Por Brian Morris | 24/12/2021
Peter Kropotkin morreu há 100 anos. Mas suas inovações sociais e ecológicas e seus ensinamentos ressoam até hoje.
“O presente é onde nos perdemos – se nos esquecermos do nosso passado e não visualizarmos o futuro”. Assim escreveu o poeta Ganês Ayi Kwei Armah.
Este ano marca o centenário da morte do geógrafo anarquista, Peter Kropotkin – uma figura do passado que definitivamente não devemos nos esquecer.
Um talentoso geógrafo, pioneiro ecologista social e um socialista revolucionário, Kropotkin criou “um tesouro de ideias férteis” (como colocou seu amigo Errico Malatesta) que ainda tem relevância na contemporaneidade.
Filósofo
Nascido em Moscou em 1842, uma das curiosas ironias da história é que Kropotkin, que se tornou um dos mais duros oponentes de todas as formas de poder Estatal, nasceu nas mais altas posições da aristocracia Russa. Por seus antepassados príncipes estiveram entre os primeiros governantes da Rússia.
Depois de explorar e empreendimento científico de pesquisa nas regiões remotas de Manchuria e da Sibéria durante a década de 1860, Kropotkin mais tarde se tornou membro da Internacional Socialista.
Foi preso duas vezes por suas atividades políticas. Chegou na Inglaterra em 1886 que ele ficou em “exílio honroso”, como Nicolas Walter o descrevia, pelos próximos 30 anos.
Até seu retorno para sua terra natal em 1917 na eclosão da Revolução Russa. Durante seus muitos anos de exílio, Kropotkin tornou-se um dos principais teóricos do movimento anarquista, bem como continuou seus estudos científicos. De fato, o retrato de Kropotkin ainda está pendurado na biblioteca da Sociedade Geográfica Real em Londres.
Um naturalista evolucionista como Darwin, Kropotkin era sábio, e multi-talentoso. Ele escreveu livros sobre a grande revolução francesa, como ele a chamava, sobre literatura Russa, mudança climática e geografia física da Eurásia, biologia evolucionária e ecologia social, e também escrevendo, em seus anos finais, um tratado filosófico em ética.
Força
Aqui vamos focar em um dos ricos e extensos aspectos da obra, a saber, os seus escritos inspiradores sobre ecologia social.
O mais importante na vida humana, para Kropotkin, é que havia um “paradoxo” essencial dado que, por um lado, os humanos são parte intrínseca da natureza, produto de um processo evolucionário, e totalmente dependente do mundo natural para comida, água e ar – para sua mera existência.
Mas por outro lado, os humanos foram de certo modo “separados” da natureza: a terra existe a bilhões de anos, muito antes do surgimento dos humanos, e os humanos, como espécies, eram bastante únicos em combinar um grande level de autoconsciência, profunda socialidade, e o desenvolvimento complexo simbólico, de culturas e tecnologias.
De fato, os humanos são agora descritos por terem desenvolvido uma “força geológica” no planeta Terra. Os humanos foram em parte “separados” da natureza.
O que importa sobre Kropotkin é que ele sempre esforçou-se conjuntamente essas duas dimensões da vida social humana.
Explorador
Ele então combinou humanismo, enfatizando esta intervenção e a cultura humana, e o naturalismo, reconhecendo completamente a dimensão ecológica do ser humano, e que os humanos são sempre “enraizados na natureza”. Como filósofo social, Kropontkin foi, portanto, fundamentalmente um ecologista humanista, um ecologista social.
Dois livros que ele escreveu (ambos baseados em artigos publicados na década de 1890) exemplificam sua ecologia social: São eles “Campos, fábricas e Oficinas” (1899) e “Apoio Mútuo: Um fator de evolução” (1902).
Ao longo do final do século XIX Kropotkin tornou-se cada vez mais preocupado com duas questões inter relacionadas ou os desdobramentos.
