[Chile] Sobre a guerra entre Israel – Hamas em uma perspectiva crítico-radical

Por Pablo Jiménez C. | 08/10/2023

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Não há dúvida de que o Estado de Israel é uma entidade genocida e autoritária que há décadas implementa uma política de extermínio da população palestina. Essa política resultou no confinamento da população palestina em um verdadeiro campo de concentração, no qual o Estado de Israel periodicamente desencadeia o terror tecnológico e as piores atrocidades possíveis contra a população confinada. Essa política de confinamento e extermínio baseia-se em uma dinâmica específica de acumulação capitalista que é sustentada por um conflito geopolítico entre diferentes estados capitalistas pelo controle dos recursos e da população do Oriente Médio.

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É perigoso equiparar o Estado de Israel a toda a população que vive nesse Estado, uma população que está confinada a uma divisão racial rígida e a uma militarização permanente da vida cotidiana. Não se pode esquecer o fato de que Israel vem enfrentando, há alguns anos, protestos maciços que expressam a discordância interna em relação à política genocida e à fascistização do governo israelense e, em particular, da fração dominante da burguesia israelense. Isso não implica, é claro, negar o racismo sistemático e a brutalidade humana que uma parte da população israelense, em especial dos grupos de colonos, pratica não apenas contra a população palestina, mas também contra a população judaica que não pertence aos grupos étnicos dominantes.

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Não foi todo o povo palestino que se levantou contra o Estado de Israel, mas uma organização jihadista, nacionalista e anticomunista – o Hamas. O “heroico Mohammed Deif”, como disse o leninista ecológico Andreas Malm, não apenas dirigiu ataques indiscriminados contra civis – especialmente por meio do uso da prática da autoimolação terrorista com explosivos -, mas também exerce um terrorismo despótico contra a própria população palestina dentro de Gaza, usando ferramentas como tortura, terrorismo sexual e assassinatos seletivos para controlar a população palestina em Gaza e qualquer indício de dissidência política diferente da linha autoritária e jihadista do Hamas. Por outro lado, em que momento os anarquistas e comunistas começaram a apoiar o ataque indiscriminado a civis? Fico chocado ao ver comentários como: “que morram todos os israelenses”, etc., principalmente quando, nas últimas horas, veio à tona que os militantes do Hamas estão agredindo sexualmente as mulheres israelenses como forma de vingança, da mesma forma que exercem violência sexual diariamente sobre as mulheres palestinas em Gaza. Além disso, o sequestro de civis que foram levados de suas casas para bases militares do Hamas é celebrado sem críticas, como se fazer os civis sofrerem a perda de suas famílias e a tortura do sequestro pudesse fazer justiça aos ultrajes diários e à tortura histórica da população palestina pelo Estado de Israel. Para nós que buscamos a emancipação social radical – ou seja, abolir os fundamentos da civilização capitalista produzindo uma vida livre – esses não podem ser nossos métodos. A tortura, o sequestro, o desaparecimento de pessoas, o assassinato indiscriminado, a violência sexual, entre outros, são meios terroristas típicos de uma civilização patriarcal e autoritária fundada na barbárie. Sair dessa longa paleo-história implica meios coerentes com nossos fins, a luta e a violência são inevitáveis, pois a experiência de todas as revoltas recentes e passadas mostra que o terror é a arma preferida do capital para sua perpetuação ameaçada pelas massas rebeldes, mas a violência que nos permite superar a socialização capitalista difere em qualidade do terrorismo do capital.

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Mesmo no caso improvável de o Hamas ser bem-sucedido em sua ofensiva contra Israel, isso não resultaria na libertação da Palestina, mas na submissão de sua população a um estado jihadista baseado na aplicação da lei da Sharia, ou seja, haveria pouca diferença em relação a regimes como o Talibã no Afeganistão. Os tempos de desespero não podem nos levar a apoiar acriticamente organizações que promovem políticas e métodos que diferem dos do Estado de Israel apenas na magnitude de seu escopo. A preocupante tendência ao leninismo e às perspectivas autoritárias de várias páginas e grupos “radicais” no Chile é o resultado da atual contrarrevolução.

