Por Fernando Verdura | 24/03/2020
O quarto escuro | Ilustração Oswaldo Guayasamín – As mãos do protesto
I
Aqui ando no mar de entretenimento com o confinamento, tanto que nesta manhã retirei o bidê e instalei a lavadora de roupas em seu lugar, deixando uma lacuna na cozinha que me pergunto com o que preencher… O rádio envia mensagens de encorajamento, com o Presidente Pedro dizendo que o pior ainda está por vir, que nossa solidariedade é enorme e que “todos” vão vencer esta batalha. Vai por Deus. De repente, nos tornamos “todos solidários”. E a guerra continua. A Guerra, de Classes.
Porque vamos ver, vamos nos concentrar nos trabalhadores sanitários. Acontece que em 1997, com amplo consenso parlamentar, parece-me que apenas a Izquierda Unida disse que não, e a Lei 15/97 foi aprovada. Os 15/97, retenha o número, ao possibilitar novas formas de gestão do Sistema Nacional de Saúde, permitem a privatização da saúde. Privatizar a assistência médica, por meio de fundações, consórcios, acordos, unidades de gestão e outras fórmulas legais, implica transformar a assistência médica em um negócio através do qual acionistas e empreendedores ganhem muito, muito dinheiro. E a maneira como esses empreendedores precisam ganhar dinheiro é reduzir custos, manter os funcionários no mínimo, fazê-los trabalhar mais, por menos dinheiro. Essa estratégia foi intensificada com a crise da dívida que começou em 2008, enviou milhares de trabalhadores da saúde às ruas, parou de contratar muitos outros, reduziu ainda mais os salários e fez com que técnicos, licenciados e graduados especializados tivessem que emigrar para outros países. De Portugal à Noruega, nossos enfermeiros e médicos, cada um dos quais custou centenas de milhares de euros para treinar e cuidar de hospitais públicos e privados europeus. Então, eles estão chamando aposentados e voluntários para as fileiras, porque nosso povo migrou.
Agora temos uma epidemia. Pedro Sánchez diz que a Humanidade não estava preparada para esse desastre, apesar de termos recebido alertas anteriores preocupantes. A Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) nos visitou na China em 2003. É um coronavírus e, nesses 17 anos, não se conseguiu sintetizar uma vacina. Ebola, AIDS, doenças infecciosas vêm para nos dar sustos periódicos. Mas, enfim, o coronavírus nos pegou de cueca.
Agora eles nos dizem que precisamos ser solidários para nos livrar dessa peste, contê-la um pouco e não colapsar o Sistema Nacional de Saúde, que é quem está travando a batalha. E isso, amigos, é a Propaganda de Guerra. Propaganda dos poderosos na Guerra de Classes. E eu explico o porquê.
Como eu disse antes, nossos sanitaristas aos milhares tiveram que migrar, e aqueles que permaneceram, com contratos precários, os mais jovens e com mais de cinquenta anos de idade, em muitos casos, caem como insetos recém-fumigados. E, é claro, agora eles estão ligando das Centrais para os substitutos desempregados, e oferecem contratos de quinze dias ou um mês para aliviar o desastre: “ei, venha ao hospital que lhe damos um contrato na UTI para cobrir uma baixa pelo COVID”. Legal! Que grande oportunidade! Estou correndo para empurrar macas!
Ou seja, você viu claramente: eles não têm qualquer vergonha. Agora eles pedem a solidariedade de homens e mulheres, sanitaristas, caminhoneiros, controladores de tráfego aéreo, mecânicos da RENFE, armazenistas de supermercados, caixas, mecânicos, taxistas, estivadores, faxineiros, agricultores, funcionários de alimentos, eletricidade, água, gás e petróleo, resíduos, farmácia… Técnicos e trabalhadores, nacionais e imigrantes, homens e mulheres, muitos deles com baixos salários, são aqueles que nos impedem de morrer de fome e doença.
Mas a solidariedade é algo que ocorre entre iguais. E por acaso somos iguais? Eles não estão brincando conosco sobre ser solidários? É o mesmo estar confinado em um palácio, uma mansão ou um iate do que em um apartamento de cinquenta metros e seis pessoas? Um milionário, que testa até animais de estimação, é o mesmo que um velho de uma residência que só os notou quando começou a morrer como moscas?
II
Mas serei positivo. Sejamos solidários, começando com eles. Todos aqueles bilionários que têm seu dinheiro em paraísos fiscais, que iniciem a solidariedade. Que paguem o salário não obtido a todos aqueles que não foram contratados pelo cancelamento de eventos, casamentos, shows, batismos, congressos, competições, concursos, festas, exposições e outras pequenas coisas. Que paguem salários em condições a todos os milhões de trabalhadores que perdem seus empregos atualmente em Hotelaria, Metal, Construção, Serviços, etc. Que, em vez de pedir solidariedade, a deem os que têm mais condições para tal.
É bom fazer-nos de idiotas, e nos dizer que é uma guerra, mas é uma Guerra de Classes, uma guerra que os ricos e poderosos estão fazendo contra os pobres. Por exemplo: Pedro Sánchez e Pablo Iglesias, com seu governo progressista, e os respectivos presidentes de direita nos dizem que se proclama uma moratória sobre aluguéis, esgoto e pagamento de contas de eletricidade, água e gás. Em outras palavras, quem não pode pagar agora não precisa se preocupar agora: pagará mais tarde. É isso que os bancos solidários, locatários e empresas multinacionais de energia e telecomunicações dão em solidariedade: nada. Por exemplo, somos informados de que estamos enfrentando um mercado muito complicado no momento, quando se trata de comprar máscaras, vestidos, luvas, desinfetantes… Pela simples razão dos fabricantes estarem aumentando os preços em alta velocidade. É o que chamam de Livre Mercado e é o que os empresários da UE dão: ganância. Por exemplo, há os empregadores de tudo o que foi fechado, pedindo “ajuda”, isto é, subsídios ao Estado que, é claro, disse que lhes dará com parcelas de centenas de bilhões da dívida pública que entregarão aos bancos, para que emprestem a quem quiserem e com o juro que lhes parecer conveniente. E quem vai acabar pagando essa dívida? Obviamente, trabalhadores, já que sem trabalho, não há benefício.
Bem, precisa-se aprender com a experiência: a próxima greve que ocorrerá, quando os socialistas falarem que é abusiva e que os controladores, os portuários ou os padeiros, ou os diaristas andaluzes, são pessoas privilegiadas que incomodam com as interrupções do trabalho, eles podem ser lembrados de que em março de 2020 o capitalismo parou… E a vida continuou.
Trabalhadores, aprendam que aqueles que sustentam o mundo nos ombros somos nós. Podemos passar meses sem governantes, sem políticos, sem padres e sem milionários… e nem uma hora sem comida.
Por esse motivo, me ocorre que, à merda com as moratórias, se cobrarem, não pague. Junte-se a seus iguais, organize-se no sindicato, onde é exercida a verdadeira solidariedade, entre companheiros e companheiras. Essa é a nossa vantagem, aquela que nos dará a vitória na Guerra de Classes: somos imprescindíveis. Talvez sem salário e sem emprego, mas organizados e sem medo!
Fonte: https://www.cnt.es/noticias/esto-es-una-guerra-de-clases/
Tradução > Liberto
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agência de notícias anarquistas-ana
mar não tem desenho
o vento não deixa
o tamanho…
Guimarães Rosa
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!