Salles se foi, mas no governo da frente ampla a boiada continua passando

Diante da crise climática que assola o país fica explícito que a política de conciliação do governo Lula/Alckmin fortalece as bases da extrema direita e a devastação ambiental

Por Juliane Santos | 23/09/2024

Ricardo Sales, ex-ministro do meio ambiente durante o governo de extrema direita de Bolsonaro, falou em “passar a boiada” em abril de 2020, dizendo durante uma reunião ministerial que a pandemia da COVID 19 era a oportunidade do governo Bolsonaro passar a boiada nas regulamentações ambientais. Um grande escândalo na época. Sales se foi, mas no governo de frente ampla de Lula/Alckmin a boiada segue passando.

O exemplo mais explícito de tal fato é a forte crise ambiental que o país atravessa, com a fumaça tóxica oriunda das queimadas que atingem os principais biomas e mais da metade do território brasileiro. É uma crise que une o pior índice de queimadas em 14 anos e a pior seca histórica desde 1950, situações que são frutos do aquecimento global.

As queimadas são resultado da atuação do agronegócio, que ateia fogo para avançar as fronteiras agrícolas e garantir cada vez mais lucros. O Agro, atuando em cima do consenso extrativista, teve papel de destaque e atuou em unidade com os diferentes governos do FHC, do PT, do golpista Temer e de Bolsonaro, como desenvolvido no artigo de Leandro Lanfredi (O Brasil em chamas a culpa e do agro do Estado mas e também dos bancos). Cada um desses governos à sua maneira financiou, apoiou e contribuiu no desenvolvimento desse consenso.

É verdade que o agronegócio, principal emissor de gases de efeito estufa nacionalmente (74%), se fortaleceu nos anos de bolsonarismo no governo federal, além de seguir sendo beneficiado pelos governos bolsonaristas como de Tarcísio de Freitas em São Paulo, que investiu 1,4 bilhões somente esse ano no agronegócio. Porém, é do governo de frente ampla de Lula/Alckmin que esse setor recebeu o maior Plano Safra da história, com mais de 400 bilhões destinados somente aos médios e grandes produtores.

Se fizermos uma comparação, o Dia do Fogo, sob o governo Bolsonaro em 2019, teve quase 1.500 focos de incêndio, já hoje em 2024, no último dia 10, o Brasil registrou mais de 5 mil focos de incêndio. Diante de todo esse cenário, fica explícito a partir da prática que a conciliação de classes fortalece as bases da extrema direita e a devastação ambiental, inclusive abrindo espaço à demagogia bolsonarista, como a declaração do senador do Acre, Márcio Bittar, do União Brasil, que disse cinicamente que “não é possível que continuem culpando o governo Bolsonaro” agora que o Brasil bate recordes de queimadas sob o governo Lula, sendo que Bolsonaro e seus ministros defendiam abertamente “passar a boiada”, inclusive foi a bancada ruralista no Congresso no governo bolsonarista (setor que em grande parte hoje compõe a base do governo federal) que impôs um verdadeiro pacote anti-ambiental, como o PL da Grilagem que legaliza o roubo de terras. Ao mesmo tempo, vários ataques estão sendo aprovados no governo Lula-Alckmin, como a votação do PL do Veneno, que flexibiliza a liberação de agrotóxicos, e o Marco Temporal, ambos aprovados no Senado.

Simultaneamente a esses fatos, o governo Lula também vem se subordinando aos interesses das potências imperialistas e de empresas como a Shell, ao tentar avançar com a extração de petróleo na Margem Equatorial, que afeta especialmente populações indígenas e ribeirinhas.

Em Julho deste ano vimos os servidores dos órgãos ambientais federais denunciarem que seu quadro havia perdido até 30% dos novos servidores concursados, com um déficit acompanhado de arrocho salarial e condições de trabalho mais precárias. No ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), o quadro de brigadistas (que enfrentam os incêndios) caiu de 1.415 para 981. Esse é apenas um aspecto do desmonte das políticas ambientais que se aprofundaram sob o governo Bolsonaro, mas que têm sua continuidade no Arcabouço Fiscal de Lula e Haddad, que significou no início deste ano uma redução em 24% no combate aos incêndios no orçamento do Ibama, que o Ministério de Marina Silva alega ter reposto depois com crédito extraordinário. O arcabouço fiscal do governo federal é continuidade da agenda do golpe de 2016 e da extrema direita, e agora demonstra mais uma vez que é um obstáculo para o combate às queimadas. O PSOL, de Boulos e Guajajara, são parte desse governo de frente ampla e assumem, assim, um compromisso com essas políticas de ajuste e de financiamento do agro.

A reflexão que precisa ser colocada é para onde a lógica de frente ampla, de unidade com todos, para “combater o fascismo e a extrema direita” está nos levando. Como vemos nestes poucos, mas absurdos, exemplos é que a lógica de alianças da frente ampla vai se ampliando cada vez mais e favorece enormemente os setores mais reacionários da direita e da própria extrema direita, que até então se buscava combater. Somente a classe trabalhadora em aliança com os povos indígenas, quilombolas e todos os setores oprimidos é que poderá dar uma saída para tal situação e reverter a crise climática. É preciso enfrentar a extrema direita e o agronegócio e pôr em ação um plano emergencial para todo esse contexto de barbárie, o que só será possível por meio de um programa operário e popular e independente dos governos.

Fonte: https://www.esquerdadiario.com.br/Salles-se-foi-mas-no-governo-da-frente-ampla-a-boiada-continua-passando

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