[Grécia] Como as gangues neonazistas estão atacando as ocupações

por Katja Lihtenvalner

Escrito em janeiro de 2019

Na noite de 17 de setembro de 2013, o rapper grego Pavlos Fyssas (Killah P) e seus amigos estavam no café bar Korali, em Keratsini, subúrbio da região de Pireu em Atenas. Na TV passava uma partida de futebol. O local estava lotado. Logo, começou uma disputa verbal entre dois membros do grupo neo-Nazi Aurora Dourada 1 e amigos de Fyssas. Apenas uma hora depois, Fyssas seria assassinado do lado de fora do Korali, esfaqueado no coração por um membro da filial local do Aurora Dourada Giorgos Roupakias.

O assassinato de Fyssas, a época, foi amplamente condenado por todos os partidos políticos representados no parlamento, inclusive pelo Aurora Dourada. Nas primeiras horas que se seguiram o evento um porta-voz do Aurora Dourada, Ilias Kasidiaris, declarou que o partido não tinha nenhuma ligação com o incidente.

Nesse período, muitos partidos políticos de esquerda começaram a usar o assassinado de Fyssas e suas atividades antifascistas visando transformá-lo numa ferramenta política. A família de Fyssas respondeu com raiva, reclamando que ele não pertencia a nenhuma facção política. Seu pai, em uma entrevista para a televisão declarou claramente: “Meu filho não pertencia a lugar nenhum, eles estão equivocadamente politizando e explorando ele. Desde o primeiro dia nós declaramos isso: meu filho não pertence a lugar nenhum.”

O Primeiro Ministro – da direita conservadora – AntonisSamaras, que exibiu em seus discursos uma agressiva retórica anti-imigrantes, convocou uma reação. Ele declarou na TV nacional que ele iria “impedir que os descendentes dos nazistas envenenassem nossa vida social, atuassem de maneira criminosa, aterrorizassem e minassem as fundações do país que é o berço da democracia“.

Uma grande investigação criminal começou a partir do assassinato de Fyssas e todos os membros proeminentes do Aurora Dourada foram presos, incluindo o seu líder Nikos Michaloliakos.

O julgamento do Aurora Dourada

Em 20 de abril de 2015, o julgamento do Aurora Dourada começou na Corte de Apelações Criminais de Atenas e na ala feminina da prisão de Korydallos. Os 69 legisladores, membros e apoiadores do partido foram acusados de filiação e direção de organização criminosa entre outros crimes.

O julgamento permanece em andamento e em quase quatro anos mais de 300 audiências foram realizadas. O veredito deve ser proferido no final do corrente ano. Durante esse período, todos os membros presos do Aurora Dourada foram soltos após 18 meses na prisão e atualmente respondem o processo em liberdade, incluindo o assassino de Fyssas, Roupakias, que atualmente está em prisão domiciliar.

O julgamento do Aurora Dourada é o primeiro e mais importante julgamento de um partido político Nazista desde os julgamentos de Nuremberg2. O julgamento é centrado em quatro grandes denúncias: o assassinato de PavlosFyssas; o ataque a membros do Partido Comunista ligados a união sindical PAME (12/07/2013); um ataque à pescadores egípcios (12/06/2012) e filiação a organização criminosa.

Dentre outras acusações, promotores locais investigaram paralelamente ataques a centros sociais e ocupações anarquistas, duas em particular: o ataque ao centro anarquista Antipnoia em 30/06/2008 e o ataque ao centro social Synergeio em 10/06/2013.

No caso do ataque ao centro anarquista Antipnoia, dois membros do Aurora Dourada foram presos após o ataque com faca e em 2014 ambos foram condenados por tentativa de homicídio e posse ilegal de armas.

“Dez homens com capacetes pretos entraram no espaço onde acontecia uma aula de espanhol. Eles gritaram: “Saudações do Aurora Dourada, viadinhos. Nós vamos foder com vocês!“, conforme depoimento de uma das testemunhas no julgamento. A corte aplicou mais de 10 anos de prisão para cada um dos membros do Aurora Dourada. À parte desse processo, ambos os condenados estão entre os 69 que respondem por filiação à organização criminosa.

No caso do ataque ao centro social Synergeio, o julgamento segue em andamento. O caso é particularmente interessante, uma vez que dentre os membros da gangue neo-Nazi que participaram do ataque e destruição do notório espaço de esquerda, o fundador do Aurora Dourada, Nikos Michos, foi visto.

Ataques da nova extrema-direita

 

Desde o início do julgamento, há quase quatro anos atrás, membros do Aurora Dourada se distanciaram das suas identidades com o partido, incluindo uso de nome e símbolos. Não obstante, ataques contra imigrantes nas ruas, ataques à centros sociais, a ocupações e espaços autônomos não cessaram.

Novos grupos urbanos neo-Nazi emergiram ao longo desse período através de mobilização efetiva nas mídias sociais. O nome Aurora Dourada não é mais utilizado, mas investigações provaram que alguns deles tem conexão direta com o partido no passado e seguem as tendo no presente.

Três desses ataques, que levaram a prisões posteriores, foram particularmente significantes.

