[Reino Unido] Entrevista: Comunidade radical em Aberdeen

Para marcar o aniversário de um ano do surgimento de um centro social radical em Granite City, Rob Ray conversa com o coletivo organizador sobre suas experiências, sonhos – e conselhos para grupos que buscam criar novos espaços.

Nota: Este artigo foi escrito antes da Covid-19 se tornar um problema. Como acontece com todos os outros espaços radicais, atualmente as atividades estão suspensas.

Você poderia dizer um pouco sobre como vocês começaram a organização?

A demanda por um centro social em Aberdeen tem sido muito sentida há muitos anos e, no passado, houve projetos que delineavam a natureza e o propósito de um centro social na cidade. Em 2018, um grupo de ativistas procurou o Conselho Sindical de Aberdeen (Aberdeen Trades Union Council – ATUC) para alugar um espaço em seu prédio.

O primeiro passo foi fazer um acordo com a ATUC sobre os termos do aluguel e elaborar uma constituição. Uma vez resolvido este assunto, fizemos uma chamada aberta convidando grupos e indivíduos a participarem de nossa primeira reunião organizacional, e após uma série dessas reuniões chegamos a uma declaração coletiva de “Princípios e Valores” como uma estrutura para nos ajudar a administrar o centro. Os primeiros grupos de ativistas locais e indivíduos com idéias semelhantes começaram a se filiar logo em seguida.

Vocês trabalham numa base não hierárquica, o que isso implica e como você acha que sua abordagem evoluiu ao longo do último ano?

Aberdeen tem um cenário relativamente pequeno, mas vibrante, de atividade popular, e os indivíduos que compõem o “grupo base” do centro vêm de origens políticas relativamente diferentes. Trabalhar numa base não hierárquica foi e ainda é uma das coisas que nos une e, honestamente, pareceu a atitude de consenso quando começamos, já que a horizontalidade está no cerne de toda iniciativa auto-organizada. Na prática, isso significa que os membros se reúnem como iguais e tomam decisões coletivamente. Não há patrões, líderes ou “especialistas”.

Procuramos sempre ter a mente aberta e promover uma cultura de solidariedade e escuta ativa entre nós na organização de eventos, delegação de funções, etc. Procuramos também ter uma abordagem interseccional para orientar a tomada de decisões e estamos atentos às diferentes formas de hierarquia, especificamente dentro de espaços auto-organizados.

É claro que trabalhar numa base não hierárquica foi e ainda é uma experiência de aprendizagem e estamos longe de ter todas as respostas. No momento, o “grupo central” é bastante pequeno, portanto, tomar decisões é relativamente fácil. Um desafio para nós é tentar envolver no processo de tomada de decisão o maior número possível de nossos grupos afiliados. Estamos trabalhando ativamente para esse objetivo e isso certamente nos ajudou a evoluir nossa abordagem ao longo do último ano.

Quanto mais pessoas entram, mais fácil se torna colocar de lado e esquecer as relações de poder e hierarquia, de modo que, como grupo, tentamos usar nossos esforços para expandir o centro como uma oportunidade para refletir sobre nossa abordagem não-hierárquica, comunicá-la efetivamente e desenvolvê-la ainda mais.

Quais foram seus momentos e atividades favoritos desde que vocês abriram?

As reuniões anteriores ao lançamento oficial do centro estão definitivamente entre nossos momentos favoritos. Foram encontros muito emocionantes, animados e diversificados e os consideramos os alicerces do centro. Também adoramos os cafés radicais abertos que fazemos de vez em quando, pois esta é uma grande oportunidade para falar de política e fazer divulgação em um ambiente descontraído!

Outro destaque são definitivamente os eventos que co-organizamos com um de nossos grupos afiliados (Aberdeen Anarchist Group), incluindo convidar duas cooperativas locais para falar sobre como eles administram seus espaços; convidar um camarada que deixou a Escócia em 2016 para lutar ao lado do YPG em Rojava; e ter o D. Hunter para falar sobre seu livro Chav Solidarity.

Finalmente, estabelecer nossa livraria radical com livros e panfletos para as pessoas comprarem é certamente um momento empolgante.

Que tipo de condições em Aberdeen você acha que são particulares para a cidade? Geograficamente vocês estão relativamente isolados, vocês acham que isso ajuda em termos de incentivar a cooperação da esquerda local?

De fato, Aberdeen é um pouco isolada, o que tem seus altos e baixos. É mais difícil se conectar com outros centros e grupos sociais e aprender com eles, mas ao mesmo tempo há um grande senso de solidariedade entre os ativistas, e provavelmente não temos as mesmas barreiras que se formaram na esquerda em algumas cidades.

