[México] Fala um dos 11 anarquistas mais perigosos da Cidade do México

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Chamo-me Julio Pisanty Alatorre. Sou médico, e atualmente estou terminando o Internato Médico num hospital público, na Cidade do México. Esta sexta-feira [11/10/2013], quando observava uma mulher grávida, um amigo telefonou-me para informar que, ao que parece, sou um dos onze “anarquistas” mais perigosos da cidade. Assim, pelo menos, diz um artigo publicado no jornal “Reforma” e reproduzido por outros meios, supostamente baseado num relatório do governo do Distrito Federal.

A notícia apanhou-me de surpresa. Não pude senão perguntar-me: será que, de fato, sou perigoso? Evidentemente é falso que a minha “periculosidade” resida no meu “grau de violência e participação constante em manifestações que terminam em atos de vandalismo” (como diz o afamado diário). O que ali se diz de mim – salvo que estudo na Faculdade de Medicina – é pura e simples mentira. O absurdo torna-se tanto ou mais evidente quando a dinâmica atual da minha formação profissional não me permite “a participação constante nas manifestações”. Surge, então, uma nova dúvida: porque é que sou perigoso?

Será que sou perigoso por pensar que outra forma de exercer medicina não só tem que ser possível, mas que é necessária e urgente? Será que sou perigoso por pensar que alguma coisa não está bem quando vejo pessoas deixarem o meu hospital “público” por não terem dinheiro para pagarem tratamentos que lhes salvariam as vidas, e a isto se chama “alta voluntária”? Será que sou perigoso por afirmar constantemente a ideia de que as doenças de que as pessoas padecem são o produto de uma situação social injusta? Será que sou talvez perigoso por afirmar que um sistema que se baseia no trabalho de médicos em formação, com horários de mais de 32 horas sem dormir, não pode ser o melhor para os usuários? Será que sou perigoso por pensar e dizer que uma reforma que passa pela fatura dos gastos dos pais de família nas escolas não pode ser chamada de reforma educativa? Por acreditar que, como médico, é meu dever opor-me a uma guerra absurda que semeou o país de mortos que tinham a minha idade? Por participar num movimento que apontou o dedo à manipulação midiática, essa mesma de que agora sou vítima? Será que o perigoso é que somos muitas e muitos os que pensamos assim?

Na minha opinião, o que me diz este “relatório”, e a forma com que alguns meios o replicaram, mostra o maniqueísmo com que atua, neste caso, o governo do Distrito Federal (GDF). Mostra também a falsidade das suas supostas investigações, que procuram apresentar explicações simplistas sem se preocuparem em aproximar-se um pouco que seja da realidade. O GDF e os meios de comunicação procuram hoje construir personagens que possam linchar, em vez de olharem para a marginalização e para a desigualdade como a origem da situação atual. O meu caso, creio, desmascara a sua farsa: um médico que ainda acredita no humanismo, que faz teatro, que tenta ser consequente na clínica e na rua, é o radical perigoso que invocam quando tentam regular as manifestações públicas?

Como médico e como habitante desta terra entre o Bravo e o Suchiate, vejo com grande preocupação o rumo autoritário em que o país se encontra. Hoje tocou-me viver um exemplo, ainda que menor em comparação com os agredidos, os mortos e desaparecidos, deste autoritarismo que deixa clara a necessidade de, como sociedade, lhe pormos um fim.

Saúde e saudações!

Julio Pisanty Alatorre

agência de notícias anarquistas-ana

Entre as ruas, eu,
e em mim, eu em outras ruas,
sob a mesma noite.

Alexei Bueno