[Espanha] Chris Ealham, historiador: “Na Guerra Civil houveram anarquistas radicais que protegeram padres”

Nesta quinta-feira (05/05), juntamente com a historiadora Dolors Marín, o historiador apresentou na livraria Ramon Llull de Palma a reedição do livro “El eco de los pasos“.

Por Kike Oñate | 06/05/2022

Chris Ealham (Kent, 1965) é um hispanista especializado na história do anarquismo na Espanha. Discípulo de Paul Preston, assina o prólogo da reedição de O eco dos passos (Editorial Virus), livro de memórias com quase mil páginas do anarco-sindicalista e Ministro da Justiça durante a Guerra Civil, Joan García Oliver. Relatos de experiências que retratam um passado enterrado pelo exílio e escondido tanto pela direita quanto pela esquerda.

Por que as memórias são um “mal necessário”?

— É um livro essencial, de primeira linha e muito citado nos estudos sobre a Segunda República e os anos vinte. Recebi críticas pelo prólogo, mas é preciso questionar tudo. É muito ingênuo pensar que o que o livro conta é uma representação fiel da realidade que ele viveu.

Mesmo assim, você é atraído por este personagem.

Trabalhadores autodidatas me fascinam. García Oliver deixou a escola aos doze anos e tornou-se alguém com uma cultura enorme. No livro ele é mostrado como um grande escritor; existem pessoas que ainda hoje não atingem o seu nível. Defendia a Confederação Nacional do Trabalho (CNT) inclusive com um revólver, arriscando tudo. Ele foi corajoso. Foi garçom de profissão e sempre trabalhou em restaurantes e hotéis de luxo, se relacionou com pessoas da classe alta e ouvindo certas conversas, fortaleceu ao mesmo tempo seu nível cultural e seu ódio de classe.

Qual foi a maior contribuição dele como Ministro da Justiça?

— A criação de um novo sistema judiciário para tentar acabar com as demissões e com a repressão excessiva, esse é um legado importante. Havia anarquistas radicais que protegiam religiosos, incluindo padres e também pessoas de direita. Joan Peiró fazia parte de uma rede de fuga que se estendia ao longo da costa catalã até a França e em 1940, quando o regime de Franco o executou, muitos falangistas e religiosos o defenderam sem sucesso. A maior parte da repressão aos religiosos e pessoas de direita acontecia na rua e não há evidências de que o Comitê de Milícias Antifascistas ou o Ministério da Justiça estivessem envolvidos. Se ele poderia ter feito mais, eu não sei. Mas o anticlericalismo é muito anterior a García Oliver e o fato de a Igreja apoiar Franco não ajudou.

Que papel ele desempenhou na guerra?

Na defesa de Barcelona lutou nas barricadas de rua e mostrou sangue frio. Ele não se importou com sua segurança, mesmo quando seu amigo Francisco Ascaso morreu ao seu lado com um tiro na cabeça. Os anarquistas tinham seu projeto político, contra os patrões e o Estado, mas não visavam destruir a República. Eles se mobilizaram contra o golpe de Sanjurjo, em 1932, e depois em 1936. A CNT entendeu a necessidade do antifascismo ao ver como o nazismo avançava.

Por que a direita e a esquerda escondem o passado anarquista?

— A CNT foi o movimento anarco-sindicalista mais poderoso do mundo, mas sua história foi marginalizada. Com os Pactos de Moncloa houve uma confluência interessada em silenciá-la. Depois veio o caso Scala, que identificou a CNT com o terrorismo.

O que este livro nos traz hoje?

— Mostra que aqueles que lutaram por um mundo melhor eram pessoas comuns, com famílias. Contrasta com a lenda obscura do anarquismo. A fundação FAES patrocina historiadores midiáticos que continuam a desenvolver o conceito do anarquismo criminoso, ilegal, mas o livro mostra que não era assim, que o anarquismo era algo muito básico na vida de milhares de pessoas.

Fonte: https://www.ultimahora.es/noticias/local/2022/05/06/1730179/chris-ealham-historiador-guerra-civil-hubo-anarquistas-radicales-protegieron-curas

Tradução > Mauricio Knup

agência de notícias anarquistas-ana

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