Considero muito esquisito que até o presente momento ainda reivindiquemos o direito ao trabalho, ou seja, como nos alertou Lafargue. A reivindicação pela esquerda, pela direita e até pelos anarquistas pelo direito ao trabalho nada mais é do que o direito insensato de se continuar perpetuando o patronato de elite e a miséria dos trabalhadores. Enquanto reivindica-se tal direito, nossa miséria só se avulta e os ricos (leia-se estado, religiões, patrões, partidos e militares de alta patente) passam a lucrar sempre e cada vez mais nas nossas costas largas que o nosso trabalho proporciona a eles.
O mesmo Lafargue já havia reivindicado o contrário do trabalho, propondo um direito a preguiça, não ao tal ócio criativo que muito se assemelha a mentira do desenvolvimento sustentável sustentada pelo capitalismo. Mas, sim o direito a não se fazer nada, um direito de se viver naturalmente.
Os pensadores do Grupo Krisis já haviam falado sobre a inutilidade de pelo menos 95% do trabalho praticado no mundo. Tanto Lafargue, quanto os pensadores do Grupo Krisis, apontam que no máximo deveríamos exercer uma atividade que não durasse mais do que três horas para que assim pudéssemos desfrutar do restante de nosso tempo da forma que melhor nos aprouvesse. Portanto, tendo tempo suficiente para não fazer nada, para ficar de toca se embalando na rede como um Macunaíma, brincando, brincando…
O próprio movimento atual de anti-trabalho nos coloca estas questões em sua gênese e reivindicações. Porém, não como o que vem sendo proposto pelo governo Belga e de outros países que estão pondo em prática um projeto, onde o trabalhador escolhe trabalhar quatro ou cinco dias semanais, mas mantendo a carga horária semanal integral, objetivando com isso, a meu ver, não o bem estar do trabalhador e sua família, mas como o próprio autor de tal projeto afirma, reservar ao trabalhador apenas quatro dias semanais e ficando mais tempo com sua família, visando o aumento da produtividade, consequentemente dos lucros. Isso me parece não um ganho para o trabalhador, mas sim para o patrão, nesta proposta que parece avançada e revolucionária, apenas troca-se seis por meia dúzia, ludibriando assim o trabalhador e a sociedade.
O filósofo Friedrich Nietzsche dizia que aquele que não tiver para si dois terços de seu dia é um escravo, seja lá quem esse indivíduo for. A ideia de utilidade empregada pelo sistema capitalista sobre a vida é uma aberração hedionda, pois como nos fala o Ailton Krenak a vida não é útil, nunca foi e nunca o será. Não possuí de forma alguma essa finalidade absurda a qual esse sistema nos impõe sob essa lógica sem lógica alguma.
Essa é uma construção advinda da cultura ocidental que se impôs, principalmente aos povos invadidos a séculos atrás. No nosso caso aqui na América Latina essa determinação surgiu para esmagar o modo de vida conectado à natureza dos povos originários estendendo-se até a atualidade.
No entanto, estas ideias do anti-trabalho, do direito a preguiça, de um modo de vida conectado a natureza, são, por vezes logo rechaçadas pelos vários movimentos sociais, que vislumbram no trabalho, na ideia de proletariado o seu objetivo final, sem colocarem em evidência a verdadeira dimensão da miséria que o mesmo provoca em perspectiva para que se possa inverter a questão.
É portanto, o trabalho, essa maldita ideia fixa que promove a miséria e a desolação. Realmente, cada trabalhador está condenado a carregar o fardo da miséria que ele mesmo provoca a si pelo modelo de trabalho imputado por uma elite privilegiada que aproveita aquilo que é produzido pelo trabalhador. Desse modo, ao se matar trabalhando, produzindo riquezas para estes parasitas que formam o sistema, o trabalhador acaba nutrindo sua miséria e regulando o ócio, o lucro e o divertimento dos parasitas.
É óbvio, que não irei aqui me alongar para dizer que deveríamos engrossar o caldo do movimento anti-trabalho, buscando o direito a preguiça, o direito a não se fazer nada, a viver uma vida plena reconectada a natureza e a si mesmo. A maior e mais eficiente ação anárquica que podemos praticar atualmente seria a prática do ócio, da preguiça, do não-fazer, da não-ação como pressuposto a ser alcançado. E afirmo isso não para daqui a séculos, num futuro a longo prazo, mas para serem praticadas de imediato, como diz o velho ditado, para serem praticadas desde ontem, para que possamos chegar a vida plena e livre de imposições.
Por fim, gostaria de propor uma reflexão sobre as nossas práticas anárquicas cotidianas e nossas ações em busca de uma outra vida fora dessa esfera medonha que é o sistema capitalista como um todo e acima de tudo, precisamos mais que nunca matar esse monstro, definitivamente. Essa é uma ação-direta que deve ser iniciada dentro de cada um de nós, com máxima urgência.
Bzarro Zangado, anarcopunk, adepto do não-trabalho com a colaboração de Fern Somppak.
Iniciado em 22/02/2022 e concluído 23/02/2022.
agência de notícias anarquistas-ana
novo outono
– só no porta-retrato
não mudo de ano
Wilson Bueno
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!