[EUA] Punk & Anarquia

Por Ruhe

Uma resenha de Ethics, Politics, and Anarcho Punk Identifications: Punk and Anarchy in Philadelphia [Ética, Política e Identificações Anarco-punks: Punk e Anarquia na Filadélfia], por Edward Anthony Avery-Natale. Lexington Books, 2016, 235 pp.

Como muitos anarquistas que cresceram nos anos 1990, meu primeiro contato com o anarquismo foi pela cena punk. Um amigo me deu uma fita cassete cheia de bandas punk clássicas como parte do esforço para satisfazer meu interesse crescente pelo punk.

Entre as músicas encontrava-se o álbum completo de 1981 da banda inglesa de punk anarquista Crass, o “Penis Envy”, e fiquei impressionado com a desconstrução de gênero e agressão ao patriarcado.

Como resultado, explorei outras bandas e, pelos círculos interseccionais de punk e anarquismo e depois de uma série de encontros felizes ao acaso (lendo sobre organizações anarquistas em encartes de álbuns, ouvindo sobre protestos em shows, aprendendo sobre presos políticos através das zines punk, pegando jornais anarquistas em shows etc.), eventualmente me envolvi no amplo âmbito anarquista dos Estados Unidos.

Refletindo sobre aqueles anos e conversando com muitos amigos sobre esses assuntos, minha história não é particularmente diferente, alguma variação dela aconteceu com muitos da minha geração. Punk — seja quais forem suas falhas — era uma porta de entrada através da qual muitas pessoas foram expostas as ideias anarquistas.

Portanto, estava ansiosa para ler Ethics, Politics, and Anarcho-Punk Identification, na esperança de que ofereceria novas percepções do papel do punk no anarquismo.

É focado em uma cidade, Filadélfia, mas, porque o punk é um movimento de faça-você-mesmo global, a discussão é relevante à história do punk como um todo. O foco é particularmente interessante, já que a Filadélfia tinha uma robusta comunidade anarco-punk no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Enquanto nunca estive nessa cidade, o que acontecia lá circulava pelas redes pré-internet das bandas em turnê, zines e viajantes de trem, o que me fez ainda mais ansiosa pelo livro de Avery-Natale.

O texto faz um bom trabalho em dar um panorama geral da cena na Filadélfia. O autor usa suas próprias experiências como anarquista e punk para basear suas análises, que é então provinda de várias entrevistas com participantes duradouros da cena.

Todos os entrevistados e entrevistadas se identificam como anarquistas e punks. O autor tenta explicar o básico de como a subcultura funciona, mas, apesar disso, é uma análise que provavelmente faria mais sentido para aqueles que estão familiarizados com a cena faça-você-mesmo.

Avery-Natale se preocupa primeiramente com questões de identificação e com como anarco-punks se identificam. É uma discussão interessante, focando em como conciliar ser um anarquista em um mundo não-anarquista e como, em uma escala menor, concilia-se ser um anarquista em uma cena punk predominantemente não-anarquista.

Ele passa muito tempo dissecando o termo “anarco-punk” e articula a ideia de identidades conflitantes que se alternam entre sua união e oposição. A questão central para essa discussão é a de o que o anarquismo significa para os anarco-punks.

O livro apresenta a ideia do anarquismo ligeiramente com um compasso ético ou referencial do que se pode almejar, baseando-se no que dizem os entrevistados e entrevistadas e na análise do autor. Com base nas entrevistas, as políticas da cena são representadas como céticas às possibilidades de um futuro anarquista e naturalmente reformista.

Muitos entrevistados e entrevistadas citaram expressar apoio para vários programas de bem-estar social do governo e argumentam que o processo de reformar o Estado é uma alternativa aceitável à revolução. O autor enfatiza essa linha de pensamento ao se apoiar grandemente na obra de Simon Critchley, um teórico acadêmico que é provavelmente mais familiar àqueles dentro da universidade do que a participantes do meio anarquista.

Eles se encaixam com os teóricos pós-marxistas também citados como Alain Badiou, Gilles Deleuze, Ernesto Laclau e Slavoj Zizek. O anarquista ocasional é referenciado, mas a maioria é da variedade clássica. Noam Chomsky é um dos poucos anarquistas contemporâneos citados.

Muito da discussão do livro é moldada pelas lentes das análises sociológicas. Dar um passo atrás e avaliar as coisas por uma perspectiva acadêmica pode dar uma profundidade que pode ser útil, mas, algumas vezes, pode ser também limitante.

O autor diz que escreveu o livro em parte como uma forma de “retribuir” à comunidade anarco-punk, mas é difícil imaginar que o texto seja atrativo para além de um estreito público-alvo. É cheio de uma linguagem acadêmica relativamente especializada e teóricos são rotineiramente citados. Enquanto há algumas tentativas de explicar brevemente os conceitos invocados, é provável que, quanto mais familiarizado com esses teóricos anteriormente, mais significativas as comparações serão.

Até com alguma familiaridade, a discussão ocasionalmente parece chocantemente esvaziada da paixão característica dos anarco-punks. Além disso, muitos com experiência na cena iriam criticar com razão o fato do livro custar $89.99.

Em geral, esse livro é apenas nominalmente interessante. Sua discussão é muito complicada e parece mais preocupada com sua adequação às normas da academia do que em contribuir ao meio punk ou anarquista.

O livro frequentemente referencia a virada à direita da cena punk na última década e a diminuição da presença anarquista no punk, bem como um clima “anti-PC”. O punk, como aponta o autor, é simultaneamente local e global e os pontos mais frequentes para uma conexão pálida entre política radical e punk.

Por isso, esse texto parece ainda mais irrelevante. Talvez alguma outra pessoa escreverá algo que captura adequadamente a conexão entre o punk e o anarquismo e os modos que inspirou tantas pessoas à atividade política. Escrito e argumentado adequadamente, é um livro que poderia ter muito a oferecer — infelizmente Ethics, Politics, and Anarcho-Punk Identifications está longe de realmente cumprir esse papel.

>> Ruhe é anarquista que ainda encontra inspiração no punk.

Fonte: Fifth Estate # 399, Fall, 2017

Tradução > Sky

agência de notícias anarquistas-ana

Crepúsculo. O sol no horizonte
Vai descendo
Os degraus do monte.

Clínio Jorge