[Espanha] Mais de vinte jovens valencianos enfrentam vários anos de prisão por incidentes com a extrema direita

  • Em outubro serão julgados 14 moradores de Pego, para os quais já se iniciaram campanhas de solidariedade.

Por Miquel Ramos | 16/07/2023

Após o ruído e o pânico desatado com a entrada da ultradireita nas instituições, existem outros fatos que passaram relativamente desapercebidos. Os movimentos sociais valencianos denunciam vários casos que terminaram em detenções e em altas petições de penas para vários jovens por denúncias de grupos de extrema direita, desde VOX até neonazis. São mais de uma vintena as pessoas que poderiam entrar na prisão, e alguns destes julgamentos já estão previstos para os próximos meses.

Uma das primeiras causas foi julgada em abril passado, que terminou com a condenação de um ativista antifascista de Castelló, a quem se imputou a responsabilidade da colocação de um boneco manchado com pintura vermelha simulando sangue e com uma foto do líder do VOX, Santiago Abascal, em uma praça. Apesar de assegurar que não se encontrava na cidade aquele dia e de negar rotundamente sua responsabilidade, a polícia lhe atribui as impressões encontradas em um adesivo colado ao boneco. Um adesivo que tinha sido usado, tal e como afirmam várias testemunhas, para outros cartazes, e que não implicava que o acusado tivesse realizado o boneco objeto da denúncia. O juiz deu por válido a sinalização policial desta pessoa tão somente por dita impressão, e considerou que a ação se tratava de uma ameaça. O condenaram a oito meses de prisão e a uma multa que supera os mil euros, baseando-se, também, nos informes da Brigada de Informação da Polícia Nacional sobre a militância política desta pessoa.

Este caso contrasta com o que divulgou lamarea.com em junho de 2020 relacionado com um ex-militar que saía em um vídeo disparando com armas de fogo contra as fotos de vários membros do Governo. A Audiência Nacional arquivou a causa em janeiro de 2021, alegando que a ação no era dirigida ao Executivo, nem sequer “que tivesse ameaça séria, real e perseverante de um mal futuro, injusto, determinado, possível, causante de uma intimidação natural e dependente da vontade exclusiva do sujeito ativo”.

Em outubro serão julgados quatorze moradores de Pego, o primeiro dos três casos aos quais enfrentarão brevemente mais de vinte ativistas valencianos, e para os quais já se iniciaram campanhas de solidariedade.

O caso de Pego

O caso em que mais pessoas sentarão no banco será o dos incidentes que protagonizaram os ultras neonazis de Gandia após sua passagem pela localidade de Pego, e que terminou com quatorze moradores detidos. Após encher o povoado de adesivos com a cara de Hitler e insultar vários moradores, os neonazis, que tinham chegado ao meio dia com a desculpa de uma partida de futebol, tiveram que ser protegidos e escoltados pela Guarda Civil ante a espontânea resposta de mais de uma centena de pessoas. Os ultras ficaram encurralados no campo de futebol, rodeados por centenas de pessoas contra as quais terminou carregando [reprimindo] a Guarda Civil, sucedendo-se enfrentamentos entre os agentes e um grupo de jovens.

Dias mais tarde, a Guarda Civil aparecia nos domicílios e nos trabalhos de vários moradores do povoado para levá-los detidos acusados de atentado contra a autoridade. O próximo outubro começa o julgamento contra quatorze deles, a quem pedem entre quatro e nove anos de prisão. Nenhum dos neonazis gandienses está imputado nesta causa.

Os quatro de Alacant

Em maio de 2021, a Universitat d’Alacant albergou em suas instalações um ato ‘em defesa do espanhol’ organizado pelo Conselho de Estudantes da Universidade de Alicante (CEUA), ao qual se convidou como palestrante a então deputada e secretária geral do VOX, Macarena Olona, e o escritor recentemente falecido Fernando Sánchez Dragó. Grupos de esquerda convocaram um protesto no campus, que se desenvolveu sem incidentes e sob um estrito dispositivo policial. No entanto, o deputado do VOX David García assegurou naquele mesmo dia em sua conta de Twitter que tinha sido insultado e que haviam tentado agredi-lo, e postou uma foto do protesto rodeado de agentes da Guarda Civil.

Nenhum dos manifestantes foi identificado no momento, nem até hoje se publicou nenhuma outra imagem que prove os fatos denunciados, além das fotos que mostra o denunciante em sua conta de Twitter. Sua versão estaria apoiada pela de um agente da Brigada de Informação da Polícia Nacional que havia estado na zona. A denúncia acabou na Audiência Provincial de Alacant, e quatro ativistas enfrentam uma petição de três anos de prisão por suposto delito de atentado e coações por parte deste partido, e a um ano e nove meses de prisão por parte da Promotoria.

