Economia política da doença. Ou como as elites encontram um culpado invisível para o que não está dando certo

Por D. Graça | 18/03/2020

Não sou de banalizar os alardes sociais, que são bem capazes de gerar respostas em várias frentes, na forma de ações, iniciativas e, principalmente, preocupações. Mas entendam com delicadeza esse entendimento que estou tentando expressar adiante.

Estamos na era em que podemos considerar três gerações de guerras mundiais. Se contarmos bem, vemos que desde o dito “fim da guerra fria”, várias outras intervenções militares foram justificadas com o mesmo argumento frágil e malicioso de pacificação e defesa da democracia. E no entanto vemos se espalhar numa perspectiva global uma visão higienista que busca eliminar culturas e modos de vida que não partilham do jogo que o mercado mundial impõe a partir de suas potências econômicas mais notórias. O imperialismo muda as cores das bandeiras, mas não troca o tom de seus empreendimentos. Sempre que as elites perdem o controle das suas crises, encontrou formas de criar um culpado pelas suas lambanças. Vejam que a partir de quando a América Latina instituiu governos não coloniais, o capitalismo deu jeito de ir continuar seu processo de colonização em vários outros lugares. Durante todos os anos 90, o oriente médio foi atacado a bombas e testes tecnológicos de guerra para que fosse dada a acertiva de que ainda existia uma ideia de potência mundial. Quando vira o século, explana-se uma mudança profunda de consciência desde dentro das comunidades de várias localidades do mundo. As lutas sociais eram, além de um ponto de tensão contra o totalitarismo econômico do capital, uma referência para a retomada de um olhar que se afirmasse por fora da insígnia de “A história acabou!”, que tem suas bases na lógica das retaliações bélicas e do terror.

O que estamos vivendo nesta segunda década do século XXI é também a resignificação, a nível global, da ideia de pacificação. E essa virada vem junto com a manutenção das crises que o próprio capitalismo produz para se firmar.

Se pensarmos que a visão colonialista que invadiu as Américas só vingou porque boa parte dos povos que nesse chão viviam caiu sob as moléstias das pestes e dos vírus que vieram das embarcações dos povos civilizados do mundo branco, não nos assustaríamos tanto com o alarde que hoje está em alta. Entendam, não estou banalizando o contágio. Estou sim balizando, saindo pela tangente dos contrastes que essa onda está gerando. Vejam que atravessamos esses anos 2000 marcados por essas crises de doenças, sempre descontadas nas contas de países latino-americanos, africanos, orientais. Lembrem-se da comoção da AIDS nos anos 90, que além de deseducar uma geração inteira com base no seu sensacionalismo perverso, racista, homofóbico, destruiu durante anos parte grande das comunidades gays, culpabilizou os povos africanos e escondeu nas suas farmácias todos os antídotos pra saná-la.

A verdade é que a humanidade está cada dia mais fragilizada e incapaz de suportar o contágio. E os contágios tem se fortalecido face a face com o modo de vida civilizado.

De toda forma, o que quero dizer é quase óbvio. O capitalismo se converteu mais do que nunca num modo econômico da doença, uma vez que bombas e armas de fogo são muito dispendiosos, e porque as justificativas para as invasões já não caem na crença das populações como já caíram outrora.

O que vejo ser produzido nas entrelinhas do escândalo Corona, é a imposição de uma educação colonialista de conduta pra lidar com o conceito de doença, que compõe as crenças do ocidente. E sinto que essas formas de educar o comportamento são continuidade dessa época em que a informação tem um porquê social valioso. Vejam como as pessoas saudáveis já têm se forçado a viver tão afastadas umas das outras por se porem satisfeitas com o contato através das redes sociais e aplicativos outros. Cada vez mais nos enfiamos num poço de distância que torna qualquer possibilidade de troca direta uma grande missão para todxs, e não só para quem acessa esses meios.

Não nós enganemos com excessos. Temos sim que nos cuidar, e o cuidado é, desde onde sei, um ato coletivo. Aprendemos sua essência na própria energia materna da terra, no leito das mães de todo o mundo. O que não podemos permitir é a continuidade dessa ditadura de desinformação que tem vigorado nos últimos anos, para fazer suceder os planos de gente poderosa que está entre os 0,1111% dos habitantes do mundo, enquanto a maioria tende a buscar o isolamento antes de tudo. Pois antes de mais nada somos todxs jogadxs na correnteza de terror que faz a linguagem do dominador. O medo é a única doença, e quando se reflete no que somos causa extremos desequilíbrios ao ponto das endemias.

Podemos refletir com mais calma do que os organizadores dessa crise desejam. E, sobretudo, não perder a ternura do abraço e da organicidade, que é nossa arma mais potente, que é de onde nasce e se aprende a cura.

Nos cuidemos. Cuidemos principalmente das crias, gerações que estão crescendo nesse atoleiro que está se tornando a terra. Resistir ao flagelo da desinformação generalizada é mais que necessário nesses tempos. Discutir com parceiros e parceiras sempre que oportuno é alimento de cuidado, tanto quanto trocar, informar e construir força desde nossas bases.

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Beijo a brisa que me beija:
O dia agradece.

João de Deus Souto Filho

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