[EUA] Encapsulando o Anarquismo | Um guia prático para responder: “O que é anarquismo?”

por Eric Laursen

Uma revisão de Anarchism: A Very Short Introduction, de Alex Prichard. Oxford University Press, 2023

Os anarquistas têm elaborado guias concisos para os “anarco-curiosos” praticamente desde que o anarquismo existe como uma corrente ideológica coerente. Remontam pelo menos à contribuição de Kropotkin para a décima primeira edição da Enciclopédia Britannica (1911) e incluem o “Agora e Depois: O ABC do Anarquismo Comunista”, de Alexander Berkman (1929), “Anarquia em Ação”, de Colin Ward (1973) e “Anarchism and its Aspirations”, de Cindy Milstein (2010).

Mas isso acontece porque o anarquismo em si – como teoria política, como ação direta e organização – continua evoluindo. O livro de Milstein foi lançado pouco antes do surgimento do Occupy Wall Street, antes da Primavera Árabe e antes do movimento de libertação curdo florescer na entidade política pelo menos quase anarquista de Rojava.

Sempre precisamos nos atualizar, e este novo livro, escrito por um acadêmico da Universidade de Exeter e co-editor da revista Anarchist Studies, faz um excelente trabalho em trazer a história para os dias de hoje, enquanto adiciona alguns novos ângulos úteis. Também traz os dias de hoje para as origens históricas do anarquismo.

“A Very Short Introduction” guia o leitor novato pela vida e pensamento da habitual progressão de Anarquistas Brancos Mortos (em sua maioria) Homens – Proudhon, Bakunin, Kropotkin, Berkman, Goldman, Bookchin – mas enfatiza desde o início que o anarquismo sempre foi um movimento culturalmente diverso e global, alcançando a América Latina, Índia e o Extremo Oriente quase desde o momento em que Proudhon declarou que “A propriedade é um roubo”.

A maioria de suas figuras principais eram exilados políticos, frequentemente por várias vezes, e onde quer que fossem, suas ideias encontravam terreno fértil. Prichard observa que, ao contrário do marxismo, o anarquismo não teve suas origens na Revolução Industrial, embora fosse produto da primeira grande era de globalização, nos meados ao final do século XIX. Muitos dos países onde floresceu mal estavam industrializados na época, e o anarquismo atraía tanto as populações rurais do Leste Europeu ou da Andaluzia quanto os operários de Londres, Lyon ou Chicago.

A oposição ao Estado é um dos dois elementos que distinguem o anarquismo do marxismo e da social-democracia (falaremos sobre o segundo mais tarde), mas Prichard enfatiza que os anarquistas sempre viram o Estado como algo mais complexo do que um mero governo; uma densa rede de relações de poder que se estende profundamente na sociedade que quer incorporar.

“A dominação estrutural é exercida indiretamente por políticos e chefes”, escreve ele, “por causa dos privilégios históricos herdados que foram conquistados às custas das mulheres, dos povos colonizados, dos escravos e dos trabalhadores. Mas os anarquistas veem archos [suserania ou domínio, em grego] potencialmente exercido em todos os lugares, inclusive nos relacionamentos pessoais, grupos de amizade, nas estruturas interseccionais de poder racializado, de gênero e cultural que moldam nossas oportunidades de vida altamente desiguais. O anarquismo é uma ideologia que busca entender como isso acontece e como mitigá-lo.”

Mesmo o slogan (e livro) famoso de Proudhon não era tão simplista como frequentemente se pensa. Por que a propriedade é um roubo? Porque a propriedade “sempre foi social. A propriedade privada era impossível.” Até os maiores ricaços “dependem de outros para fazer valer esse direito e têm que pagá-los por isso. Este é um acordo social, negociado. Mas tudo o que já produzimos foi feito mais ou menos coletivamente.”

Os anarquistas, a começar pelos geógrafos franceses Elisée e Elie Reclus e continuando com o ambientalista radical Murray Bookchin, contrastam a densa mas frágil teia do Estado e do capitalismo com o ecossistema natural “radicalmente interconectado, complexo e dinâmico” – e muito mais resiliente – no qual os humanos evoluíram originalmente. “Essa complexidade pressupõe diversidade e variação, que são essenciais para a resiliência mútua de cada parte do sistema” (palavras de Prichard): o oposto da monocultura para a qual o Estado e o capitalismo nos empurram sombriamente.