Perguntado por lamarea.com sobre este tipo de casos, o professor de Direito Constitucional Joaquín Urías considera que “geralmente basta a declaração de um policial para condenar grupos inteiros de ativistas inclusive sem individualizar o autor de nenhum delito. Se aplica a responsabilidade coletiva e os juízes baseiam sua convicção em qualquer indício”. Também afirma que “juízes e promotores atuam sob a percepção de que os jovens de esquerda ameaçam o sistema enquanto que os policiais ou os ultradireitistas o defendem”, já que, segundo o jurista, “ideologicamente compartilham muitas mais coisas com a direita e com frequência não são capazes de abordar os assuntos com a devida neutralidade e imparcialidade”.

O caso de Alacant não é o primeiro no qual VOX como partido ou seus membros sob o amparo de outras organizações denunciam os ativistas que protestam. O caso do comício de Vallecas em 2021 foi um dos maiores exemplos de uma estratégia da provocação que tradicionalmente a extrema direita usou, e que tem como um de seus objetivos criminalizar e processar seus opositores. Esta fórmula não é nova na Espanha, e esta semana voltou a representá-la o deputado do VOX na Catalunha, Ignacio Garriga, que baixou do cenário e foi se enfrentar com um grupo de pessoas que protestava pacificamente a vários metros de seu comício.

Ao longo do Estado há numerosos procedimentos similares não só contra quem se manifestou contra VOX, mas também contra quem teve confrontos com membros de grupos neonazis e fascistas, que seguem ativos nas ruas e tratando de aproveitar a normalização de seus discursos de ódio para tentar voltar a serem visíveis. Muitos destes neonazis seguem povoando as torcidas ultras de vários estádios espanhóis e suas imediações, como é o caso de Valência, e ao qual pertencem os protagonistas de outro incidente que terminou com quatro antifascistas denunciados.

Os quatro de Valência

Dois policiais à paisana sacam suas armas e apontam a vários jovens que fogem. São parados e os retêm exigindo que se sentem no chão. Outro agente retêm outros dois jovens em uma rua adjacente. Estes dois policiais acabam de presenciar um confronto entre estes e um grupo de neonazis na zona próxima a Mestalla, onde geralmente costumam parar os ultras de Valência CF. Os quatro detidos são antifascistas, e aquela noite de julho de 2021 tiveram a má sorte de cruzar com conhecidos neonazis da cidade, que, segundo contam em um comunicado, repreenderam dois deles, de origem migrante, com insultos racistas. Se iniciou uma briga que durou “uns poucos segundos”, segundo declaram os agentes de polícia que foram testemunhas. Estes dois policiais se encontravam à paisana pela zona fazendo trabalhos de informação sobre os grupos ultras, aos quais pertenciam os denunciantes, e foram casualmente testemunhos do acontecido. Ainda que no momento não se produziu nenhuma detenção, apesar das identificações, dias mais tarde, os quatro jovens seriam citados à delegacia, onde foram prestar declaração após a denúncia de quatro conhecidos neonazis, afins ao partido España2000.

Os quatro jovens antifascistas enfrentam agora penas que superam os seis anos de prisão, e já estão há um tempo sendo assinalados em várias redes da extrema direita valenciana, que pretende convertê-los em seu particular troféu. Valência tem sido sempre um bastião dos grupos neonazis, mas desde alguns anos, coincidindo com a irrupção do VOX, e com o crescimento do movimento antifascista em todo o território valenciano, estes grupos foram desaparecendo e acabaram reclusos praticamente nos ambientes futebolísticos.

Ainda que se trata de casos diferentes, todos os relatados anteriormente motivaram a reação de numerosos movimentos sociais valencianos para mostrar unidade. No próximo 23 de setembro está previsto um grande ato de apoio em Pego, a poucas semanas de iniciar-se o julgamento, e cada caso iniciou uma campanha própria para divulgar os fatos e visibilizar um conflito que sempre existiu e que uma parte da sociedade ignorava.

Fonte: https://www.lamarea.com/2023/07/18/mas-de-veinte-jovenes-valencianos-se-enfrentan-a-varios-anos-de-prision-por-incidentes-con-la-extrema-derecha/

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

Traçando os baralhos
confundo na noite o mundo
de alhos com bugalhos.

Luciano Maia