[Espanha] Periódico “Contra Toda Nocividad” Nº1

ÍNDICE

– As Smartcities. O desenvolvimento e a estrutura da cidade como forma de dominação.

– Contra a engenharia genética e seu mundo: A reprodução artificial do ser humano.

– As renováveis não são a solução. Carta aberta axs companheirxs ecologistas.

– A Sociedade Smartphone.

– Nossos cérebros. Zonas para Defender.

EDITORIAL

Há pouco mais de três anos, planejamos “relançar” a luta contra o progresso e a tecnologia desde uma perspectiva anarquista. Depois de algum debate em que nos perguntamos a razão da pouca relevância da crítica anti-industrial no Estado espanhol e por que ela parece estar praticamente desaparecida (salvo honrosas exceções), depois de alguns momentos de pico durante o final do século passado e o início deste. Esses momentos foram propiciados pela tradução de alguns textos para o castelhano, como por exemplo, “A sociedade industrial e seu futuro”, ou alguns textos de Zerzan que colocaram o primitivismo e a crítica à civilização “na moda”. Também trabalhos nativos como os do coletivo galego “re-evolução”, o boletim de “Os amigos de Ludd” ou da revista “Livres e Selvagens” contribuíram para estender a crítica à organização técnica do mundo. Ao mesmo tempo, essas críticas foram acompanhadas de inúmeras ações, entre as quais vale destacar pela midiática e espetacular a sabotagem significou a paralisação durante meses da construção do reservatório de Itoiz (canal de Navarra) ou diversas ações contra o TAV (trem de alta velocidade). Este tipo de sabotagem das infraestruturas necessárias para o mundo tecno-industrial vinha ocorrendo desde os anos oitenta especialmente no País Basco. Foram alvo de vários ataques da indústria nuclear às empresas destrutoras do território.

Voltemos ao começo: nossa humilde proposta era colocar a crítica anti-industrial em cima da mesa. Nessa perspectiva, nasce o “I Encontro Contra o Sistema Tecno Industrial e seu Mundo”, de onde surgiram várias afinidades, debates e conversas interessantes. No ano seguinte, organizamos o segundo, de que também surgiram debates e colocamos na mesa temas dos quais praticamente não se falava nos círculos anarquistas. Como forma de difusão do Encontro surge o blog “Contra Toda Nocividad” que finalmente se manterá no tempo como meio de difusão das ideias contra o mundo industrial.

O imediatismo, a descontextualização, a percepção da realidade que o mundo virtual supõe, nos leva a transferir alguns artigos do blog para esse periódico, que tem em tuas mãos que pretende ser mais uma forma de difundir, criticar e afiar nossas ideias contra toda forma de dominação, de continuar a luta contra a sociedade tecno-científica-industrial.

Uma sociedade que se torna cada vez mais artificial, onde as tecnociências invadem cada momento de nossas vidas, administrando-as e redesenhando a natureza das relações com xs outrxs, com os objetos, com nossa própria identidade agora duplicada por “efígies virtuais”. Redefinindo nossa concepção do mundo que se torna virtual, determinando o espaço e o tempo e, finalmente, projetando a vida em seus laboratórios. Uma vida racionalizada, mecanizada e virtual, onde a liberdade e a autonomia, a vida, o intangível, não têm lugar. Uma sociedade onde a informatização, que faz do mundo um lugar cada vez mais virtual e mais plano, reduzindo as inúmeras dimensões da realidade a códigos criptografados, associados à capacidade de executar tarefas graças aos processadores, nos leva a ficar cada vez mais dependentes das máquinas.

Máquinas que mediam nossas vidas, que criam nossos desejos, simulam nossas experiências e modificam nossas percepções. Essas mediações foram generalizadas, ampliadas, multiplicadas de tal maneira que criaram um mundo tecnológico e artificial, criaram um meio onde a técnica prevalece. Deixamos de viver em um ambiente “natural”. Não vivemos mais em contato com a realidade do nosso ambiente, mas que o concebemos mediado pela tecnologia e pela ciência.

Esse mundo artificial liderado pela casta tecnocrata que tem a vontade de estabelecer uma administração mais precisa das populações, mapear eficientemente seus componentes e suas flutuações para transformar tudo em dados que otimizam e ampliam o controle que finalmente consegue racionalizar cada aspecto da vida. Uma vida cada vez mais robotizada, controlada por algoritmos, uma vida cada vez mais totalitária, onde vemos a capacidade do sistema de gerenciar uma grande quantidade de tarefas através de sistemas robóticos que atuam em nosso lugar. Com todos os seus dispositivos e todas suas mediações, acabam gerando pessoas cada vez mais dependentes, fazendo-nos perder habilidades cognitivas e perceptivas.

Dispositivos, como os “smartphones” que atomizam o indivíduo e o “desconectam” da realidade em que vive, que pouco a pouco confirmam o advento do corpo-interface que em breve será capaz de interpretar as expressões faciais e os desejos do usuário coletados nos milhares de dados deixados no dispositivo móvel, induzem um duplo regime de percepção, o que foi chamado de “realidade aumentada”.