Um aspecto revigorante do livro de Prichard, no entanto, é que ele reconhece o anarquismo onde o encontra, o que não é apenas na boca das pessoas que se autodenominam anarquistas. Estes incluem a economista política Elinor Ostrum, que estudou como pequenas comunidades, mesmo em condições de escassez, poderiam compartilhar recursos de forma equitativa e eficiente sem governo; Dan Cook, que escreve sobre como as universidades, que começaram como instituições cooperativas, podem retornar a essa tradição; e Charles Tilly, um cientista político que, no entanto, considerou o Estado como algo semelhante ao “crime organizado”.

Prichard não insiste nesse ponto, mas é impressionante com que frequência a pesquisa contemporânea apoia o pensamento anarquista ou contribui para ele, consciente ou inconscientemente. Em seu livro, ele observa que os anarquistas há muito tempo enfatizam a saúde em vez da doença como o ponto focal adequado para o cuidado médico, a justiça restaurativa e transformadora em vez da injustiça criminal, o respeito pela diversidade cultural em vez de etnocentrismo, o incentivo à imaginação em vez da aprendizagem mecânica na educação, respeito pelo meio ambiente e cooperação global entre trabalhadores em vez do caos violento e antidemocrático da geopolítica de nível estatal.

Como um programa para mudança progressista, o exposto acima estaria em casa na lista de desejos de muitos democratas progressistas. Mas isso nos leva ao segundo grande elemento que distingue o anarquismo de outras filosofias políticas: sua intensa dedicação à organização, pensamento e tomada de decisões de base.

Ao abordar o desafio que a automação e a inteligência artificial representam para a sociedade humana, Prichard afirma: “As respostas a quaisquer transformações no capitalismo devem ser democraticamente negociadas de baixo para cima”, através de ações trabalhistas como greve geral, organização econômica cooperativa ou outras iniciativas. “O que todas elas têm em comum é que se recusam a esperar pela captura do poder estatal para instituir mudanças e iniciativas.”

Essa visão contrasta nitidamente com todos os outros “ismos” do século XX, incluindo marxismo, social-democracia, a chamada democracia liberal e até mesmo o libertarianismo, todos os quais entregam o poder a especialistas, tecnocratas e inovadores “disruptivos” do tipo Elon Musk. O anarquismo, tanto teoria quanto ação, sempre se desenvolveu justamente dessa maneira de baixo para cima. “O próximo capítulo do pensamento anarquista”, prevê Prichard, “será moldado pela serendipidade e polinização cruzada, tanto quanto pelo pensamento analítico racional ou pela análise histórica cuidadosa, e o mesmo vale para o movimento anarquista”.

Não que os anarquistas não sejam capazes de elaborar alternativas racionais e cuidadosamente analisadas ao Estado e ao capitalismo. Prichard, que escreveu extensivamente sobre como os anarquistas elaboram sistemas de regras e leis, conclui “A Very Short Introduction” examinando a constituição anarquista – definida de forma ampla – observando que “os anarquistas foram alguns dos teóricos e praticantes constitucionais mais imaginativos da história moderna”, em parte porque foram “mais conscientes dos regimes de dominação que estruturam nossas vidas”.

Tanto a Comuna de Paris quanto o Occupy Wall Street passaram grande parte de suas curtas vidas como entidades sociais e políticas em constitucionalização, e a Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria, ou Rojava, é um exemplo notável de constituição em movimento. Mas o experimento mais ambicioso desse tipo, que Prichard traz de volta da obscuridade em suas últimas páginas, foi a tentativa dos anarquistas do século XIX de convencer os radicais europeus a adotarem seu plano de uma Europa federada e descentralizada.

No congresso inaugural da Liga Internacional da Paz e Liberdade em Genebra, em 1867, Bakunin apresentou 13 princípios para a paz europeia a uma plateia que incluía Giuseppe Garibaldi, Victor Hugo e John Stuart Mill. Estes incluíam “a socialização da propriedade pelos trabalhadores, o ateísmo, a constitucionalização das identidades regionais como base para a autonomia regional” e um sistema federal e descentralizado de tomada de decisões.

A proposta de Bakunin foi rejeitada, e o mundo ainda espera por uma alternativa pacífica ao sistema estatal que não inclua a hegemonia dos EUA, uma multipolaridade superpoderosa volátil ou algum tipo de governo mundial. O livro muito curto, mas muito útil, de 160 páginas de Prichard nos lembra que, embora a visão anarquista esteja sempre evoluindo, ela sempre foi clara sobre o contorno geral desse ideal.

>> Eric Laursen escreve frequentemente para o Fifth Estate. Seu novo livro, “Polymath: The Life and Professions of Dr. Alex Comfort, author of ‘The Joy of Sex'”, está disponível na AK Press.

Fonte: Fifth Estate # 414, Outono de 2023

Tradução > fernanda k.

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O salgueiro se desfolha.
Restos de verduras
Descendo o regato.

Shiki

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