[Espanha] O Agite do povo trabalhador: crônica do debate anarquista/anticapitalista sobre os protestos atuais na Colômbia (Palomar-Barna)

20 de maio de 2021

1) Crônica-resumo dos protestos e seu contexto social e histórico

Na última segunda-feira, 17 de maio de 2021, às 19:00 horas, foi realizado um debate online no Ateneu Libertário de Palomar (llenguadoc, 25) por camaradas do coletivo anarquista colombiano El Agite sobre os fortes protestos, e consequente repressão estatal, que estão ocorrendo ultimamente neste país latino-americano (do qual, a propósito, indicaram que seu núcleo mais insurrecional está na cidade de Cali). Os compas quiseram enfatizar, desde o início, que a Colômbia é um país que sempre esteve em guerra desde sua própria fundação. A longa sombra do líder da ultra-direita, Álvaro Uribe Vélez, ligado ao paramilitarismo, estende-se até os dias atuais com seu controle indireto do governo atual. Na Colômbia, vale notar, em relação ao acima exposto, que a oligarquia local nunca teve a necessidade de recorrer à ditadura aberta e, consequentemente, a direita sempre governou, mesmo com sua fachada de democracia tingida com o sangue dos camponeses e trabalhadores.

Em relação a isso, ele lembrou, no passado, o extermínio sistemático dos militantes do partido esquerdista Unión Patriótica, que constitui um dos mais terríveis atos de repressão da história do país. Atualmente, as autoridades gostam de ligar os manifestantes aos dissidentes das F.A.R.C. (setores das antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, agora desmobilizadas, também conhecidas como a Nueva Marquetalia), embora, hoje, os manifestantes demonstrem níveis significativos de autonomia política, e até mesmo uma rejeição manifesta, com respeito às organizações da esquerda tradicional. Tudo isso em um cenário de militarização do país para enfrentar os crescentes protestos, o que não é novidade na Colômbia. Eles também apontaram o perdão do governo aos paramilitares, no passado, e suas ações, no presente, lançando chumbo sobre os manifestantes com total impunidade.

Os camaradas do Agite mostraram um vídeo do bairro de Puerto Resistencia em Cali, que está atualmente ocupado pelos manifestantes. Quiseram assinalar que existe um forte movimento sindical no país, mas que quase não resta memória na classe trabalhadora do anarco-sindicalismo histórico (atualmente, porém, existe o Sindicato Estudantil e Trabalhista Libertário: seção colombiana da Associação Internacional de Trabalhadores e, portanto, irmanada com a CNT-AIT da Espanha). Algumas das medidas draconianas de ajuste econômico que o governo está impondo e que motivaram a explosão social que comentaram são: o aumento do I.V.A (imposto sobre valor agregado) de 8% para 16% e o aumento da idade de aposentadoria. Na verdade, se não fosse a situação gerada pela crise da COVID, teria havido uma Greve Nacional mais cedo.

Eles também ressaltaram que o atual governo ignorou o Acordo de Paz com a guerrilha e que vários de seus membros estão ligados ao Cartel de Medellín e ao traficante de drogas Pablo Escobar, que morreu em 1993. Em relação a isto, eles apontaram que mais de 100 líderes sociais foram assassinados desde a assinatura do acordo. Além disso, eles ressaltaram que, atualmente, existem alianças entre guerrilheiros das F.A.R.C. e do Exército de Libertação Nacional (E.L.N.) e paramilitares para o simples controle do território e do tráfico de drogas, o que significa que o eixo direita-esquerda nas ações dos grupos armados está se tornando cada vez mais difuso. Eles apontaram a declaração do E.L.N. contra o governo em 12 de maio deste ano, acusando-o de não querer dialogar com as pessoas que estão nas ruas.

Em relação a isto, há diferentes setores da população que protestam, tais como estudantes, camponeses, taxistas e caminhoneiros. Os números da repressão, que recolhemos o melhor que pudemos de sua apresentação, são: 50 mortos, 568 feridos, 37 pessoas com lesões oculares, 1470 detenções arbitrárias, 21 casos de abuso sexual (uma garota cometeu suicídio por causa disso, o que levou a fortes motins e intervenção do exército) e 524 desaparecidos. Neste contexto, disseram eles, os direitos constitucionais existem apenas no papel.

2) Os camaradas do Agite expressam sua opinião anarquista sobre a situação atual

Em primeiro lugar, quiseram deixar claro que apoiam o movimento insurrecional que tem autonomia, destacando os jovens sem recursos ou serviços básicos que estão mostrando seu rosto na Primeira Linha em sua luta contra o Esquadrão Móvel Anti-distúrbios (ESMAD): uma força policial com reputação infame por sua sistemática violação dos direitos humanos e que possui armamento e equipamentos superiores ao que é normal neste tipo de unidade em outros países do mundo. Neste sentido, eles quiseram enfatizar que não existe um protagonismo especial do movimento estudantil ou operário, digamos oficial. Eles quiseram apontar uma crítica, que lhes pareceu importante, em relação ao fraco internacionalismo presente nos protestos, que eles relacionam com o fato de a Colômbia ser um país muito fechado em si mesmo. Assim, eles expressaram seu desacordo com a profusão de bandeiras nacionais nos protestos, pois consideram o patriotismo como algo perigoso.

