Palavras de um bakuninista sobre a situação atual

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por Marcos Paulo | 13/10/2018

Primeiro gostaria que quem se dispusesse a ler essa minha contribuição se atentasse a esses dois pontos do raciocínio de Bakunin que informam a minha exposição mais abaixo:

[CARTA DE BAKUNIN A NETCHAYEV, 1870]:

Isso me basta agora para demonstrar que nosso povo não é uma folha em branco em que qualquer associação secreta pode escrever o que ela bem entender, o programa comunista de você por exemplo. O povo elaborou, em parte consciente e quase tudo inconscientemente, seu próprio programa, que cada associação secreta deve conhecer, adivinhar, e ao qual terá que conformar-se se quiser vencer.

[TRECHO DO ARTIGO “A INTERNACIONAL E KARL MARX”, 1872, DISPONÍVEL EM PORTUGUÊS NA COLAGEM DE TRECHOS “A NECESSIDADE DE ORGANIZAÇÃO]

Só os indivíduos, e somente um pequeno número de indivíduos se deixa definir pela “idéia” abstrata e pura. Os milhões, as massas , não só no proletariado, mas também nas classes esclarecidas e privilegiadas, só se deixam arrastar pela força e pela lógica dos “fatos”, só compreendendo e encarando, a maior parte do tempo, os seus interesses imediatos e as suas paixões de momento, sempre mais ou menos cegas. Portanto, para interessar e para arrastar todo o proletariado na obra da Internacional, era preciso e é preciso aproximar-se dele não com idéias gerais e abstratas, mas com a compreensão real e viva dos seus males reais; e os seus males do dia a dia, ainda que apresentem um caráter geral para o pensador, e ainda que sejam na realidade efeitos particulares das causas gerais e permanentes, são infinitamente diversos, tomando uma multiplicidade de aspectos diferentes, produzidos por uma variedade de causas passageiras e reais. Tal é a realidade quotidiana destes males. Mas a massa do proletariado, que é forçada a viver sem pensar no dia de amanhã, agarra-se aos males de que sofre e dos quais é eternamente a vítima, precisa e exclusivamente nesta realidade, e nunca ou quase nunca na sua generalidade.

Então, para tomar o coração e conquistar a confiança,o consentimento, a adesão, a afluência do proletariado…, é preciso começar por lhe falar, não dos males gerais de todo o proletariado internacional, nem das causas gerais que lhe dão nascença, mas dos seus males particulares, quotidianos, privados. É preciso lhe falar de sua profissão e das condições do seu trabalho precisamente na localidade em que habita; da duração e da grande extensão do seu trabalho quotidiano, da insuficiência do seu salário, da maldade do seu patrão, da carestia dos víveres e da sua impossibilidade de nutrir e de instruir convenientemente a sua família. E lhe propondo meios para combater os seus males e para melhorar a sua posição, não é preciso lhe falar logo dos objetivos gerais e revolucionários que constituem neste momento o programa de ação da Associação Internacional dos Trabalhadores, tais como a abolição da propriedade individual hereditária e a instituição da propriedade coletiva; a abolição do direito jurídico e do Estado, e a sua substituição pela organização e federação livre das associações produtivas; provavelmente ele não compreenderia nada destes objetivos, e poderia mesmo acontecer que, estando influenciado pelas idéias religiosas, políticas e sociais que os governos e os padres procuraram inculcar-lhe, repelisse com desconfiança e cólera o propagandista imprudente que quisesse convertê-lo com esses argumentos. Não, primeiramente só é preciso propor-lhe objetivos que o seu bom senso natural e a sua experiência quotidiana não possam ignorar a utilidade, nem repeli-los.

Bem, aqui vão alguns apontamentos:

A) Combater o reacionarismo hoje diz respeito, também, a combater a influência danosa entre os trabalhadores da social-democracia. Essa influência domestica e subordina às lutas em função da disputa parlamentar.

Foi precisamente pela recusa desse modelo representativo-democrático, pelo fato de a experiência direta ter repetidamente mostrado sua completa ineficiência, que a nova direita pode assediar os setores dos trabalhadores e têm tentado fazer com que comprem suas ilusões.

