A luta antifascista grega está longe de terminar

O veredicto histórico de quarta-feira (07/10) marcou o fim do Aurora Dourada, mas as ideologias não morrem com as organizações políticas que as representam.

Por Marianna Karakoulaki | 10/10/2020

“Aurora Dourada é uma organização criminosa”, declarou um locutor desde o topo do Tribunal da Relação em Atenas na quarta-feira, tornando público o veredicto histórico no maior julgamento de fascistas declarados desde Nuremberg. Milhares de manifestantes antifascistas que se reuniram do lado de fora do tribunal explodiram em gritos, abraçando-se uns aos outros em comemoração de uma decisão que esperavam há mais de cinco anos. O clima, no entanto, azedou rapidamente quando a polícia lançou gás lacrimogêneo e usou canhões de água para dispersar a multidão.

A brutal resposta policial que se seguiu ao veredito foi um indicativo de que a luta antifascista na Grécia ainda está longe de terminar. Sim, os líderes do partido neonazista grego, que aterrorizou o país durante anos, estarão atrás das grades. Sim, o nome do partido será apagado da cena política grega. Mas a sua ideologia perigosa, divisionista e frequentemente mortal ainda está bem enraizada na sociedade grega.

O Aurora Dourada nasceu das cinzas da junta militar grega (1967-1974) no início dos anos 80. O líder fundador do partido, Nikolaos Michaloliakos, um negador do Holocausto e admirador de Hitler, criou um culto à personalidade e encantou aqueles que se inclinavam para a extrema direita e sentiam que as suas opiniões não eram representadas pelos partidos políticos gregos, prometendo fazer as suas vozes serem ouvidas. As suas palavras eram a lei para os membros do partido.

Depois de aumentar silenciosamente a sua base de membros durante anos, o Aurora Dourada foi reconhecido como um partido político em 1993. A elite política grega e a mídia, vendo o partido como uma caricatura condenada a permanecer à margem da extrema direita da política grega, recusaram-se a levá-lo a sério. No entanto, os membros do partido treinaram como um exército durante anos e continuaram a expandir o seu alcance. Durante o dia, organizavam redes de distribuição de alimentos e eventos de doação de sangue – claro, apenas para as pessoas de “etnia grega”. À noite, eles aterrorizaram bairros subdesenvolvidos de Atenas, atacando todos aqueles que não se encaixavam nos seus ideais racistas.

A devastadora crise econômica da Grécia foi o que finalmente permitiu que eles ganhassem apoio público suficiente para se tornarem parte da política dominante. À medida que a devastação econômica desacreditava os partidos tradicionais da Grécia, eles usaram a crescente raiva pública contra as elites políticas para garantir 18 em 300 cadeiras no parlamento nas eleições de junho de 2012.

Depois de entrar no parlamento, eles tentaram esconder as suas raízes neonazis, apresentando-se não como racistas violentos, mas como patriotas gregos. Eles criaram uma narrativa em que eram verdadeiros patriotas, dispostos a dar as suas vidas pela pátria e enfrentar aqueles que “arruinaram” o país com as suas visões pró-UE, esquerdistas ou liberais. Eles apresentaram-se como nacionalistas cristãos brancos que farão tudo para proteger o povo grego e a cultura grega de influências externas.

No entanto, apesar destas tentativas de reformular a sua imagem, eles nunca tentaram esconder o seu ódio por alguém que não se encaixasse na sua definição de um “grego ideal”. Eles continuaram com os seus ataques às e aos migrantes, que eles acreditam não pertencerem à Grécia, e aos esquerdistas que acusaram de “não amarem o seu país o suficiente”.

Na verdade, o sucesso eleitoral do Aurora Dourada, que o tornou o terceiro partido mais forte do país, encorajou os seus membros a desencadear ainda mais violência contra os chamados “inimigos da Grécia”. No final das contas, milhares de gregos, ao votar a favor do Aurora Dourada, legitimaram a meta declarada do partido de livrar o país de todos os povos não gregos e das ideias “não patrióticas”.