3) Algumas intervenções dos participantes e respostas do Agite

Um participante perguntou se a classe política está tentando salvar o Estado como no Chile com a proposta de uma nova Constituição. Um dos participantes do Agite respondeu que há alguns líderes políticos que estão sinalizando o progressismo (como um ex-membro da guerrilha urbana M-19) defendendo a aplicação prática dos valores constitucionais porque, ao contrário do Chile, o discurso político está mais focado em torná-lo efetivo do que em reformar o próprio texto, uma vez que é considerado de caráter avançado. Outra questão consistia em saber como o Agite está posicionado como um grupo anarquista em uma mobilização tão ampla. Aqui eles responderam, mas não antes de lembrar que Álvaro Uribe estava encorajando ataques armados contra os manifestantes com suas proclamações de legítima defesa da propriedade privada, explicando que estavam participando da agitação, com grafites ou murais.

Eles também fazem propaganda anarquista e tentam difundir a ideia de que os políticos progressistas não farão mudanças profundas se chegarem ao poder. No nível das ruas, já foi mencionado que eles apoiam os jovens da Primera Línea e iniciativas autônomas de protesto, como a Minga indígena. Eles se consideram, com sua especificidade libertária, parte de um movimento de protesto que está levando parte da população conservadora a começar a questionar o discurso do governo de que os manifestantes são cripto-guerrilheiros Castro-Chavistas e os veem como pessoas que lutam por necessidades reais e urgentes. O descrédito da mídia oficial também é bastante importante, considerando que a situação a este respeito vinha de um ponto de vista muito diferente.

Outra intervenção foi no sentido de perguntar sobre a situação dos desaparecidos, ao que os camaradas responderam que, em sua maioria, são detenções que não são relatadas, embora tenham lembrado o aparecimento de um manifestante morto em Cauca dias após sua prisão. Uma das últimas intervenções perguntou sobre o papel da Igreja Católica em tudo isso, à qual o Agite respondeu que na Colômbia é basicamente uma instituição de direita e conservadora próxima aos proprietários de terras. Portanto, o que tem feito é sair da questão sem se pronunciar sobre a greve e tentando exercer um papel

fracassado de mediação.

4) Conclusões

Como os camaradas do Agite assinalaram, o país tem sido, historicamente, impermeável ao acesso da esquerda ao poder e, eu diria mais, o sistema oligárquico colombiano tem bloqueado por muitos anos a influência das massas populares nos assuntos públicos. A Colômbia é caracterizada por uma hegemonia do liberalismo e pelo sistema político fechado que alguns historiadores têm comparado com o de um país centro-americano e não com o acesso histórico dos movimentos nacionais-populares ao poder típico de outros países sul-americanos: de fato, as origens da violência estatal e da contra-violência guerrilheira ou da violência proveniente de baixo podem ser traçadas diretamente ao assassinato do líder populista Jorge Eliécer Gaitán em 1948. Além disso, a influência, em alguns casos, do liberalismo foi tão forte que permeou as tendas marxistas, dando origem a hibridações ideológicas paradoxais.

É por esta dura razão estrutural que é tão importante apoiar as atuais mobilizações na Colômbia, pois para quebrar a crosta da sociedade burguesa colombiana e da institucionalidade, parafraseando o anarco-sindicalista espanhol Juan García Oliver, a solidariedade internacional é necessária, sobretudo daqueles que, talvez como disse o intelectual e militante anti-imperialista tunisino e judeu Albert Memmi, podem se dar ao luxo de ser internacionalistas, (é mais difícil para outros trabalhadores, refiro-me a todos eles e não tanto às minorias revolucionárias ativas, pois vivem em países com revoluções burguesas truncadas que talvez, neste caso, representem o assassinato do populista liberal Gaitán). Esta afirmação pode ser polêmica, e os camaradas do Agite podem não concordar muito comigo, mas me parece até certo ponto normal que em um país com uma profusão de bases militares americanas (ou quase-bases alugadas) que são apenas a expressão de uma dominação neocolonial contemporânea que vem de longe, haja uma profusão de bandeiras nas mobilizações.

Se o anarquismo se encaixa ou não no patriotismo anti-imperialista do Terceiro Mundo é um longo debate que não vou entrar agora, basta lembrar que ele não é desprovido de exemplos como as posições do Movimento Libertário Espanhol antes da intervenção dos nazistas-fascistas alemães e italianos na Guerra Civil de 1936-1939 ou o patriotismo popular de alguns grupos libertários latino-americanos, como a Federação Anarquista Uruguaia nos anos 60 do século passado. Em qualquer caso, também é útil argumentar que foram discursos ideológicos mais de conjuntura do que de princípios: talvez uma situação com semelhanças com o que está acontecendo hoje na Colômbia do Agite.

Por uma solidariedade internacionalista e libertária com a luta do povo colombiano!

Pela extensão da revolta!

Alma Apátrida

Fonte: https://alma-apatrida.blogspot.com/2021/05/el-agite-del-pueblotrabajador-cronica.html

Tradução > Liberto

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