[Espanha] Mas o que é de fato o anarquismo?

Por Álvaro González | 17/01/2022

O movimento esteve presente desde as primeiras lutas revolucionárias e dos trabalhadores. Inclusive fragmentos do pensamento de Rousseau continham formulações importantes que poderiam ser consideradas de caráter anarquista. As lutas intestinas entre os movimentos dos trabalhadores as conceberam como ideologia apartada do marxismo, e foram exterminadas após os marxistas-leninistas chegarem ao poder na Rússia. Perderam, mas muitas de suas ideias agora são dominantes ou estão legisladas.

A história do anarquismo está intimamente ligada à Espanha. É um dos países onde os partidos e sindicatos dessa ideologia foram mais fortes, um dos poucos lugares onde se conseguiu pôr em marcha uma revolução sob seus critérios e o Estado republicano foi o primeiro do mundo a admitir anarquistas em seu governo. Aconteceu no 7 de Novembro de 1936, quando Federica Montseny, Joan Pieró, Juan Garcia Oliver, e Juan Sánchez foram nomeados ministros pelo líder do PSOE, Francisco Largo Caballero.

As revoluções certamente foram um fracasso. Existem numerosos testemunhos sobre os campesinos aragoneses que entraram em contato com a utopia e nessa experiência houve muitas nuvens tempestuosas, negras tormentas. Como em seu hino, A las barricadas. Tão pouco se pode julgar muito bem historicamente sua doutrina de fazer revolução durante a guerra. A prioridade deveria ter sido a derrota de Franco. E mais, as notícias sobre esses atos revolucionários assustaram a muita gente na Europa e prejudicaram a causa republicana, que ficou associada a essas desordens. Os atos repressivos sobres pessoas concretas, ações criminais, foram penosos também.

Entretanto, culturalmente a marca anarquista foi muito importante na Espanha. Não por essa associação de ideias entre o cárcere espanhol, supostamente indomável, e o anarquismo. Isso é um clichê. Mas por tudo que contribuíram, conhecido e a se conhecer. Dos filmes que filmaram aqui em Barcelona pouco se falou da guerra, aqui comentamos em uma ocasião, mas outras linhas que traziam aos anarquistas, especialmente na FAI, sobre saúde, sanidade, e amor à natureza e ao meio ambiente, são hoje ideias dominantes e prioridades dos governos. A historiadora Carmen Cubero Izquierdo publicou um livro excelente sobre a aversão que tinham pela vida “artificial” da indústria e dos bares. Vejam que “loucuras” tinham em mente: “propunham dietas vegetarianas, banhos de sol ao ar livre, e afastarem-se das cidades, mães da degeneração, e seus antros cheios de fumaça.”

Recentemente inclusive, surgiram livros muito bons, úteis para conhecer os feitos históricos que cercaram o anarquismo espanhol. É obra do historiador Juan Vadilo Muñoz, Historia de la FAI, o anarquismo organizado, e Historia de la CNT, utopia, pragmatismo y revolución. E um excelente documentário, El Entusiasmo, que narra o canto do cisne do anarquismo organizado na Espanha, com o espantoso declínio da CNT, entre atentados controlados à distância por infiltrados e vários rachas entre pragmáticos e puristas.

Não obstante, nessa coluna nos chamou a atenção um livro ambicioso, mas que não deixa de ser interessante. Trata-se de Breve introducción al anarquismo, de Vikky Storm e Camarada Celery, em Libros Crudos. É curioso, principalmente porque se trata da transcrição de um podcast que tratava de pôr em perspectiva o movimento anarquista e explicar resumidamente todas suas ramificações, escolas e marcos teóricos. Incluindo os da direita que se considera anarquista ou anarquizante, como os anarcocapitalistas ou os libertários, que tem tanto em comum com um anarquista tradicional quanto um velho burguês de bigodes.

Neste pequeno diálogo se explica o logotipo do A na bola, o círculo significa “O” de “ordem”, a qual se chegaria através do anarquismo e, passando pelos dias da Comuna de Paris outra vez a Maio de 68, movimento que se considera de forte inspiração anarquista. No desfilar de personagens, aparecem alguns bem interessantes. Por exemplo, Kropotkin, uma aristocrata russo, “um menino rico”, brincam, que estudou Biologia e Geografia, que marchou para a Sibéria para fugir da guerra e voltou tão radicalizado que assim que regressou foi preso e logo em seguida mandado para o exílio.

Seu exílio foi na Suíça, onde parece que havia anarquistas tentando botar suas ideias em prática na Federação do Jura. Sua contribuição mais importante foi tratar de armar um marco ideológico como haviam feito Marx e Engels, de caráter científico. Suas ideias principais, resumiu em O Apoio Mútuo: Um Fator da Evolução, onde relacionava o radiante por vir com a evolução. Propunha que, quando de fato se produzido na história humana, era quando as pessoas haviam trabalhado uma com as outras, ao invés de competirem. Era darwinista, mas com outra concepção, acreditava que colaborar servia para sobreviver na natureza. Um ponto de vista totalmente oposto ao darwinismo proto-fascista, de que competiam todos e que ganhava o melhor – leia-se, o mais forte – ou esse argumento de “tudo para todos nós”, mas excluindo ao diferente, uma filosofia bastante frequente hoje em dia, das quais nós, da esquerda, não estamos livres.

Talvez a história mais relevante que se conta seja bastante conhecida, mas é importante para apreciar a dimensão que tem o anarquismo na sociedade moderna. Foi na greve de 1886, a feita do Haymarket, quando durante os protestos alguém lançou uma bomba e a polícia deteve oito anarquistas e os enforcou. O Governo logo se arrependeu e, desde então, se celebra o Primeiro de Maio em honra a eles, o dia dos trabalhadores, em todos os lugares do mundo menos onde se deu o incidente, nos Estados Unidos. A questão é que esses anarquistas estavam lutando pela jornada de trabalho de oito horas. Algo que hoje, se ultrapassada, nos parece, ou deveria parecer ilegal. Naquele momento foram eles os tratados como criminosos.

Fonte: https://valenciaplaza.com/pero-que-es-realmente-el-anarquismo

Tradução > 1984

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Os trigais maduros…
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na guerra da fome.

Evandro Moreira