Mais uma vez, uma rodada eleitoral de um país europeu demonstrou claramente um fenômeno que a grande mídia corporativa está obscurecendo: assim como aconteceu na (re)eleição de Alexis Tsipras (do Syriza) na Grécia, também nesse primeiro turno das eleições francesas [2º turno será no próximo domingo], a verdadeira tendência majoritária foi a da evasão dos eleitores: assim como foi na Grécia, também na França mais da metade dos cidadãos aptos a votar não compareceram às urnas.
Então, em que pese o crescimento da extrema direita entre a pequena parcela dos cidadãos europeus que continuam votando – isso se demonstrou também tanto na Grécia como na França agora -, o que de fato está se tornando a maior “onda” política na Europa, parece ser a tendência à descrença com relação ao sistema político.
Como sempre, os estrategistas e ideólogos do sistema (assessores intelectuais e “marketeiros” dos partidos políticos e de instituições estatais, por exemplo), tentam explicar essa situação de uma forma que acabe recuperando a legitimidade do sistema, alegando que essa tendência ao crescimento da descrença se deve à incompetência dos últimos governantes de plantão, o que, por exemplo, teria levado, na França, ao crescimento dos níveis de desemprego para patamares sem precedentes, de modo que atualmente existe quase um milhão de pessoas desempregadas neste país.
Quanto à Grécia, a sua situação atual é por demais conhecida pelo grande público.
Daí, os estrategistas e ideólogos do sistema alegam que a solução não é se evadir do sistema eleitoral, mas, pelo contrário, participar desse jogo, de modo a promover o revesamento dos grupos no poder por outros grupos que talvez sejam mais “competentes” e assim consigam resolver esses problemas.
Já os analistas da “esquerda” do sistema, diante do avanço da extrema direita, conclamam os cidadãos “evadidos” das urnas a retornarem a participar das eleições, para que barrem o avanço dos grupos reacionários, pois estes representariam falsas esperanças de mudanças e de resolução dos problemas econômicos, além de implicarem no acréscimo de outros problemas, tais como o apoio a políticas xenófobas e homofóbicas, por exemplo.
Ora, o fato é que a crise econômica (que gera o desemprego e a inflação, por exemplo), é inerente ao próprio sistema capitalista: a própria Organização Internacional do Trabalho, O.I.T., em um recente relatório bienal sobre a situação do trabalho no mundo, aponta que, na última década, a incorporação das novas tecnologias de automação ao mundo do trabalho tem levado a um crescente aumento de dispensa de mão de obra em nível internacional e, apesar dessas tecnologias virem permitindo um aumento de produtividade na produção e seu consequente aumento dos lucros por parte dos proprietários, estes ganhos a mais não têm sido minimamente distribuídos com os trabalhadores, pelo contrário, os detentores dos grandes capitais têm acumulado cada vez mais as riquezas que são fruto da produção coletiva dos trabalhadores, produção esta cada vez mais incrementada pelas novas tecnologias.
E por isso, entra governo, sai governo, seja da direita, da esquerda, do centro ou dos fundos, a crise econômica não se resolve… Claro, ela é da própria estrutura do sistema de produção!
E, para completar, cada vez mais, os tais aspectos civilizatórios distintivos da “esquerda” com relação à direita, tais como um maior humanismo daquela com relação a esta (de modo que as “esquerdas” institucionais seriam mais tolerantes e acolhedoras para com imigrantes e gays, por exemplo), estão cada vez mais questionáveis do ponto de vista das populações de migrantes, por exemplo.
Ora, mesmo com um governo “socialista”, a França tem dificultado muito a regularização de pessoas sem documentos em seu território, isso enquanto suas polícias não têm sido muito “cidadãs” com grupos de pessoas “excluídas” econômica e socialmente, seja em suas fronteiras e/ou mesmo dentro de seu território, nos bairros de periferias.
Mais uma vez, isso se deve ao fato de que, para o sistema de produção vigente, é interessante, por um lado, dispor de um grande contingente de mão de obra socialmente “fragilizada”, para assim poder explorá-las melhor sem que eles possam reclamar muito, enquanto que, por outro lado, o sistema precisa restringir o número de pessoas pauperizadas que entram em suas sociedades, pois o aumento desses contingentes para além de certos limites “aceitáveis” pode, entre outras complicações para o sistema, criar uma massa de indignados com um tamanho difícil de ser submetida pelas forças da “ordem”. Difícil equilíbrio que, claro, para os governantes/administradores do sistema – mesmo que sejam de “esquerda” – cabe encontrarem as soluções que permitam ajustar esta “balança”… Para o lado de quem pode pagar mais para a sua ascensão e permanência no poder, óbvio!
O sistema como um todo adquire aspectos mais “promíscuos” ainda, a partir do momento em que, para governar em um sistema parlamentar, um grupo qualquer precisa fazer “composições”, alianças, acordos… Isso levou, por exemplo, o Syriza, na Grécia, considerado a grande renovação da esquerda naquele país, a fazer acordos com um partido conservador e assim entregar a este partido de tendências xenófobas justamente o ministério encarregado da segurança do país, ou seja as “forças da ordem” nas mãos de pessoas que têm preconceitos contra imigrantes (algo semelhante ao que Dilma fez no Brasil, ao entregar o Ministério da Agricultura – justamente o que lida com a questão de terras – para a ruralista Kátia Abreu, que entre outras “cositas” organizou um leilão para comprar armas para caçar índios).
Anos, décadas, séculos já, de vivência, de geração em geração, neste sistema político econômico, tem levado parcelas cada vez maiores das sociedades ocidentais “avançadas” a acumularem a experiência e a segurança de que, apesar da “dança das cadeiras”, entra governo sai governo, é muito difícil – praticamente impossível – que através deste jogo se consiga mudar o fato de que são sempre os donos das salas de espetáculos onde esses jogos acontecem, aqueles que mais ganham em toda esta ciranda.
Então, diferentemente do que a grande mídia corporativa está dizendo, talvez, possamos afirmar que os fascismos não são a tendência que mais cresce no cenário político europeu, mas sim, o “niilismo”, a descrença total com relação ao sistema (e por aí percebemos o quanto é ilusória e maliciosa a ideia de “unidade” da nação segundo a qual “a voz das urnas” representa os desejos “do povo”).
Como diz o grande sociólogo francês, Michel Maffesoli, a atual crise, mais do que econômica, é “espiritual” (uma crise de “crenças”).
Como sempre, cabe aos anarquistas – os únicos que desde sempre têm apontado a falácia e o engodo total que caracteriza os sistemas políticos econômicos dos Estados e do capitalismo -, sugerirem a estes contingentes cada vez maiores de “desesperançados” (já mesmo desesperados) do sistema, a possibilidade real e viável de que as sociedades humanas sejam organizadas sobre outras bases completamente diferentes destas…
Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira
Doutor em Ciências Sociais
agência de notícias anarquistas-ana
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dentro do meu coração
já é primavera.
Urhacy Faustino
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!
Um puta exemplo! E que se foda o Estado espanhol e do mundo todo!
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