Um deles foi o crescente “abismo” que estava se desenvolvendo entre o campo esvaziado de pessoas e o aumento da vida selvagem, e as cidade, com pessoas vivendo na miséria e pobreza em cortiços e trabalhando em fábricas cujas condições eram insalubres, exploratórias, e completamente antidemocráticas.
Cultivo
Outra preocupação era que o desenvolvimento dentro do capitalismo, de uma forma industrial e agricultura, um sistema de monocultura que esgota a fertilidade do solo, e em que cultivar articulado para não simplesmente a produção de comida, mas para a geração de lucro.
Ele se preocupava que praticamente toda a terra Britânica fosse privatizada, de grandes latifúndios que fossem dados tomados a bala para preservar – de servos e revoltados – especialmente para propósitos recreacionais dos ricos e poderosos das classes governantes.
Apesar de pessoas como Trotsky, e acadêmicos liberais em geral, pintava Kropotkin como um intelectual sonhador, um socialista utópico, completamente fora das “realidades” sociais e políticas, de fato Kropotkin foi muito prático e um acadêmico com os pés no chão.
Enquanto Marx passava seu tempo na biblioteca do British Museum estudando economia – principalmente relatórios governamentais, Kropotkin viajava vastamente realizando estudos empíricos de práticas agrícolas, e por toda vida, ele e sua esposa Sophie cultivavam em terras alugadas. Ele construía até os próprios móveis!
Cultura
Em seu pequeno livro de reflexões “Campos, fábricas e Oficinas”, que Colin Ward descreveu como “o grande trabalho profético do século XIX”, Kropotkin defendia o seguinte:
- Todas as formas de indústria, sejam fábricas ou oficinas, têm de ser descentralizadas, e ele fez um pedido para o que hoje descreveremos como um “áreas verdes” na vida na cidade.
- Que o futuro da agricultura deve ser tanto diversa quanto intensiva, envolvendo jardins de vegetais, cultivação massiva nos campos, prados irrigados, pomares, estufas, bem como jardins em casa. Através disto, Kropotkin argumentou que altos rendimentos da variedade de cultivos poderiam ser produzidos. A Autossuficiência alimentar poderia ser atingida, ele sentia, sem que recursos industriais nas fazendas (sob o capitalismo), se o produtor cultivador pudesse ser livre desses três “abutres”- o Estado, o proprietário, e o banqueiro. Kropotkin portanto se opunha tanto à coletivização estatal da agricultura e do cultivo capitalista.
- Que o trabalho, tanto na indústria quanto na agricultura, deveria – ou poderia – ser reduzido a poucas horas por dia, permitindo que as pessoas em uma comunidade terem bastante tempo para propósitos de lazer e de atividades culturais.
Brutal
Tudo isso, Kropotkin reconheceu, envolveria uma revolução social, e a criação de uma sociedade baseada na ecologia sob os princípios anticomunistas.
É importante notar que o livro de Kropotkiin teve uma influência grande em muitas pessoas, incluindo, por exemplo, Lve Tolstoy, Ebener Howar (e sua militância por cidades verdes), Lewis Mumford e Paul Goodman.
O livro “Apoio Mútuo” é talvez o trabalho mais conhecido de todos de Kropotkin e continua sendo editado. Um trabalho de ciência popular, expressou as preocupações de Kropotkin no final do século XIX, na crescente escola de pensamento que ficou conhecida como “Darwinismo Social”.
O que provocou Kropotkin foi um artigo de Thoma Huxley, que era vastamente conhecido como “Buldogue de Darwin”, dada sua defesa da teoria de Darwin, publicado no jornal The Nineteenth Century em 1888.
Intitulado “A luta pela sobrevivência e sua relevância para a Humanidade”. Citando Hobbes, Huxley descreveu especificamente a vida na natureza – tanto natureza orgânica e a vida das sociedades tribais – como sendo “solitária, pobre, nojenta, brutal, e curta.”