No caso de Israel-Palestina, está claro que um genocídio não é resolvido por outro genocídio, embora seja claramente ingênuo pensar que a política genocida do Estado israelense será interrompida por qualquer coisa que não seja uma revolta social que, com sua práxis, seja capaz de abolir as bases materiais do extermínio diário da população palestina. Nesse caso, a ideia de justiça para o povo palestino pode ser resumida na seguinte frase: abolição das condições que possibilitam o genocídio e o confinamento permanente da população palestina. Atingir esse parâmetro implica uma crítica social radical teórico-prática consistente, visando à abolição consciente dos fundamentos práticos da estrutura da socialização capitalista.

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A dimensão geopolítica desse conflito não deve ser esquecida, em um contexto de colapso sistêmico da civilização capitalista em seu estágio avançado. De fato, o neoimperialismo de crise, que está se movendo cada vez mais em direção a uma guerra mundial aberta, está sendo travado em diferentes continentes, países e cidades – uma verdadeira guerra civil global que é vivenciada desde as esferas globais até as dimensões capilares da vida cotidiana – do planeta-capital. A evolução do conflito na Ucrânia é uma manifestação clara da escalada desse conflito global, no qual os blocos político-econômicos do velho e novo imperialismo do século XXI estão se amalgamando na formação de novas alianças que estão arrastando as periferias do sistema global para a escolha de lados em um processo acelerado de guerra econômico-militar. O ataque do Hamas não é apenas a colheita de uma política de décadas de ocupação, confinamento e extermínio que arrastou a juventude palestina para o desespero e para a jihad islâmica, mas também uma operação militar planejada que é impossível sem a cooperação de aliados geopolíticos no Oriente Médio que têm Israel – como a ponta de lança do neoimperialismo ocidental na região – como seu inimigo comum. O conflito entre Israel e Hamas pode em breve evoluir para um conflito maior, envolvendo mais nações capitalistas no Oriente Médio e, a fortiori, os dois grandes blocos neoimperialistas que estão disputando cadeias de valor e recursos globais na estrutura da crise sistêmica da civilização capitalista.

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Nas últimas horas, houve relatos de uma revolta da população palestina em alguns dos guetos que os agrupam dentro das fronteiras do Estado de Israel. Somente desse levante e do levante da população de Gaza pode surgir um potencial emancipatório. Mas cuidado, uma revolta nas condições atuais – e isso se aplica, mutatis mutandis, ao resto do mundo – é sempre contraditória. Na situação atual, o Hamas poderia explorar a revolta da população palestina para seus próprios objetivos ilusórios, mas rapidamente se voltaria contra qualquer expressão autônoma que surgisse na estrutura de uma revolta geral contra o Estado de Israel. Aqueles que estão cegos pela violência das armas e que celebram qualquer bandeira palestina que ande de mãos dadas com uma AK-47 esquecem que há décadas o Hamas negocia com Israel os termos do genocídio da população palestina em Gaza, que em seu histórico “heroico” tem a seu crédito uma série de assassinatos e humilhações contra qualquer expressão dissidente de seu horizonte jihadista. Um levante emancipatório da população que vive na Palestina e em Israel encontrará como seus principais inimigos o Hamas e o Estado de Israel, duas organizações autoritárias embarcadas em uma política insana orientada para a aniquilação do grupo étnico que é considerado inimigo. Por enquanto, o processo de conflito só encontrou entre suas vítimas a população civil em ambas as fronteiras, enquanto o Estado israelense se prepara para retaliar o Hamas, transformando Gaza em uma “cidade em ruínas”, como Netanyahu – o líder indiscutível da facção mais reacionária da classe dominante em Israel – advertiu, ou seja, aniquilando a população civil palestina e acrescentando mais vítimas a uma marcha demente ao redor do mundo que só pode levar a humanidade ao abismo da guerra global total.

Fonte: https://necplusultra.noblogs.org/post/2023/10/08/sobre-la-guerra-israel-hamas-en-una-perspectiva-critico-radical/

Tradução > Liberto

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