Uma percepção diretamente apreendida de nossos sentidos e alimentada simultaneamente por muitos servidores. Chamemos de híbrido humano-máquina. Essa conversão digital de numerosos segmentos de nossa realidade, implantada em um ritmo que se intensifica constantemente, possibilitou a realização completa de uma revolução, ou seja, uma ampla redefinição de certas condições fundamentais da existência devido à virtualização do mundo e a convergências das tecnociências: informática, nanotecnologia, biotecnologia, inteligência artificial que reúnem as condições de uma interferência anunciada entre corpos orgânicos e artificiais. Criando uma humanidade hiperconectada, hipermóvel e hibridizada com sistemas computacionais/algorítmicos que orientam e decidem comportamentos individuais e coletivos que pouco a pouco se espalham por todos os campos da vida.

Essa configuração cria formas inéditas de vida e redefine as relações históricas com o espaço e o tempo, que são a base de nossa experiência. Nossas vidas ficam nas mãos desses artefatos individualizados que são equipamentos de organização, informação, memorização, de preparação para a decisão que substitui o humano em um grande número de suas atividades, decisões e percepções, enquanto dissolve todos os sentimentos históricos de desapropriação, em favor de uma convicção de um aumento da qualidade de vida, graças a artefatos superinformados e intuitivos, cuja função é nos guiar pelas sequências cada vez mais conectadas da cotidianidade.

A criação desses sistemas tecnológicos foi concebida como grandes processos automatizados capazes de administrar e gerenciar diferentes aspectos de nossas vidas. Trata-se de conformações invisíveis que expõem novas dinâmicas de regulação social, não mais estabelecidas sem princípios coercitivos, mas em uma “administração robótica” discreta e altamente racionalizada. Não podemos esquecer os protocolos implementados pela IBM, que tem a ambição de construir “um planeta mais inteligente”, reduzindo tudo a dados que devem ser analisados e processados o tempo todo para garantir, por meio de procedimentos robóticos, nossa “segurança” e “bem-estar”. Ou melhor, nosso controle e nossa dependência de seu mundo artificial.

Os bordões da multinacional IBM “cidades inteligentes”, “uma saúde inteligente”, “telecomunicações mais inteligentes” exploram a preocupação ecológica enquanto procuram produzir as equações mais racionalizadas entre os “recursos” disponíveis e sua distribuição, realizados sob uma configuração ideal de espaço temporal ininterrupto. Isso também tenta colocar o ser humano como um ser inepto para cumprir suas tarefas e ser marginalizado em suas faculdades de julgamento e decisão. Assim, no “mundo inteligente” e dos “Smartphones”, expressam o advento de uma vida administrada pela quantidade de artefatos externos que nos cercam.

Os algoritmos determinam cada vez mais as coisas em nossas vidas: o que comemos, para onde viajamos, com quem falamos, os preços dos produtos, nosso comportamento, os livros que lemos. Modelam o curso da vida de acordo com os interesses do sistema. A dissolução do corpo nos limbos digitais manifesta a vitória (final?) do cálculo sobre a vida orgânica. Expõe o triunfo da máquina sob o modelo de um super-homem de silício que submete a figura humana. Como dissemos, existe uma administração robótica de nossa existência: a assistência hiperindividualizada e geolocalizada dos smartphones, os sistemas de alta complexidade que garantem autonomamente o suprimento de água e eletricidade de cidades inteiras, os algoritmos que regulam nossas vidas são responsáveis pelo acoplamento entre inteligência artificial e humanidade e a “duplicação digital do mundo”.

Um mundo artificial onde o laboratório sai de suas quatro paredes e se estende a tudo vivo. Os corpos se fragmentam e comercializam. A ciência vê o ser humano e tudo vivo imperfeito, precisa moldá-lo e criá-lo à sua imagem e semelhança como uma boa herdeira de Deus. O progresso é a fé, ciência e religião. A convergência das diferentes tecnologias permite a criação da vida em laboratórios. Através de diferentes técnicas, é produzida a reprodução biotecnológica do ser humano: diagnóstico pré-implantação, a fecundação in vitro… O laboratório é transformado em uma fábrica de crianças, onde cientistas e técnicos projetam meninos e meninas ao gosto do comprador, neste caso dos pais e mães que marcam e decidem o futuro de seus filhos e filhas. Ou talvez através da modificação genética mediante a técnica do CPRis/9, para criar humanos à sua medida. Humanos imperfeitos, natureza imperfeita, é a visão da tecnocracia. E o imperfeito, o intangível, o selvagem, fogem do controle, por isso quer aprisionar tudo vivo, modificá-lo, comercializá-lo e artificializá-lo.

Talvez neste pequeno texto dê a sensação de que tudo está sob controle e que tudo está perdido, longe disso. Em todo o mundo existem resistências a este mundo artificial. Da natureza que cresce em lugares contaminados pela radioatividade àqueles que defendem as terras e suas formas de vida não mediadas pela tecnologia e pela ciência. Os habitantes da Amazônia, os habitantes da floresta de Hambach (Alemanha) ou o Vale de Susa (Itália). Aquelxs que negam uma vida delegada a dispositivos eletrônicos e computadorizados, e tantos outros. Aquelxs que anseiam e desejam a liberdade escapam de suas lógicas de controle e domínio.

Porque desejamos seu mundo livre e selvagem. Pela anarquia.

Vocês podem encontrar exemplares nos centros sociais e locais anarquistas. Se não encontrar, nos escreva: contratodanocividad@riseup.net

contratodanocividad.espivblogs.net

Tradução > keka

agência de notícias anarquistas-ana

podem tirar tudo da gente
menos a beleza
dessa lua crescente

Ricardo Silvestrin