[Portugal] A terra não é de quem a trabalha, mas sim de quem a ama

Por Emília Cerqueira

“O homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta” / “Se me quiserem achar Procurem-me nas palavras. Normalmente é onde me encontro, Onde passo o tempo a namorá-las.” – Agostinho da Silva

A palavra “trabalho” tem a sua origem no vocábulo latino “Tripallium” – denominação de um instrumento de tortura formado por três (tri) paus (pallium). Desse modo, originalmente, “trabalhar” significa ser torturado no tripallium. Quem eram os torturados? Os escravos e os pobres que não podiam pagar os impostos. Assim, quem “trabalhava”, naquele tempo, eram as pessoas destituídas de posses. A partir daí, essa ideia de trabalhar como ser torturado passou a dar entendimento não só ao fato de tortura em si, mas também, por extensão, às atividades físicas produtivas realizadas pelos trabalhadores em geral: camponeses, artesãos, agricultores, pedreiros etc. Tal sentido foi de uso comum na Antiguidade e, com esse significado, atravessou quase toda a Idade Média. No século XIV começou a ter o sentido genérico de “aplicação das forças e faculdades (talentos, habilidades) humanas para alcançar um determinado fim”.

A partir da “revolução industrial” intensificou-se a tortura, massificou-se o conceito e por fim endeusou-se a palavra “TRABALHO”: a venda da única mercadoria que tem o ser humano (Karl Marx). Em 1999 surge, dum grupo dissidente e crítico do marxismo, o Grupo Krisis, o “manifesto contra o trabalho” – a ditadura do trabalho cinde o indivíduo humano, separa o sujeito econômico do cidadão num contexto social em que um poder estranho subjuga os homens e as mulheres do nosso tempo.

Mas um anarquista oriundo dos EUA, Bob Black, veio desmontar esta palavra no seu livro “Abolição do trabalho”:

“A hierarquia e a disciplina no escritório ou na fábrica é idêntica àquela que encontramos na prisão ou num convento. Na verdade, como Foucault e outros mostraram, prisões e fábricas nasceram ao mesmo tempo e os seus membros imitam conscientemente as técnicas de controle um do outro. Um trabalhador é um escravo temporal. O patrão determina as horas a que tens de entrar, quando é que tens de sair e o que tens de fazer durante esse espaço de tempo. Ele decide a quantidade de trabalho que tens de fazer e a rapidez em que o realizas. Ele é livre para te controlar, até para te humilhar, guiar e se ele achar necessário, escolhe a roupa que deves vestir ou quantas vezes poderás ir à casa de banho [banheiro]. Com algumas exceções, pode despedir-te com ou sem causa alguma. Ele tem os seus espiões e supervisores em cima de ti e possui um processo de cada trabalhador. E, se o trabalhador comete um ato de “insubordinação”, como se ele fosse uma criança má, não só o despede, como também o desqualifica para futuros empregos. É claro que as crianças recebem o mesmo tipo de tratamento em casa e na escola, justificado pela sua imaturidade.”

“O que dirão estas crianças sobre os seus pais e os professores que trabalham?

A maioria das mulheres e dos homens têm que estar acordados durante décadas das suas breves vidas para conquistarem os seus “salários-marmitas”. Não é ilusório denominar o nosso sistema de democracia, capitalismo ou melhor ainda de industrialismo, mas o seu verdadeiro nome é fascismo fábrica e oligarquia de ofício. Quem afirmar que estas pessoas são livres está a mentir ou é estúpido. Tu és aquilo que fazes. Se fazes coisas chatas, estúpidas ou monótonas, acabarás chato, estúpido e monótono. A existente rastejante “cretinização” é revelada pelo trabalho mais do que, inclusive, pelo triste mecanismo da televisão e da educação. Um povo que se encontra arregimentado, habilitado para o trabalho pela escola, colocado entre parêntesis pela família e finalmente no lar para a terceira idade, está habituado à hierarquia e psicologicamente escravizado. As suas aptidões à autonomia encontram-se tão atrofiadas que tem medo do que possa significar a liberdade. Cada membro desse povo transporta para dentro da família a sua treinada obediência no trabalho iniciando, deste modo, a reprodução do sistema em diferentes caminhos: políticos, culturais e outros.

Uma vez esvaziada no trabalho a vitalidade do povo, os indivíduos ficam aptos para se submeterem em todas as coisas à hierarquia e ao saber dos peritos. Uma vez submetidos, as pessoas estão prontas a serem usadas.”

Aqui chegados, que tal se riscássemos a “célebre” frase: “A terra é de quem a trabalha” , surgindo “A Terra é de quem a ama”?

agência de notícias anarquistas-ana

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Rogério Martins