[Canadá] “Secolo Nuovo”: Filme e resenha

Nós temos o prazer de anunciar tardiamente a publicação de Secolo Nuovo; or, The Times of Promise (Século Novo; ou, Os Tempos de Promessa), publicado pela Detritus Books de Olympia, Washington. Esta obra de ficção e história anarquista levou mais de uma década para ser concluída e foi moldada por muitas mãos, incluindo a nossa. Gostaríamos de parabenizar os pesquisadores, arquivistas, historiadores, editores e escribas ingratos que tornaram este livro uma realidade.

Para honrar o conteúdo do livro, incluindo aquele que escapou às páginas, estamos alegres em lançar nosso último filme L’epoca D’oro (A Era de Ouro), uma crônica de rebelião da década de 1880 até a década de 1910. Incluídos no filme estão guerreiros Cree lutando contra o estado canadense, guerreiros Apache lutando contra o estado mexicano e estadunidense, anarquistas lutando contra todos os estados da terra e um inventor excêntrico chamado Nikola Tesla, que está determinado a criar um sistema planetário de energia limpa e gratuita. Todos esses eventos são abordados em Secolo Nuovo, e nosso filme pode ser visto como um companheiro do livro, ampliando seu alcance geográfico e mental.

Também incluído está a resenha de Secolo Nuovo por Marieke Bivar, recentemente publicada no The Fifth Estate, o jornal anarquista de mais longa data dos Estados Unidos.

Como sempre, esperamos que esses trabalhos possam ajudar nas suas atuais lutas, sejam elas quais forem.

Vida Longa a Anarquia!

Valorizando o Conhecimento Secreto de Fulvia Ferrari

“Há pessoas nesse mundo comprometidas em espalhar a rebelião o mais longe possível. Elas aparecem em meio ao desastre e guiam as pessoas para longe dos destroços. Elas carregam uma chama secreta que pode infectar cidades inteiras com seu brilho. Fúlvia carregou essa chama junto com muitas outras, vivas e mortas, e elas passaram a chama sagrada para nós. É possível que Fúlvia nunca tenha tido filhos. Talvez essas crianças sejamos nós.”

The Flames of Fulvia Ferrari (As Chamas de Fulvia Ferrari) por The Cinema Committee

Por Marieke Bivar

O romance Secolo Nuovo é parte ficção especulativa mágica, parte história abrangente do impulso da revolução anarquista.

Conta a história de humanos resistindo ao imperialismo, colonialismo, assimilação, capitalismo e outras forças opressivas, desde tribos indígenas européias lutando contra o Império Romano, até anarquistas franceses resistindo para defender a Comuna de Paris, ou indígenas mexicanos tentando mandar de volta os invasores ianques no que agora é a Califórnia.

Secolo é também um abrangente registro ficcionalizado das brutais lutas trabalhistas de trabalhadores das docas e trabalhadores marítimos que foram forçados a entrar em guerra contra os patrões exploradores de São Francisco e do mundo na virada do século 19 e do racismo anti-chinês no trabalho movimento e além.

A protagonista do romance, Fulvia Ferrari, vem de uma longa linhagem de bruxas alpinas. Então ela aprende com a sua mãe, uma renomada revolucionária e figura respeitada, na então auto-suficiente comuna da Califórnia onde as duas vivem. Fulvia sempre foi selvagem e diferente.

Os outros membros da comuna encaram ela. Ela canta na rua, bebe vinho nua no final da tarde, vive sozinha sem filhos. Mais do que diferente, ela é queer.

Ela tem aliados na comuna, mas é extremamente consciente dos olhos sobre ela, das conversas sobre ela, da influência de seu ex caso na maneira como os outros moradores  a enxergam. Ela se levanta em reuniões e fala um pouco passional demais, grita e insiste, é tempestuosa e difícil.

Seus amigos na comuna a acalmam e a apoiam, celebram a sua sexualidade, bebem com ela, beijam ela, admiram ela.

