Uma entrevista realizada pela Union of Green Libertarians da Grécia com a camarada Aranya do coletivo The Scarlet Underground
Union of Green Libertarians > Ok, vamos começar com as coisas mais básicas, como o projeto em si. O que é?
The Scarlet Underground < Ok, bem, The Scarlet Underground tem três partes do projeto — a primeira parte, é claro, é a ajuda mútua imediata que precisamos usar como ação direta para a comunidade rural na qual estamos localizados. Então o que estamos fazendo é 1. a conscientização, algo que o Estado deveria ter feito há muito tempo, sendo [sua falta] o motivo pelo qual a maioria das pessoas não entendem por que precisam de máscaras etc.; 2. produzir e distribuir gratuitamente as máscaras e 3. entregar produtos como arroz, daal (lentilha), soja e antissépticos etc. às vilas mais pobres daqui, que são Lodhas e Santhals, povos indígenas da Índia. Depois que o isolamento acabar, até dezembro, estamos planejando a construção de um centro comunitário que agirá como uma escola de permacultura, e também como uma clínica de saúde e assistência jurídica, que será construído em um terreno que o coletivo comprará junto e estamos planejando tudo para que possamos descobrir os contornos e escavações depressivas para reter água da chuva e, basicamente, a prática da permacultura no local, e a ideia é que, uma vez que os residentes locais verem a diferença entre permacultura e monocultura, mudarão a forma que plantam também. O outro plano é para construir um poço raso durante o mês de dezembro (ou talvez até depois, mas antes do verão) porque, se não vêm as chuvas, os fazendeiros perdem todo seu arrozal e os poços ajudariam a haver colheita do arroz no ano todo.
Ok, a última coisa é construir um outro centro comunitário em Calcutá, que é cerca de 3 km daqui, um tipo de parte-livraria e parte-hostel-e-cozinha, com instalação e sopa gratuitas, para os desempregados e os sem-teto. Também nos daria espaço para trazer voluntários e mais pessoas saberem sobre nosso projeto de permacultura em Jhargram, entre outras informações que seriam mais políticas. Tipo, tem uma fábrica de esponja de aço aqui e precisaremos começar a organizar as pessoas daqui para lutar contra ela. Da última vez, o líder do protesto foi encontrado pendurado em uma árvore na selva. Então sim, é bem sinistro.
Agora a questão é que precisamos que as pessoas contribuam como uma demonstração de solidariedade, e não de caridade — o que muitas pessoas obviamente não compreendem, então grupos internacionais como a FAU [organização anarcossindicalista] da Alemanha estão nos ajudando, e então há camaradas aqui que nos ajudaram também, mas não podem ajudar com muito (até 10,000 rupias é muito para nós). Ainda não adicionei os planos para Calcutá porque planejamos fazê-lo quando Flo e outros camaradas do estrangeiro chegarem em dezembro. A maior parte do TSU no momento são apenas fazendeiros, trabalhadores locais, estudantes e anarquistas: ao todo, diria cerca de 10 pessoas, das quais 3 estão em Calcutá agora. Uma vez que tudo está sendo feito por nós 7 no momento, com o apoio de um fazendeiro comunista que quer se juntar a nós, estaremos conversando com eles sobre tudo isso em breve. Semana que vem esperamos ter fundos suficientes para ir até a Aulgeria, que é uma vila Adivasi, e começar nosso trabalho com eles.
UGL > Então, basicamente, vocês estão construindo uma comuna do início, e é um ótimo começo. Minha segunda pergunta é, como vocês pensaram este projeto? Vocês tinham terras desde o começo ou tiveram que comprar?
TSU > Minha família era de proprietários de terras liberais até que meu avô virou comunista, então temos terras aqui que compramos de anglo-indianos que estavam deixando o país durante a partilha da Índia e, uma vez que toda a minha família é de esquerda, mantemos essa práxis viva, que é o motivo pelo qual minha mãe quer ser parte disto também e não se importa que trabalhemos aqui — na verdade, ela está cheia de ideias.
A terra que queremos transformar na comuna é literalmente uma floresta – fica ao lado de uma reserva florestal e é cheia de sakhuas, entre outras árvores frutíferas etc., então terá muito trabalho a ser feito quando começarmos. Mas o trabalho principal e imediato é agora a assistência mútua pelo Covid-19, para qual estamos levantando fundos. Ontem os policiais agrediram e humilharam os residentes locais da vila por não usarem máscaras, por exemplo.
Então agora é imperativo que façamos a distribuição de máscaras para tantas famílias quanto possível e conscientizemos sobre o Covid – um de nossos camaradas já fez pôsteres sobre isso, então será o que faremos nesta semana, imprimir os pôsteres e panfletos e distribuí-los com as máscaras.
Pela próxima semana, se tivermos recursos, iremos à Aulgeria, onde, basicamente, compramos a colheita local de arroz e distribuímos às pessoas, e também damos o resto dos produtos, sabão, antisséptico etc. Documentaremos tudo também, então você poderá ver o trabalho de auxílio quando tiver início.
