveu como “vândalos de moletom operando às margens da ilegalidade”. O PM, que falou com a BIRN anonimamente, diz que os manifestantes erraram ao fazer da fábrica de cimento um alvo. “Se Lafarge deixar sua localização atual,” diz, “irá se mover de vez para a Bulgária, levando embora seus empregos”.
‘Força necessária’
No próximo dia, a perturbação na manifestação foi a conversa da cidade. Até a hora do almoço, um pequeno protesto se formou em frente ao foro em que acusações foram feitas contra os manifestantes detidos na noite anterior. Os manifestantes se mantiveram de um lado da rua, de frente para as vans de motim da polícia posicionadas em frente ao foro.
O clima era hostil. Os policiais de motim alegadamente utilizaram sistemas públicos de comunicação para transmitir poemas e comentar as mulheres da multidão. Enquanto isso, os manifestantes gritavam slogans contra a polícia, rimando o termo grego para segurança de Estado, “asfalites”, com a palavra para assassino, “alites”.
Vasilios Mangos não foi à manifestação, mas morava perto e estava passando em sua motocicleta quando os detidos estavam sendo conduzidos para fora dos tribunais. Reconhecendo um deles, estacionou e, como que em um impulso, correu na direção da polícia, gritando: “O que vocês estão fazendo com ele?” Um vídeo filmado no celular de um manifestante e disponibilizado no YouTube mostra a reação da polícia.
Um policial vestido em roupas escuras é filmado voltando-se ao lado esquerdo do enquadramento, seu braço estendido. Vasilios está na beira da câmera, mas sua sombra pode ser vista momentaneamente no asfalto. Outro policial de preto corre para ele, seguido de um grupo de policiais armados para motim. A câmera vira para mostrar dois policiais agredindo Vasilios enquanto ele está no chão. Um dos policiais usa um cassetete enquanto outro é filmado chutando Vasilios, que levanta as mãos para proteger sua cabeça. Um terceiro policial armado para motins se junta a eles enquanto seus colegas dispersam, formando um cordão imediato entre os manifestantes e a agressão.
Há clamores chocados da multidão. “Deixe ele em paz!” alguém grita; “O que vocês vermes estão fazendo?” outro grita. Os policiais jogam granadas de efeito moral e a câmera captura os manifestantes correndo, seguidos pela polícia de motim. “Foi a coisa mais extrema que já vi”, diz S., um amigo de infância de Vasilios e membro da cena anarquista da cidade que falou à BIRN em anonimidade. “A polícia de motim nos perseguiu por dois quarteirões, passando uma taberna em que os clientes sentados nos observavam chocados”.
Um segundo vídeo, disponível no mesmo link do YouTube, mostra o ataque no foro de outro ângulo e captura sua conclusão: Vasilios está ajoelhado na rodovia com três policiais em cima dele, enquanto manifestantes se dispersam ao som das granadas. Ele contou posteriormente a S. que suas costelas já estavam fraturadas a esse ponto. Algemado e se contorcendo de dor, Vasilios disse à polícia que não conseguia respirar.
Ele foi levado em um veículo preto. Cerca de duas horas depois, foi visto por volta da delegacia local por conhecidos que traziam comida para seus amigos detidos. Visivelmente ferido, Vasilios foi auxiliado a chegar em casa, de onde foi ao hospital. Contou a seu pai e amigos que foi agredido novamente pelos policiais antes que o deixassem ir. Foi mantido brevemente em uma cela, disse, descrito como “bixa” e humilhado quando tentou beber água que gotejava de um bebedouro quebrado.
Após uma hora sob custódia, foi solto sem acusações. O incidente no registro da delegacia dizia que Vasilios Mangos foi detido sob suspeita de ter cometido um crime. Como base para a detenção, o registro também cita suas “atividades em vários coletivos” e seu “comportamento criminal em geral” – referências aparentes a sua ligação com grupos locais anarquistas e sua condenação pelo ataque à sede do Aurora Dourada. O registro diz que foi contido usando mais força do que o “absolutamente necessário”.
No hospital, Vasilios recebeu remédios fortes para a dor pelos ferimentos em suas costelas e órgãos internos. “Fazia anos que não o via tão dopado”, diz Yannis Mangos. “Foi quase como se estivessem tentando subjugá-lo”.