• Na manhã de 24 de agosto de 2016, a ocupação de refugiados Notara, em Atenas, foi atacada com um incêndio criminoso. O Notara foi uma das primeiras ocupações de imigrantes, iniciada em 2015. Na época o edifício abrigava 130 refugiados e sofreu danos perceptíveis, especialmente no primeiro andar. Os residentes do Notara perderam muitas roupas, colchões, brinquedos, livros, etc., mas ninguém se feriu durante o ataque. A resposta de grupos de solidariedade foi imensa e o Notara se recuperou em apenas alguns dias. Um grupo chamado ‘Radical Autonomous Fighters of National Socialism’ (Lutadores Autônomos Radicais do Nacional Socialismo) assumiu a responsabilidade do ataque em um vídeo de 15 minutos. O vídeo, com uma retórica anti-imigrante e islamofóbica, também envolveu o ataque em Notara.

• Durante uma passeata nacionalista na disputa pela nomeação da Macedônia em 21 de janeiro de 2018, em Tessalônica, um grupo de manifestantes de extrema-direita atacou com incêndio criminoso uma das mais antigas ocupações na Grécia: Libertatia. Alegadamente, dentre o grupo de homens vestidos de preto que atacaram a ocupação, estavam hooligans de futebol e membros de um grupo fascista local de Oraiokastro, Juventude Nacionalista de Tessalônica e o Combat 18 Hellas. A ocupação, há muito estabelecida, foi queimada e posta abaixo só tendo sido recuperada recentemente.

• Apenas um mês após o incêndio que destruiu a ocupação em Tessalônica, outro ataque ocorreu: em 25 de fevereiro, Favela, um centro social localizado na cidade portuária de Piraeus, ao Sul de Atenas, foi vandalizado por um grupo local de neo-Nazis. Cinco pessoas ficaram feridas durante o ataque. Favela não era uma ocupação e sim um centro social frequentado por pessoas de diferentes perfis de esquerda. Era um local importante, uma vez que se estabeleceu em uma área marcadamente pobre, com altos índices de desemprego e com forte apoio aos Nazis. Assim sendo, contava com apoio de diferentes grupos anarquistas, especialmente depois de ter sua parte externa atacada ou vandalizada três vezes em dois anos. Uma imensa mobilização foi convocada horas após o ataque e a resposta foi enorme de grupos de diferentes partes de Atenas.

O Estado rachou

 

Em janeiro do ano passado, a unidade anti-terrorista da polícia grega prendeu quatro pessoas, membros do grupo neo-fascista Appela (entre eles membros do Aurora Dourada). Eles foram acusados de organizar as ações de vandalismo no Favela em agosto de 2017.

Apenas dois meses depois, uma operação policial muito maior e mais notável foi conduzida: onze membros no grupo neo-Nazi Combat 18 Hellas4 foram presos. Membros do grupo (alegadamente operando a partir de 2010) assumiram a responsabilidade por mais de 15 ataques a ocupações e centros anarquistas nos últimos anos. Eles também atacaram memoriais judaicos e um monumento em homenagem a Pavlos Fyssas, que eles desfiguraram com suásticas.

A polícia encontrou e posteriormente publicou as aterradoras posses dos neo-Nazis presos: 22kg de nitrato de amônia, coquetéis molotovs, literatura e símbolos nazistas, facas, uma espada, soco inglês, bastões, butano e uma pequena quantidade de narcóticos.

Além dos ataques o grupo aterrorizou seus oponentes com vídeos onde aparecem com símbolos nazistas e frequentemente armados.

As prisões dos membros do Combat 18 Hellas foi a maior intervenção da polícia desde que os membros do Aurora Dourada foram presos. Relatórios policiais revelaram posteriormente que alguns membros mantinham relações próximas com os fachas do Aurora Douradamesmo sem o envolvimento do partido neo-Nazi na perseguição.

Atualmente, a maioria dos membros do Combat 18 Hellas respondem em liberdade.

Fonte: https://www.trespass.network/?p=1760&lang=en

Tradução > Space Monkey

>> Notas:

[1] O Aurora Dourada é um partido político neonazista fundado em 1993 por Nikolaos Michaloliakos. O nome Aurora Dourada é inspirado pela ordem ocultista criada na Inglaterra em 1888, a Ordem Hermética da Aurora Dourada.

[2] Os Julgamentos de Nuremberg foram uma série de tribunais militares conduzidos pelos Aliados no pós Segunda Guerra Mundial e ficaram conhecidos pelos processos contra notórios líderes políticos, militares e econômicos da Alemanha Nazista.

[3] A Frente Militante de Todos os Trabalhadores (PAME), foi fundada por sindicalistas em 1999 com o objetivo de coordenar o movimento sindical na Grécia. Apesar de contar com sindicalistas de diversas vertentes, a iniciativa partiu do Partido Comunista da Grécia.

[4] O grupo foi nomeado a partir do Combat 18, grupo neo-Nazi formado nos anos 90 na Grã-Bretanha a partir de membros do Partido Nacional Britânico e grupos da mesma orientação.

Conteúdos relacionados:

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2018/11/06/grecia-video-anarquistas-visitam-sede-do-partido-neonazista-aurora-dourada-em-aspropyrgos/

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2017/08/11/grecia-incendiada-a-moto-do-neonazi-que-tratou-de-ultrajar-a-memoria-de-pavlos-fyssas-no-julgamento-do-aurora-dourada/

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2017/03/31/grecia-atenas-ataque-a-sede-do-partido-neonazista-aurora-dourada/

agência de notícias anarquistas-ana

Leve brisa
aranha na bananeira
costura uma folha.

Rodrigo de Almeida Siqueira