UGL > Qual é o nome da cidade na qual seu projeto está se desenvolvendo?
TSU < Na verdade, é uma vila, mas é perto de Jhargram, fica dentro do distrito de Jhargram. O lugar é chamado de Niribili, você pode encontrá-lo no Google, meus pais costumavam geri-lo como uma estadia familiar (meu pai faleceu de Covid em novembro passado). A vila se chama Garh Salboni.
De todo jeito, até conseguirmos dinheiro o suficiente para comprar nossos próprios acres de terra, teremos que usar essa terra como nossa base, o que é a ideia de tanto os fazendeiros quanto os “donos” por conta das ideologias similares.
UGL > Isso é bem legal. O que os residentes locais pensam do que vocês estão fazendo? Vocês já recrutaram algum membro?
TSU < Bem, dos 7 de nós trabalhando aqui, 3 são da região e tem outro entrando. A população local está contente com o nosso projeto — são os partidos políticos dentro das vilas que geralmente tentam dizer que o trabalho de ajuda mútua foi feito por eles etc., mas esse tipo de ação direta sempre parece ter um impacto positivo, na minha experiência. Tem também outro homem chamado Kabir que possivelmente se juntará a nós — estou esperando por uma reunião com ele quando seu trabalho acabar em alguns dias. Então sim, estamos realmente tentando fazer este projeto o mais local possível, dada que essa é a melhor forma de promover solidariedade e a ideia de autonomia.
UGL > Parece que seu projeto é uma fagulha de esperança em um mundo de escuridão. Vocês cooperam com outros coletivos? Quero dizer ambos a nível nacional e internacional.
TSU < Nós cooperamos com a FAU alemã, que nos ajudou muito. A IWW inglesa não ajudou de verdade, mas quando foi que os britânicos já ajudaram os indianos? Muitos anarquistas, a nível individual, cooperam conosco, mas, em sua maioria, foi a FAU quem nos ajudou com muitos recursos e, a nível nacional, há indivíduos que contribuem com ambos trabalhos e fundos, mas não são muitos.
Estamos tentando nos manter mais próximos à Araj e à BASF, baseadas em Bangladesh, mas isso ainda está em período embrionário, mas ainda não tivemos oportunidade de cooperar com coletivos anarquistas da Grécia ou Espanha, ou América Latina.
UGL > É bom saber que a FAU está ajudando, eles planejam uma visita? Quanto aos camaradas de Bangla, por favor, conte-me mais. Sei nada sobre autonomia e anarquismo em Bangladesh.
TSU < Para ser honesta, não sei muito, mas há muito mais grupos anarquistas em Bangladesh; BASF é um sindicato [anarcossindicalista], Araj é uma cooperativa anarquista, se não me engano. Araj basicamente significa “sem Estado” em Bangla.
UGL > Deveríamos confederar e ajudar uns aos outros. Com esta entrevista, planejo que camaradas gregos aprendam sobre vocês. Contudo, a geografia tem seu papel e é algo bom que vocês entraram em contato com camaradas de Bangla. E o Paquistão?
TSU < Todos nós aqui amaríamos confederar com o seu grupo! Adoraríamos saber mais sobre ele também, e talvez pudéssemos visitar e aprender uns com os outros no futuro. Bem, não sou muito versada em grupos anarquistas paquistaneses — a demonização do povo de lá é suficiente para blindar o que realmente está acontecendo por lá. Tenho certeza de que há grupos, mas penso que têm que ser muito cuidadosos por conta do Estado e também do fundamentalismo religioso. Um anarquista paquistanês uma vez quis me encontrar, chegou até a Índia, mas foi forçado à delegacia todos os dias e foi basicamente tão assediado que ele literalmente chorou por muito tempo e voltou ao Paquistão.
Estive em contato com o Food Not Bombs das Filipinas, eles são muito, muito legais e realmente encontraram seu próprio jeito de alcançar as pessoas por shows punks, por exemplo.
UGL > Como vocês vão proceder depois de completar o projeto Kolkata? Planejam em criar uma rede de comunas baseadas em solidariedade pela Índia?
TSU < Sim, esse é basicamente nosso plano. Da mesma forma que tentamos influenciar pessoas diferentes nas cidades por agitprop, seminários e trabalho voluntário sobre o que anarquismo e ajuda mútua realmente significam, e então ajudá-las a organizar suas próprias comunas cooperativas, o que penso ser importante porque, nas primeiras vezes fazendo isso, você com certeza falhará, mas, ainda assim, aprenderá tantas coisas e, aos poucos, pode se aperfeiçoar. Se tudo correr bem, espero então que até 2040 (quando as mudanças climáticas muito provavelmente irão se tornar extremamente destrutivas, algo que não podemos prever como espécie) tenhamos essas comunas agrupadas como uma federação em que estamos sempre cooperando e resolvendo problemas autonomamente, ao invés de esperar que o primeiro-ministro perceba que sua vila inteira está passando fome e sem arrozais. Mas, sim, isso é apenas um sonho até que nós possamos seguir com os planos e construir a comuna.