Depois de aprender sobre seus ancestrais mágicos de Les Diablerets, uma série de picos nos Alpes suíços, Fulvia começa a escrever uma história furiosamente compassada e lotada de uma resistência da “luz” contra a “escuridão”. Ela fica sentada entre os livros roubados da biblioteca dia e noite, rabiscando furiosamente.

A narrativa de seus dias na comuna é interrompida e entremeada por essa história, que se desdobra e se duplica à medida que Secolo avança, uma narrativa autoconsciente que reconhece as múltiplas experiências que podem estar contidas em uma única história.

Esta terra alternativa também apresenta uma camada de realidade conhecida como “o Sonho”, uma força poderosa e fascinante que é mais forte em um território habitado por uma comunidade indígena perto da comuna. Isso parece estar relacionado ao campo eletromagnético que alimenta o mundo, mas o Sonho é canalizado como uma espécie de força profética e confunde aqueles que não conseguem acordar dele. Fulvia e outros são mais habilidosos em navegar no Sonho, e isso faz parte de seu poder herdado, que ela está apenas começando a entender.

Os aspectos realistas mágicos do romance são apenas inferidos no início. Nesta realidade alternativa ou linha do tempo, o inventor Nicola Tesla e os descendentes das bruxas alpinas encontraram uma maneira de canalizar as correntes eletromagnéticas da Terra para alimentar o mundo. O uso desse poder terrestre profundo é pragmático e limitado. Apenas algumas pessoas podem ser “condutoras” e a corrente é irregular, imprevisível e às vezes indisponível por longos períodos de tempo.

Um coletivo de inspiração situacionista e anarquista conhecido como The Cinema Committee fez uma série de vídeos, acompanhados de reportagens, sobre a verdadeira Fulvia Ferrari. “The Strange Pathways of Fulvia Ferrari,” “The Flight if Fulvia Ferrari,” “The Great Anarchist Conspiracy,” “The Illumination of Fulvia Ferrari,” e “The Fires of Fulvia Ferrari,” foram publicados na The Transmetropolitan Review em 2019.

De acordo com a pesquisa do Comitê, a verdadeira Fulvia Ferrari pertencia a uma linhagem de mulheres anarquistas esquivas e míticas que viveram em São Francisco de 1800 a 1980. A primeira dessas mulheres, a avó de Fulvia, Josephine Lemel, mudou-se da França para São Francisco em 1873 e vive em Telegraph Hill, um bastião rebelde.

Isabelle, a mãe de Ferrari, foi uma anarquista feroz e ativa que deixou a filha pequena com companheiros em uma comuna do norte da Califórnia para lutar contra o Império Russo na Ucrânia na década de 1910. Em 1941, enquanto procurava sua mãe, que havia desaparecido em algum lugar da URSS, Fulvia Ferrari foi presa sem passaporte e foi internada por quatro anos em um campo de concentração alemão, aparentemente por falta de identificação.

Após a guerra, Ferrari voltou a São Francisco e procurou seu pai, um anarquista chamado Enrico Travaglio, que foi extremamente ativo nas greves dos estivadores da época e se envolveu na atividade revolucionária anarquista na Bay Area. O Comitê de Cinema detalhou mais de sua vida em seus artigos. O livro ficcionaliza e aborda alguns desses eventos, embora a linha do tempo do romance termine na década de 1950.

A capa de Secolo Nuovo (também o nome de um jornal anarquista que os pais de Ferrari ajudaram a produzir em San Francisco de 1894 a 1906) apresenta a única fotografia conhecida de Isabelle Lemel Ferrari, tirada por seu amigo Jack London. Esta imagem aumenta a ambigüidade deliberada do romance: trata-se de um livro de memórias fictícias de autoria da própria Fulvia Ferrari? Possivelmente.