A Aberdeen construiu uma reputação de ser um lugar pouco progressista, em grande parte devido ao papel significativo da indústria de petróleo e gás na região.

Devido à sua localização, e por ter uma grande população universitária, há uma sensação de população bastante transitória, dificultando, portanto, às vezes, a sustentação de grupos e movimentos ativistas. Apesar de sua reputação, é uma cidade com uma rica herança de política progressista e de protesto, por exemplo, em torno do envolvimento na Guerra Civil Espanhola e no desafio ao fascismo local. Vemos um dos papéis do centro como sendo o de reivindicar essa vantagem radical para a cidade e inspirar uma nova geração de ativistas.

Você poderia nos dizer um pouco sobre os grupos e campanhas organizadas na cidade atualmente?

Em termos de campanhas contínuas, pensamos que a campanha pela justiça climática e a campanha de solidariedade palestina são, no momento, bastante grandes em Aberdeen e, claro, no Reino Unido e globalmente. Essas campanhas têm reunido pessoas de diferentes formações políticas.

Quanto aos grupos organizados que são afiliados ao centro, é justo dizer que temos um cenário político relativamente pequeno, mas muito ativo, que promove diferentes agendas políticas que em ocasiões se sobrepõem umas às outras. Alguns dos grupos que escolheram se filiar a nós trabalham na promoção do veganismo, da justiça ambiental, do desarmamento nuclear ou da sabotagem à caça; alguns se concentram no anarquismo e no anarcossindicalismo; e outros são grupos de solidariedade palestina, de socialistas ou de independência escocesa. Como dissemos, essas agendas freqüentemente se cruzam e muitas vezes nossos grupos filiados trabalham juntos para apoiar certas causas. Dê uma olhada na nossa página do Facebook para uma lista detalhada de todos os nossos grupos filiados.

Que tipo de ambições vocês têm para o centro nos próximos anos?

O primeiro ano foi sobre a criação do centro. Tem sido um sucesso retumbante, ainda mais se considerarmos que foi alcançado apenas pelo auto-financiamento da comunidade ativista local. Os anos seguintes serão dedicados a desenvolver o centro e torná-lo sustentável. Nosso objetivo é construir as instalações que temos e os serviços que podemos prestar, permitindo que o centro seja promovido mais amplamente a outros grupos ativistas, ao público em geral e a outras organizações afins, bem como garantir que os grupos existentes mantenham suas filiações.

Queremos também criar um Pólo de Informação que possa servir como uma biblioteca de referência radical e um espaço para grupos ativistas exibirem sua própria literatura. Finalmente, pretendemos fortalecer nossos laços com outros centros sociais na Escócia e no Reino Unido. Queremos convidar palestrantes desses grupos para Aberdeen, e que alguns de nós visitem os seus espaços. Isto proporcionará ao centro o maior conhecimento possível sobre a construção da sustentabilidade, ideias para o alcance e o desenvolvimento de uma rede de resistência.

Que dicas você daria a grupos que pretendem montar seu próprio espaço?

Essa é uma pergunta difícil e não há respostas fáceis! Acreditamos que trabalhar ao lado de camaradas em quem você pode contar é fundamental para a criação de um centro social.

Rotacionar tarefas também é vital, pois haverá muitas delas e compartilhar o trabalho promove ativamente a ajuda mútua e evita que as pessoas experimentem exaustão. Também é fundamental que os valores coletivos sejam claros e estabeleçam as bases ideológicas do centro social.

Refletir é muito importante, pois todos nós temos áreas da nossa política que precisamos desenvolver e ninguém tem todas as respostas. É claro que um planejamento cuidadoso é de grande importância, dado que uma questão importante que a maioria dos centros sociais no Reino Unido (incluindo nós mesmos) enfrenta é o financiamento.

Há algumas maneiras de resolver o problema de financiamento, vale a pena pesquisar um pouco e fazer a ponte com outros centros sociais para buscar conselhos. Finalmente, sejam pacientes e se armem de paixão e entusiasmo – é essencial.

>> Para acompanhar as atividades em Aberdeen, confira a página no Facebook, envie um e-mail para (aberdeensocialcentre (at) riseup.net) ou para outros centros em todo o país entre em socialcentrenetwork.weebly.com.

Este artigo foi escrito para a edição de Inverno 2019/20 do Jornal Freedom.

Fonte: https://freedomnews.org.uk/interview-radical-community-in-aberdeen/

Tradução > Otchobi

agência de notícias anarquistas-ana

Gripe forte? Não!
Apenas adormeci
entre espirradeiras.

Leila Míccolis