Penso que, uma vez que consigamos começar o centro comunitário, ambos em Salboni e em Kolkata, as coisas vão começar a fluir. Ainda estamos tentando descobrir onde podemos arrecadar dinheiro (como uma cooperativa, para nos sustentar), ou se nossa produção será suficiente. Vamos ver o que acontece. Até dezembro, nada disso vai acontecer, estaremos apenas trabalhando em vilas do distrito de Jhargram com comida e suprimentos, máscaras gratuitas e campanhas de conscientização etc.
UGL > Vejo muita similaridade entre o projeto de vocês e o nosso, especialmente agora que você mencionou mudanças climáticas. Mais cedo, você mencionou fazendas cooperativas e permacultura e, até onde eu sei, planícies indianas são bem adequadas para o plantio. Vocês pensam em começar novas fazendas?
TSU < Nós amamos a permacultura. Isso é o que estamos tentando fazer na floresta daqui! Eu obviamente não aprendi sobre em lugar algum, mas tenho tentado aprender sobre isso, ler sobre isso, e pratiquei com as minhas plantas de companhia e algumas outras táticas, é incrível o quão diferente a permacultura pode deixar sua floresta. Flo me disse apenas que vocês são anarquistas verdes, então imaginei que vocês pratiquem a permacultura, então, sim, fiquei muito animada. Adoraria saber mais sobre o que vocês fazem e sobre seu cultivo e suas experiências.
UGL > Bem, eu não sou anarquista, sou um autonomista que foi influenciado pelos anarquistas anti-civ e verdes de hoje. O resto do pessoal é composto majoritariamente de camaradas anarquistas verdes. Começamos a trabalhar nas fazendas no começo de novembro e temos progredido bastante desde então. No momento, estamos esperando a colheita estar pronta e uma porção dela será distribuída entre proletários pobres. A permacultura economizou muito dinheiro e estamos trabalhando também em food forests e em cabanas de madeira nas quais pessoas podem ser alojadas. Também praticamos rebanho de animais, e vocês?
TSU < Eu sou anarquista, fui muito influenciada por Kropotkin, Camus e Goldman, e Bhagat Singh, que foi um revolucionário indiano. Sempre estive dividida entre anarquismo verde e vermelho porque, para mim, as mudanças climáticas sempre foram a maior causa da mudança radical e aqueles responsáveis por elas são os capitalistas. Trabalhei então com MLs, maoístas, e tivemos nossa própria zine e coletivo chamado Eyezine, depois do qual surgiu o Kaloberal Collective, que falhou novamente, e, então, em 2020, começamos o People’s Solidarity Collective, que é um coletivo de ajuda mútua, que basicamente se tornou o The Scarlet Underground. Então este projeto é uma mistura de preto e verde e de preto e vermelho, pode-se dizer.
Tivemos algumas vacas no passado, agora temos muitas galinhas e cachorros. E elefantes, há muitos deles aqui agora para comer as mangas e as jacas.
UGL > Isso é bem legal. Então vocês têm algum passado do qual podem usar a reputação para crescer o projeto em número e qualidade. Ovos, leite e queijo podem ser uma boa fonte de comida nutritiva para o pessoal mais pobre (sic). Vejo que suas atividades são muito como as nossas, de base rural. Contudo, já que vocês planejam expandir para centros urbanos, como vão proceder? Pensamos em criar jardins verticais em ocupações, mas nada além disso. E vocês?
TSU < Infelizmente, aqui em áreas urbanas custa uma fortuna conseguir uma casa com terras para se usar. No melhor dos casos, penso que será por um jardim comunitário no interior da casa, onde possamos praticar a permacultura, mas em cubas grandes de plástico ou cerâmica. Dessa forma, quem entra no centro comunitário sai com alguma ideia e talvez alguma curiosidade sobre a permacultura.
UGL > E quanto a ocupações?
TSU < Ocupações são difíceis em Calcutá, são feitas geralmente pelos sem-teto; podemos, contudo, cooperar com eles e fornecer comida. O problema é que é muito mais difícil para fazer seu trabalho diário porque aqui você apanha da polícia.
UGL > Entendi. Aquelas ocupações em Calcutá são localizadas nas periferias? Tem muito policiamento na região?
TSU < Muitas delas sim. Há muitos militantes na região também, sim, mas eles fazem as próprias moradias nas periferias e o Estado fode tudo para eles e para qualquer ONG por lá.
UGL < Esperamos que seu projeto vá bem. Vamos prosseguir com a confederação e esperamos que mais coletivos se unirão a nós em criar uma rede global de solidariedade. Saudações para vocês, camaradas!
TSU > Salve!
Página do Facebook do TSU: https://www.facebook.com/thescarletunderground
Site do TSU: http://thescarletunderground.com/
Fonte: https://prasinoieleutheriakoi.wordpress.com/2021/05/06/anarchism-in-india-theory-and-praxis/
Tradução > Sky
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Anibal Beça
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Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!