É mais provável que seja uma homenagem ricamente ilustrada com fotografias e outras representações dos eventos e figuras históricas aos quais faz referência, escritas pelo camarada ou grupo de admiradores por trás dos artigos publicados na revista The Transmetropolitan Review. Embora densa em suas referências, a narrativa histórica do romance é fascinante e informativa e poderia facilmente servir como uma obra de referência mais acessível para anarquistas que têm dificuldades em ler histórias de não ficção.

Seja quem for o autor, o romance investiga profundamente o que você pode chamar de história mágica da resistência anarquista de um povo. Ele personaliza a história anarquista através de um fio de memória familiar e dá ao anarquismo uma história de origem mítica que remonta a 285 dC, entre uma tribo de bruxas aninhada na cordilheira de Diablerets (ou “do diabo”) nos Alpes suíços.

As histórias dos descendentes dessas bruxas alpinas e de seus co-conspiradores núbios egípcios (uma legião romana que desertou para se juntar ao movimento sob a direção de um líder chamado Maurício) são emocionantes e excitantes. Os filhos e netos desse casamento anti-imperialista descem de sua fortaleza nas montanhas e se espalham pelo mundo.

Eles carregam sua mensagem por meio de movimentos e momentos revolucionários, trazendo aqueles que lutam para definir sua revolta nas fileiras dos antigos anarquistas com as palavras ninguém é livre até ser livre, mudando o mundo através das artes, literatura, organização do trabalho, heresia e bombas.

Esta história extensa é “alternativa” na medida em que liga muitas figuras históricas reais aos antepassados bruxos das mulheres Alpinas de Lemel e sua magia da terra. No entanto, é abundantemente claro que outras histórias de autoridade têm o hábito de cooptar e reescrever narrativas rebeldes em favor dos poderes dominantes por tempos imemoriais.

A Igreja Católica realmente fez de Maurício um santo, por exemplo, e mais tarde apagou seus traços africanos das representações de São Maurício, mas a fictícia Fulvia afirma que isso foi feito para parecer que ele morreu um mártir pelo Império Romano e encobriu sua conspiração com os habitantes de Les Diablerets. Embora sua afirmação não seja verificável, a história nos lembra constantemente que não é tão inimaginável. Seria um paralelo não surpreendente de muitas outras histórias rebeldes reescritas e cooptadas, incluindo, como o romance nos lembra, a de Yeshua al Nosri, um contemporâneo rebelde de Maurício mais tarde conhecido como Jesus Cristo.

Ao afirmar ser uma história verdadeira, a linha do tempo do anarquismo em Secolo Nuovo torna todas as outras histórias verdadeiras suspeitas e é um lembrete de que estamos sempre perdendo partes da história que não servem aos poderes. E os únicos que podem contar histórias verdadeiras são os próprios rebeldes. Então, por que não preencher os espaços em branco?

Como diz o Comitê do Cinema, “é difícil saber em que acreditar, mas preferimos as histórias de pessoas irritantes nos cafés locais e mulheres idosas sentadas em pontos de ônibus nas noites quentes” às dos homens brancos mortos por trás das histórias oficiais.

O autor de Secolo Nuovo, “novo século” em italiano, criou ancestrais fictícios para darmos aos anarquistas uma história de origem, uma tribo de bruxas condutor eletromagnética comovente para se relacionar, o conhecimento que os descendentes das bruxas alpinas e festejos núbios são escondidos ao longo de nossas histórias e que seus segredos estão em algum lugar em nossas linhagens, sussurrados em nossos ouvidos, enquanto repetimos nosso encantamento herdado: ninguém é livre até que todos sejam livres.

Marieke Bivar está em Mtl, Tio’tia: ke, QC, Canadá (seja lá o que for isso). A vida é longa, ela está cultivando a paciência enquanto escreve, traduz e tenta acompanhar o ritmo do luto sob o capitalismo, o colonialismo e a Covid-19.

Fonte: https://thetransmetropolitanreview.wordpress.com/2021/10/30/secolo-nuovo-a-film-and-review/

Tradução > A Estrela

agência de notícias anarquistas-ana

Na poça d’água
o gato lambe
a gota de lua.

Yeda Prates Bernis