Desde o início da pandemia, comunidades por todo o Reino Unido se uniram para ajudar as pessoas vulneráveis e isoladas. Igrejas, instituições de caridade, clubes de futebol, mesquitas, vereadores locais e grupos vizinhos distribuíram comida, tecnologias de apoio ao ensino a distância, suporte emocional e tudo o que foi preciso.
Essas iniciativas se unem no conceito amplo de “apoio mútuo”. Esse termo, cunhado pelo filósofo anarquista Peter Kropotkin, explica como a sobrevivência e evolução da raça humana depende de trabalharmos juntos, em oposição às noções darwinianas de “sobrevivência do mais forte”.
O COVID trouxe o apoio mútuo – um conceito de histórico longo e radical nas políticas comunistas e anarquistas – ao grande público, mas muitas pessoas que o praticam durante a pandemia podem ter entendido sua missão equivocadamente. Muito do trabalho de apoio foi feito por caridades e grupos de fé preexistentes, mas como doações ao invés de compartilhamento.
O apoio mútuo ocorre quando as pessoas ajudam uma às outras, trocando produtos e serviços. Fazer isso elimina a necessidade das doações de terceiros, como do governo ou de instituições de caridade. Ao invés disso, o apoio mútuo tem sido interpretado por instituições do Estado e pela mídia tradicional como caridade – dar àqueles que necessitam sem buscar o ataque à desigualdade estrutural que criou tal necessidade em primeiro lugar.
Mesmo que fossem bem-vindas às pessoas que receberam comida, suporte emocional ou outros serviços vitais, muitas das iniciativas da pandemia operaram como caridade, com toda a legislação oficial e burocracias que exigiram, como com verificações de antecedentes criminais e certificações de entidades como a vigilância sanitária.
Um exemplo de uma prática mais “mútua” de apoio mútuo – priorizando o compartilhamento ao invés da doação – que teve um papel importante para muitos durante a pandemia é a geladeira comunitária, um projeto mais humilde. Abordando tanto as mudanças climáticas quanto a insegurança alimentar, a geladeira é um lugar em que qualquer um na comunidade pode deixar comida extra e outros são livres para pegá-la de acordo com sua necessidade. Nem sempre é literalmente uma geladeira – algumas vezes cabines telefônicas antigas foram usadas.
Nossa pesquisa em andamento sobre geladeiras comunitárias e apoio mútuo têm identificado maiores números de geladeiras durante a pandemia. Hubbub, uma rede de geladeiras comunitárias que foi feita em 2016 com os National Lottery Funding [Fundos da Loteria Nacional], aumentou sua rede de 150 geladeiras em 2017 para quase 500 hoje, adicionando 250 no ano passado.
Geladeiras são importantes em comunidades marginalizadas, tanto em áreas pobres quanto ricas. Elas ajudam a diminuir o estigma de ir aos bancos de alimentos ou pedidos diretos por comida, já que podem ser acessadas a qualquer momento e sem a necessidade de se registrar em uma autoridade local ou instituição de caridade. Um de nossos entrevistados descreveu a implantação de um carrinho de compras comunitário cheio de comida em uma escola local em Barnsley:
Colocamos um carrinho em frente a recepção da escola com toda a comida e é aberto e acessível a todos e todas e a qualquer pessoa da comunidade. Então não há estigma nisso, você não tem que estar necessariamente naquela escola, pode chegar e pegar o que quiser.
Nos Estados Unidos, as geladeiras comunitárias vieram das – e estão profundamente conectadas às – comunidades negras de baixa renda.
Na Grã-Bretanha, as iniciativas de geladeiras comunitárias têm primariamente focado na redução do desperdício de comida. Kate Raby, uma porta-voz de Hubbub, diz que as “geladeiras comunitárias não são bancos alimentares, são sobre desperdício de comida”. Seu valor, argumenta, está em unir a comunidade.
Algumas pessoas estarão ali porque odeiam o desperdício de comida, outras porque precisam da comida.
Ela explica que aqueles que pegam a comida podem oferecer degustações de seus pratos preferidos para aqueles que as colocaram ali, ou oferecer apenas uma conversa e companheirismo.
Compartilhamento, não caridade
O poder da geladeira comunitária está em obscurecer os limites entre dar e receber. Qualquer um é bem-vindo a dar ou pegar da geladeira, dependendo de seu nível de necessidade. Ao invés de dependência (os que têm dando aos que não têm), isso gera uma interdependência dentro de uma comunidade e reconhece que, em algum momento, o papel de uma das pessoas muda de alguém que recebe para alguém que doa ou vice-versa. O ato de pegar comida é tão importante para a sustentação da geladeira quanto abastecê-la porque assegura que não haja desperdício.
Dois anos de pandemia e auxílios financeiros do governo na forma de licenças e crédito universal acabaram. Assim, a necessidade de apoio comunitário continuou – e, em alguns casos, aumentou. O aumento da rede de geladeiras comunitárias destaca uma necessidade crescente para a distribuição mais igualitária de comida, aliviando o desperdício e a fome ao mesmo tempo.
A pandemia tornou as geladeiras comunitárias mais visíveis, e infelizmente, mais necessárias. Ninguém quer que elas existam como agora – elas demonstram que a superprodução está nos levando a grandes níveis de desperdício e representam uma falha de apoio do Estado e a necessidade de uma solução melhor para a desigualdade alimentar.
Mas a atenção crescente ao apoio mútuo destaca o valor de um movimento político que celebra a solidariedade na comunidade contra as pressões sistêmicas, sejam essas a pobreza, a pandemia ou as mudanças climáticas.
Tradução > Sky
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agarra-se à relva.
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Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!