Transcrição das palavras do companheiro anarquista Francisco Solar durante a última sessão de julgamento.
Em 6 de novembro de 2023 durante as últimas audiências do julgamento contra ele, o companheiro anarquista Francisco Solar decide tomar a palavra e dar suas últimas declarações no tribunal. Estas Palavras foram censuradas pela transmissão online, mas conseguiram ser difundidas dias mais tarde e agora transcritas. Finalmente o companheiro foi condenado a 86 anos de prisão, uma das condenações mais duras contra o anarquismo a nível internacional.
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Bom dia, as ações pelas quais já assumi responsabilidade, pelas quais já reivindiquei politicamente e pelas quais serei condenado inserem-se todas elas dentro da longa tradição histórica especificamente anarquista referida a devolver em primeira pessoa e sem intermediários os golpes de poderosos e repressores. Porque se alguns pensavam que suas políticas do terror baseadas em imposições e restrições de todo tipo, assim como também em ondas repressivas, onde inclusive muitas vezes passaram por sua própria legalidade que tanto dizem defender e respeitar, iriam passar desapercebidas e não iriam encontrar respostas estavam muito equivocados.
Há muitos de nós que sabemos esperar o momento adequado para atuar, que entendemos a memória não como um baú onde se depositam as recordações para contemplá-las e lamentarmos, mas como um motor que impulsiona a ação vingativa como parte de nossa prática política permanente que se nutre de nossa história, com nossos acertos e desacertos, e foi esse exercício de memória o que sustentou as ações individuais que realizei no ano de 2019 e 2020. Ações individuais que não contemplaram o consenso nem o acordo grupal, mas que foram fruto da análise, da decisão e da vontade pessoal, ações que também fizeram parte e sem dúvida fortaleceram a guerrilha urbana anarquista, que não desaparece apesar dos constantes golpes repressivos, demostrando nos fatos a viabilidade e a efetividade das relações informais orientadas à ação revolucionária.
Demonstrando também que não faz falta uma grande estrutura organizacional para as ações contundentes. Neste sentido, é importante assinalar que as grandes organizações rígidas e estáveis logo se transformam em um fim em si mesmas, quer dizer, se organizam para fortalecer a organização mesma, diferente das organizações informais que sustentam suas relações no ataque outorgando-lhes esse dinamismo que impede a atrofia e o aparecimento de lógicas burocráticas.
As ações, junto com serem golpes diretos a representantes e símbolos do poder e junto com demonstrar que é possível realizar ditos ataques, constituem um meio para a propagação de ideias e mensagens, mensagens de rebeldia e liberdade, que serão recebidos e postos em prática por quem assim o deseje. Mensagens que só associadas a estas ações constituem o verdadeiro perigo para a ordem imposta. E falo de ordem imposta porque nesta sociedade não existe um contrato social onde as pessoas tenham delegado sua liberdade ao Estado em prol de bem estar e segurança, formulação que por certo assenta as bases dos Estados modernos, mas que pelo contrário o Estado se funda no despojo histórico das liberdades dos indivíduos submetendo-os e restringindo-os em cada vez mais aspectos de suas vidas, o que vai fortalecendo e perpetuando o domínio estatal. O Estado já não é só uma instituição, mas que se encontra em cada uma de nossas relações, complexando e estendendo ainda mais o domínio estatal, portanto ações contra o Estado não só são justificadas mas que são completamente necessárias.
E claro, “demos-lhe a oportunidade da palavra” como o disse o sr. Promotor em sua alegação de clausura, mas a palavra ligada à ação revolucionária, porque a palavra que pretenda construir novas relações distantes de toda autoridade deve necessariamente ir de mãos dadas com a ação revolucionária. É inegável o crescimento e a proliferação dos grupos anárquicos nos últimos tempos, levando a que discursos e práticas antiautoritárias estejam presentes em grande parte das mobilizações e revoltas da atualidade.
Entendendo a anarquia como uma tensão e não como um lugar de chegada, entendendo-a como uma luta permanente contra cada expressão da autoridade e não como uma sociedade perfeita ou um paraíso terreno como muitos assinalam, é que estas ações violentas individuais são parte imprescindível neste caminho de liberação, e quero deixar claro que neste caminho, ações como esta não são nem as primeiras nem tampouco vão ser as últimas, que como assinalei anteriormente são parte de um contínuo histórico que não vai desaparecer ainda que nos condenem a décadas de confinamento, inclusive ainda que nos matem. Sempre haverá indivíduos e grupos de indivíduos que estejam dispostos a responder à brutalidade do Estado e do capitalismo, isso é inevitável.
Por último quero aproveitar esta instância para enviar-lhes uma saudação cúmplice aos presos e presas anarquistas e subversivos que lutam nos cárceres deste país.
Viva a anarquia.
Tradução > Sol de Abril
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!