Em companhia de Nestor Makhno e Alexandre Skirda

Por Plínio Augusto Coêlho | 02/08/2022

Há 40 anos, em Paris, tornei-me amigo de Alexandre Skirda. A partir daí, meus conhecimentos e interesse relativos a Nestor Makhno só cresceram, pois Skirda era “obcecado” por Makhno; rara era a conversa que não tivesse por foco, ou, ao menos, que não tangenciasse a figura e a obra de Makhno e da Makhnovitchina: uma vez comentava um artigo que escrevia, outra, a tradução, outra ainda, a descoberta de um novo documento, outra mais, o convite para servir de consultor para o filme épico da vida de Makhno pretendido pelo cineasta Jean-Louis Comolli (falecido há pouco mais de mês)… quase todas as nossas conversas começavam ou terminavam por Makhno.

Ao comunicar a Alex (como eu o chamava), que eu decidira retornar ao Brasil, após quase seis anos de França, convenceu-me a tornar-me tradutor e editor de obras anarquistas, porquanto em nenhum lugar em que o anarquismo vicejou, isso ocorreu sem longo trabalho prévio de traduções e edições anarquistas de revistas, jornais e livros.

Dias antes de meu regresso, Skirda telefonou-me para acompanhá-lo no dia seguinte a determinado lugar, que fez questão de não me informar. Como amigo e profundo admirador de sua paixão pela causa libertária, acatei de pronto sua “intimação”. No percurso, já no metrô, informou-me que seguíamos ao cemitério Père-Lachaise, local mítico para os combatentes da causa revolucionária; local onde ocorreu a última batalha durante a Comuna de Paris, onde, ainda, os últimos combatentes foram fuzilados no muro dos “Communards”.

Adentramos o Père-Lachaise e, sem tardar, estávamos em um mezanino. Skirda deteve-se, de repente, e disse-me: “Era aqui que se encontravam as cinzas de Makhno; havia uma placa de bronze com a efígie do revolucionário ucraniano, mas marxistas explodiram o local. Decidi transferi-lo para outro local, desta vez, sem menção a seu nome”. Seguimos para o Columbário, no sub-solo. Deteve-se diante da “gaveta” onde se encontrava a urna com as cinzas de Makhno, e fez-me prometer ali mesmo, que, já no Brasil, publicando obras anarquistas, eu não esqueceria de Makhno.

Pensei nisso nestes últimos dias, em que avanço na tradução dos apaixonantes “Escritos” do baixinho porreta. Aliás, é quase impossível traduzir Makhno ou Skirda sem ser assaltado por essas doces lembranças, e pela saudade do franco-russo, filho de mãe russa e pai ucraniano, Alexandre Skirda.

agência de notícias anarquistas-ana

Pra que respirar?
posso ouvi-la, fremindo,
maciez de noite.

Soares Feitosa