Poucos meses depois da eleição, a 17 de janeiro de 2013, dois membros do Aurora Dourada mataram Sahzat Lukman, um migrante paquistanês, a caminho do trabalho. Nove meses depois, o rapper antifascista Pavlos Fyssas foi assassinado. A sua morte deu início a uma longa investigação, que levou ao início do Julgamento do Aurora Dourada em 2015.

A mídia grega inicialmente tentou retratar a morte de Fyssas como resultado de uma luta entre hooligans do futebol. Mas o movimento antifascista grego recusou-se a permitir que isso acontecesse. Por meio da hashtag #antireport no Twitter, assim como noutras plataformas online, eles contaram a verdadeira história – Pavlos Fyssas foi morto pelo Aurora Dourada. Organizaram protestos, campanhas e eventos diariamente até o dia em que as autoridades prenderam a liderança do partido neonazista.

Assim que as suas atividades criminosas se tornaram públicas, o Aurora Dourada perdeu poder político e apoiadores. Os que afirmavam proteger os gregos dos estrangeiros mataram um grego – embora fosse um grego antifascista. De repente, os apoiadores do grupo perceberam que seriam estigmatizados se continuassem filiados a um violento partido fascista. O Aurora Dourada não representava mais o ideal grego. Eles eram criminosos. O Aurora Dourada não existia mais.

As ideologias, no entanto, não morrem com as organizações políticas que as representam. Frequentemente, encontram-se em outras fachadas.

Isso é exatamente o que aconteceu na Grécia. Após a queda do Aurora Dourada em desgraça, outros grupos seguindo ideologias fascistas surgiram – grupos que prometiam proteger o país da “invasão dos refugiados”, grupos que alegaram que se vingariam da Macedônia, grupos que disseram estar trabalhando para manter a Grécia como a pátria dos gregos e de mais ninguém. Abstiveram-se de usar o nome “Aurora Dourada”, embora muitos dos seus membros fossem ex-membros ou apoiadores do partido. Enquanto isso, alguns membros proeminentes do partido político desgraçado, incluindo o capanga de Michaloliakos, Ilias Kasidiaris, formaram novos partidos políticos. E, talvez o mais alarmante, apesar dos líderes do Aurora Dourada serem rotulados de criminosos e assassinos, a retórica do Aurora Dourada foi adotada por muitos na elite política e da mídia grega. As posições ideológicas que tornaram o Aurora Dourada atraente para uma grande parte do público grego – a sua retórica anti-imigração, chauvinismo, islamofobia e racismo – tornaram-se o novo padrão no país.

Portanto, o veredicto de quarta-feira pode ser o prego final no caixão do Aurora Dourada, mas a ideologia que uma vez permitiu ao partido entrar no Parlamento ainda está bem enraizada na sociedade grega. O fascismo grego representado pelo partido ainda pode chegar ao parlamento sob diferentes bandeiras e por meio de outros membros “patrióticos” do parlamento.

Se quisermos aprender uma lição da curta história do Aurora Dourada, é esta: O fascismo será derrotado não em tribunais ou parlamentos, mas nas ruas. O Aurora Dourada foi derrubado graças aos esforços implacáveis do movimento antifascista grego – eles expuseram os crimes do partido, a sua ideologia e natureza violenta quando todos os outros escolheram desviar o olhar.

As decisões judiciais, por mais importantes que sejam, podem eliminar partidos e grupos políticos, mas não podem eliminar ideologias. Se a Grécia quiser se livrar completamente do fascismo um dia, será por meio da luta justa dos e das antifascistas gregas.

O movimento antifascista grego, apesar da sua criminalização pela mídia grega e por certas elites políticas, nunca parou a luta. Foram e continuarão a ser, a primeira linha de defesa contra o fascismo e os maiores apoiadores de refugiados, migrantes e trabalhadores no país.

O Aurora Dourada pode não existir mais, mas a luta antifascista grega continua.

Fonte: aljazeera.com/opinions/2020/10/10/the-greek-anti-fascist-struggle-is-far-from-over/

Tradução > Ananás

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Alice Ruiz