Recuperando-se em casa, Vasilios se registrou para benefícios por deficiência e saía para passeios gentis. Passeios de carro traziam uma mudança de cenário bem-vinda, mas ele tinha que maneirar – os trancos do veículo eram insuportáveis se estivesse a mais de 20 km/h. O amigo de infância de Vasilios, S., que o via quase diariamente durante esse período, lembra que não podia contar piadas – rir era muito dolorido.
Vasilios falava da agressão em tom descontraído, mas aqueles que o conheciam podiam ver que a experiência o afetara psicologicamente. “Ele estava estressado, tinha problemas para dormir, parecia diminuído”, seu amigo S. contou à BIRN. “Não era mais seu tipo gregário usual”. Amigos disseram que Vasilios também reclamava que estava sendo incomodado por pessoas que o vendiam drogas quando estava viciado; criou um novo perfil no Facebook para esquivar sua atenção.
Algumas semanas após a agressão, Vasilios procurou ajuda médica. Diagnosticado com depressão e Transtorno de Estresse Pós-Traumático, recebeu uma receita para benzodiazepinas, uma droga que é usada no tratamento de ansiedade e insônia. Embora seja amplamente receitada e considerada segura para uso a curto prazo, benzodiazepinas podem causar uma overdose quando tomadas em combinação com outras substâncias supressoras do sistema nervoso, como álcool ou opioides. Na noite de segunda-feira, 13 de julho de 2020, um mês após ser agredido pela polícia, Vasilios foi encontrado morto em seu quarto por sua mãe. A autópsia confirmou que teve uma overdose de uma combinação de drogas lícitas e ilícitas, nominalmente heroína.
Yannis Mangos estava fora de casa quando seu filho morreu, cuidando de sua mãe enferma. Contou à BIRN que Vasilios estava calmo e falante quando se falaram por telefone no domingo. Quando se falaram novamente na segunda-feira de manhã, contudo, estava em “um péssimo estado: irritado, triste, estressado”, relatou Yannis.
O pai propôs que fossem às trilhas das montanhas quando Vasilios se recuperasse, fazerem algo que os dois amavam – e essa foi a última vez que se falaram. A overdose parece ter sido resultado de um trágico erro de cálculo, sendo que Vasilios misturou medicamentos com um opioide ao qual seu corpo havia perdido tolerância. “Se ele estivesse sóbrio por muito tempo, teria que ter sido mais cauteloso com a dose e combinação”, apontou Yannis.
Não há evidência para sugerir que Vasilios tinha intenção de tirar sua vida. Apesar das flutuações de humor após a agressão, a busca por reparação aparentava ter lhe dado um propósito. Na semana de sua morte, encontrou-se com Anny Paparoussou, uma advogada com base em Exarchia com uma reputação por defender vítimas de violência policial. A reunião foi marcada por Yiannis Hadziyannis, um ativista esquerdista de Volos que estava auxiliando a organização de defesa legal para ativistas acusados a partir da manifestação de 13 de junho. Declarou à BIRN que estava impressionado com a força das convicções políticas de Vasilios. “Vasilios era muito claro e não tinha ilusões de qual lado das barricadas estava”, disse.
‘Presença vívida’
Quando a notícia da morte de Vasilios se espalhou pelos círculos anarquistas e esquerdistas, causou indignação. O vídeo de celular da frente dos tribunais foi visto sob uma nova luz: a polícia foi implicada não apenas na agressão, mas também, potencialmente, no assassinato. “Pessoas me diziam que ativistas estavam se preparando para se reunir por toda a Grécia, que preparações estavam sendo feitas para tomar as ruas”, lembra Yannis Mangos. Ele lançou uma declaração rápida com a esperança de diminuir as tensões: declarou que a família não responsabilizava o Estado pela morte de seu filho. “Eu estava em uma dor terrível”, disse Yannis, “e Vasilios ainda seria enterrado”.
