Uma resposta sobre a crítica anarquista à política eleitoral. Escrito como parte de uma discussão com alguns companheiros de luta. Revisão: Luiz De Oliveira.
Sumário
O que é ação direta / Um regime fascista exige ação antifascista / Não existe governo libertário / Um discurso mais coerente com a prática / Votar ou não votar. Eis a questão? / “Mas, no atual contexto, o que é viável?” / Genocídio como política institucional / Referências
Recentemente, foi publicada uma avaliação do ato do dia 29 de maio de 2021 que gerou uma discussão sobre anarquismo.
Nessa avaliação, foram criticados dois aspectos da organização do ato: 1. O mau uso do microfone. 2. A reação ao enfrentamento com a polícia.
Houveram dois momentos que isso veio à tona: No primeiro, uma pessoa usou o microfone para criticar o excesso de discurso eleitoreiro e lembrar que a situação política atual não se resolve nas urnas. Ela foi imediatamente interrompida. No segundo, algumas pessoas se recusaram a obedecer a polícia e desocupar a rua. A reação variou entre “pra que provocar?”, “de que lado vocês estão?” e “isso é uma atitude fascista”. No microfone, alguém ameaçou: “Se vocês não se comportarem, nós vamos nos retirar”. Finalmente, um “policial antifascista” pegou o microfone, disse que policiais também são trabalhadores e foi aplaudido entusiasticamente.
Como resposta, algumas pessoas questionaram a validade do anarquismo. Me perguntaram quais seriam as propostas concretas, e fizeram algumas associações entre o pensamento anarquista e o fortalecimento da direita. Quem está familiarizado com o meio anarquista conhece bem esse discurso, ele é usado sempre que se aproximam as eleições.
Dizem que esse governo é genocida, fascista e ilegítimo. Ao mesmo tempo, a estratégia de enfrentamento não apresenta nenhuma mudança. Aparentemente, a esquerda partidária pretende realizar ações ainda menos radicais do que as que realizou nos protestos contra os cortes de verbas da educação durante o governo do PT. O desgaste da estrutura política representativa, evidenciada no número crescente de abstenções, deveria provocar uma radicalização das táticas e, no entanto, o que vemos é um retrocesso na radicalização. Como pode o genocídio ser respondido de modo menos radical do que um corte de verbas?
Há uma tensão entre duas perspectivas anticapitalistas: os reformistas e os radicais. Será que a presença de anarquistas é realmente bem-vinda nas manifestações? Será que os “donos do microfone” não preferem que os anarquistas fiquem em casa? Talvez, o que realmente pensem é: “Não queremos vocês aqui, vocês só causam problema”. Por que chamar anarquistas para compor uma “unidade” e depois deixá-los à disposição da polícia como se fossem “infiltrados” e simplesmente, por agirem como anarquistas?
“Precisamos proteger as pessoas”, me parece uma desculpa esfarrapada. Os líderes dos movimentos partidários estão protegidos por um status social que a maioria das pessoas não tem. Qual a chance da polícia atacar quando esses líderes estão na linha de frente? Se estes puxassem um “recua, polícia, recua…”, com certeza seriam imitados por seus seguidores, que permaneceriam seguros na superioridade numérica e pela presença de personalidades políticas “intocáveis”. Ao invés disso, preferem deixar que uma minoria seja marcada como alvo preferencial da violência policial. Isso coloca todas as pessoas que se encaixam no estereótipo de “anarquista” em maior risco, durante e depois das manifestações.
Um governo genocida não precisa de pretexto para atacar a população. Se a luta dos partidos é contra um governo genocida, como eles dizem, porque agem como se estivessem lutando contra um governo eleito democraticamente, que pode ser substituído pela via democrática? Essa é a contradição entre teoria e prática. Jamais se viu uma luta contra um governo genocida ser decidida numa eleição.
Se estamos enfrentando um governo ilegítimo, isto significa que a estrutura governamental como um todo está profundamente danificada. Não se trata apenas de uma administração mal feita ou de um crime contra a humanidade cometido por um presidente, sua família e seus associados. Mas o discurso fica confuso quando cobram que este governo ilegítimo se comporte como um governo legítimo. Mas a insistência no uso de estratégias políticas convencionais demonstra que os partidos não estão realmente considerando esse governo como ilegítimo. Quem obedece as ordens de um governo genocida se torna cúmplice de genocídio.
A luta contra um governo ilegítimo exigiria a construção de poder popular de baixo pra cima. Se o que esperam é a tomada do poder institucional pela via democrática, necessariamente só o podem fazer a partir de negociações e alianças com representantes e apoiadores do atual governo. O que os partidos acreditam é que precisamos de um presidente melhor. Mas não é como se isso nunca tivesse acontecido. Um partido gestado pelas lutas operárias esteve no poder. Se isso não foi suficiente, é porque enquanto estavam produzindo crescimento econômico, também estavam gestando as condições para o atual governo, graças às alianças necessárias para manter a governabilidade. É compreensível que as pessoas não acreditem que isso mudará num próximo governo do mesmo partido. O governo de conciliação de classes não funciona. O que nos resta é a guerra de classes.
Diante dessa crítica, os partidários se perguntam: “Se não é assim, então como? Qual a sua proposta?”. Embora eu saiba que a frase “toda crítica sem proposta é vazia” não seja um argumento válido, vale a pena falar um pouco sobre outras possibilidades.
>> Para ler o texto na íntegra, clique aqui:
https://contraciv.noblogs.org/reformismo-e-radicalizacao/
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