Apoio Mútuo
Segundo Huxley, os Darwinistas Sociais – que incluíam empresários Americanos implacáveis como Rockefeller e Carnegie – aplicavam a teoria Darwinista – especialmente o conceito de Herbert Spencer da “sobrevivência do mais adaptado” à vida social humana.
Esse conceito foi usado como justificativa ideológica para promover o capitalismo e o imperialismo, e a exploração colonial de populações tribais.
Também sugeria que os humanos eram por natureza, motivados por impulsos agressivos, e que era intrinsecamente egoístas, competitivos, e individualistas possessivos.
Kropotkin, é claro, era crítico de Rousseau, e nunca duvidou da existência – a realidade – o conflito, a competição, e o egoísmo (agente subjetivo), tanto na vida na Terra quanto na vida social humana.
Mas ele mesmo assim reagiu fortemente ao (capitalismo) Hobbesiano no mundo inteiro, argumentando que era exagerado e completamente enviesado para um lado. Ele então começou a escrever uma série de artigos sobre “apoio mútuo) – as atividades cooperativas e o apoio mútuo e o cuidado expresso não somente pelos animais, mas em todas as sociedades humanas e ao longo da história.
A tendência ao apoio mútuo, ou o que ele descreveu como “anarquia” também era claramente evidente “entre nós”, pessoas das sociedades ocidentais.
Ele coexistiu com, e muitas vezes em oposição ao Estado e as instituições capitalistas.
O Apoio mútuo (ou anarquia) se revela, Korpotkin argumentava, em associações de trabalhadores, sindicatos, na vida familiar, nas caridades religiosas, em vários clubes e organizações culturais, bem como em muitas outras formas de voluntariado. O Apoio Mútuo, Kropotkin ressaltava, foi um importante fator na evolução e na vida social humana.
Saques
Apoio Mútuo não é um texto anarquista, nem um trabalho de teoria política, mas reflete a concepção de Kropontkin de uma sociedade futura que ele descreveria como livre ou anarcomunista.
Isso implica a necessidade de uma revolução social e uma forma política que envolvesse os seguintes três princípios:
- A rejeição ao Estado e todas as formas de hierarquia e opressão que inibem a autonomia e o bem estar de uma pessoa como ser social único;
- A repudiação da economia de Mercado capitalista, junto com o sistema assalariado (que para Kropotkin era uma forma de escravidão), propriedade privada, seu ethos competitivo e sua ideologia de individualismo possessivo.
- E, finalmente, uma visão futura de uma sociedade ecológica, baseada no apoio mútuo, voluntariado, formas participativas de democracia e uma forma de organização social orientada pela comunidade. Tal sociedade iria aumentar tanto a expressão de liberdade individual quanto expressar o mutualismo, uma relação de co-operação com o mundo natural.
Em uma era onde a corporação capitalista reina triunfante, criar condições que induzem medo, deslocamentos sociais, desigualdades sociais massivas, e uma crise ecológica severa, na visão de Kropotkin, e sua forma política, ainda tem relevância na contemporaneidade.
Contrastando com os militantes do “Novo acordo Verde” – apoiado por Naomi Klein dentre outros – Kropotkin teria insistido que o estado Capitalista ao invés de ser a solução para crises ecológicas seria de fato a causa dela.
Como o ecologista social Murray Boockchin argumentou há muito tempo, o capitalismo em relação simbiótica com o estado saqueia a terra em busca por lucros e resulta na principal causa da “crise moderna.”
O autor
Brian Morris é professor emérito de antropologia na Universidade de Goldsmith, e autor de diversos livros sobre ecologia e anarquismo, incluindo Kropontkin: A política da comunidade (Editora PM 2018). “Em memória do colega, David Graeber (1961-2020)”
Fonte: https://theecologist.org/2021/dec/24/kropotkins-ecology
Tradução > Alice Prin
agência de notícias anarquistas-ana
Frases compostas
no sol que passeia
sob minha caneta.
Jocelyne Villeneuve
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!