Hoje, contudo, a família Mangos diz abertamente que as ações do Estado contribuíram para a morte de seu filho. Eles acreditam que recorreu à heroína para lidar com o impacto da agressão. “Vasilios não morreu diretamente da agressão, mas o incidente criou danos psicológicos e o lançou em um caminho autodestrutivo”, declarou Yannis à BIRN. “Se não tivesse sido agredido e torturado, ainda estaria vivo hoje. Eles não atiraram em seu coração, mas certamente destruíram sua alma”.
A posição oficial do Estado sobre Vasilios Mangos mudou com sua morte. Duas semanas após a agressão, enquanto ainda estava vivo, o Estado defendeu os policiais de Volos. O representante ministerial pela proteção dos cidadãos, Eleftherios Ikonomou, disse que agiram apropriadamente contra comportamento “violento e ameaçador”. Contudo, dois dias após o falecimento, o chefe de Ikonomou, o Ministro da Proteção do Cidadão Michalis Chrisohoidis, disse que os policiais estavam sob investigação.
Como se provou, a reputação de Vasilios também estava sob escrutínio. Em 15 de setembro de 2020, sua advogada, Anny Papparousou, revelou que a polícia apreendeu o celular de Vasilios nas bases de que estava enfrentando acusações póstumas, por posse de drogas. “É um paradoxo ensurdecedor”, declarou à BIRN. “Eles usaram o pretexto dessa acusação que não existe para confiscar o celular”.
A BIRN perguntou à polícia de Volos por que eles apreenderam o celular de Vasilios. Em uma ligação breve, o chefe do diretório da polícia de Magnesia Miltos Alexakis disse que a força não podia discutir detalhes do caso. A BIRN fez várias tentativas para contatar outras filiais da força, bem como policiais individualmente, mas nenhum estava disposto a ser citado.
Um ex-policial de Volos que agora trabalha na indústria de segurança privada disse que “não é surpresa” que policiais ativos não estavam dispostos a falar. O ex-policial disse que o uso excessivo de força é “um problema recorrente” e que a “polícia recusará absolutamente quebrar posições para discuti-lo”, particularmente neste caso. “Esse foi um incidente muito vergonhoso,” declarou à BIRN, falando anonimamente. “Simplesmente não há razão para continuar usando violência depois de imobilizar o sujeito”.
Yannis Mangos visita o túmulo do filho todos os dias, uma caminhada curta de casa, acima de um caminho verdejante por trás da cidade. No caminho, passa um slogan grafitado que Vasilios tratava como um lema: “Even if we never win, we will always be fighting”. [Até se nunca ganharmos, sempre estaremos lutando.] A lápide contém um verso de um dos poetas preferidos de Vasilios, Kostas Kariotakis. “Let us make peace with nullity and infinity”, [“Deixe-nos fazer a paz com nulidade e infinidade”] lê a inscrição, embaixo de um símbolo do número zero aninhando um símbolo do infinito.
Yannis lava a lápide e se lembra de conversar sobre injustiça com um jovem que se importava com ela. “Ele tinha uma presença tão vívida”, diz. “De primeira, continuava pensando que ele ainda estaria por aí”. Em caminhadas pela cidade, ele é lembrado de seu filho quando vê outros jovens que se parecem com ele, e pelos slogans grafitados nas paredes: “Vasilios Mangos – Presente!” Em manifestações de hoje, os manifestantes pausam em frente a casa da família.
Para Yannis Mangos, a morte de seu filho revelou a verdadeira face do Estado grego. Ele é agora mais simpático à análise anarquista: o governo da lei é uma ficção e o Estado é inerentemente reacionário – é um candidato à abolição, não à reforma. “O que aconteceu na minha família me mostrou que não há democracia na Grécia”, diz. “Vasilios foi mais avançado em seu pensamento, eu era mais conservador. Anarquismo não apelava a mim quando era mais jovem. Agora, contudo, faz sentido”.
> Iason Athanasiadis é um jornalista freelancer sediado em Atenas. Esta história foi editada por Neil Arun. Foi produzida como parte da Fellowship for Journalistic Excellence, apoiada pela ERSTE Foundation, em cooperação com a Balkan Investigative Reporting Network.
Fonte: https://balkaninsight.com/2021/12/06/the-accidental-death-of-an-
anarchist/
Tradução > Sky
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