B) Essa nova direita, nunca é demais dizer, soube compreender as circunstâncias do desenvolvimento da consciência de classe do proletariado brasileiro e explorar suas contradições ideológicas.

Primeiro, diferente da esquerda institucional, essa direita abraçou e disputou os sentidos da greve dos caminhoneiros. Sabendo identificar corretamente um sentimento anti-republicanista (absolutamente legítimo). Aproveitou disso pra passar a sua pauta de intervencionismo militar. Pauta essa que não contrariava esse ponto do programa formulado pela experiência no povo, porque não recorria ao velho recurso do apelo pela representação democrática (coisa que o povo já tá cansado).

Segundo, lança uma candidatura (no 17) que soube se enraizar por se pintar de antissistêmica, contra o poder e os privilégios dos setores vinculados ao Estado, e demonstrando um desprezo (muito verbal até então, mas que pode se traduzir em algo mais) pela institucionalidade e pela legalidade democrática.

C) Nesse quadro, quem nada contra a corrente da História, e é incapaz de apreender o sentido da experiência direta das últimas lutas por fora do modelo oficial social-democrata (especificamente de Junho e da greve dos caminhoneiros) é precisamente a esquerda institucional. O pessoal das universidades cuja instrução formal é possibilitada pelo trabalho daqueles pobres de direita que deveriam aprender as discussões sociais por osmose, e a quem xingam de fascistas.

A defensora da legalidade democrática e da institucionalidade é a esquerda reformista, veja bem, e não a direita reacionária. Acontece que para quem essas ferramentas nunca foram de valor, para o povo propriamente dito, democracia representativa e legalidade institucional são preciosismos. O povo não liga para esses valores, e nem deve. Pra disputar a consciência do povo é preciso saber subordinar o seu programa aquele por ele forjado na experiência, coisa que votar num candidato contra o fascismo está longe de fazer.

Apostar na velha porta carcomida esperando um novo caminho é, como diria Einstein, insanidade. E fazer isso esperando barrar o fascismo é a mais doce ilusão que a abstração acadêmica consegue nos vender. O reformismo, caso ganhe e consiga ser gestor de turno do Estado brasileiro, vai passar um programa anti-povo, caçar direitos e fortalecer o aparelho repressor, tal qual faria Bolsonaro, e vai usar a chantagem do fascismo, dizendo que precisa de governabilidade pra fazer o trabalho sujo, paralisar as lutas e não deixar Bolsonaro ganhar em 2022. Enquanto isso a nova direita saberá colocar a insatisfação popular a seu dispor, travando a disputa ideológica nos setores populares que a esquerda universitária até aqui se achou muito casta pra fazer.

Haddad ou Bolsonaro? Baygon ou SBP? Em quem quer que você vote o fascismo cresce se não existe alternativa real de combate à influência ideológica junto dos trabalhadores. A única via, desde sempre, foi construir uma referência de organização e luta por fora da social-democracia, que negue a premência da disputa do Estado. Aliás, que reconheça nessa disputa a ilusão que ela de fato é. E que caminhe para o rumo já apontado pelos trabalhadores marginalizados sem referência sindical: nós por nós. A tarefa agora é organizar um programa radical que consiga enraizamento de massas e saiba subordinar-se à experiência popular.

Simples? De maneira nenhuma. Mais imperativo. Fora disso, e qualquer coisa que não caminhe nesse sentido, sim, desonra a bandeira do antifascismo, inclusive puxar voto no PT.

D) Universidade é o terreno da abstração mesmo né? Galera morre na abstração mas não é capaz de cair pra vida real. Quem puxa voto pro Haddad, e não quem faz campanha contra a farsa eleitoral, é conivente com o crescimento do reacionarismo. Deixa de desonestidade!

E) Esse texto não foi direcionado especificamente aos anarquistas, mas a todos os trabalhadores. Mas fica aqui um palavra do meu mais absoluto desprezo ao anarcocirismo e anarcopetismo: se você se chama anarquista e agora capitulou pra fazer campanha pra candidato, toma vergonha e vai procurar outra brincadeira pra preencher seu tempo. Você não é, se algum dia foi, anarquista. A base social tem o direito de se embaraçar nas leituras e cair nesse desespero pró-petista que nada tem a contribuir para a luta real contra o fascismo. Os anarquistas, nunca.

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