Por Jun Fujita Hirose | 01/04/2020
Muitos japoneses têm tido uma relação ambivalente com o coronavírus nos últimos dois meses. É verdade, eles têm medo disso, mas ao mesmo tempo se aliaram secretamente a ele. Essa aliança subterrânea está ocorrendo diante do atual governo japonês, que é considerado quase unanimemente o governo mais corrupto e prejudicial da história do Japão desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Em setembro de 2013, em Buenos Aires, em seu discurso aos membros do Comitê Olímpico Internacional que iriam votar na cidade sede dos Jogos Olímpicos de 2020, Shinzo Abe, o atual primeiro-ministro japonês, reeleito no final do ano anterior, declarou: “A situação está sob controle. Não há problemas de saúde, nem no presente nem no futuro. Hoje, sob o céu azul de Fukushima, as crianças estão jogando futebol. Ele disse isso quando todos no Japão sabiam perfeitamente que a realidade era muito diferente e que a usina nuclear Fukushima da Tepco (Tokyo Electric Power Company) não iria parar de emitir uma enorme quantidade de radioatividade no solo, no ar e na água por muitos anos. Para eles, a organização das Olimpíadas em Tóquio em 2020 não foi mais que uma negação ofensiva da situação real em que viviam, uma negação orquestrada pela força pelo governo Abe, em cumplicidade com o poder econômico mundial. Assim se estabeleceu um forte sentimento de rejeição da chamada “Tóquio 2020” que se espalhou imediatamente entre a população japonesa.
A realidade que o governo japonês quer negar e fazer esquecer, sob o efeito de alucinação do espetáculo esportivo, não é apenas a da contaminação radioativa permanente, mas também a do declínio irreversível do Japão como superpotência econômica. Muitos japoneses, e os jovens em particular, estão começando a inventar novas formas de vida, diferentes daquelas de 30 anos atrás. O próprio acidente de Fukushima está acelerando este processo. No Japão hoje, ninguém, ou quase ninguém, está entusiasmado com um megaevento como os Jogos Olímpicos, que é alimentado por eletricidade produzida por reatores nucleares reabertos, ou uma megaconstrução como a rede de levitação magnética TGV entre Tóquio e Nagoya. Todos esses megaprojetos são feias simulações anacrônicas do glorioso período japonês do pós-guerra.
Durante seus dois primeiros anos (2013-2015), a ação do governo Abe provocou a reação de dois movimentos populares de protesto particularmente maciços: o primeiro contra o projeto de lei sobre segredos de Estado, e o segundo, contra a decisão do governo de mudar a interpretação constitucional e a consequente nova legislação sobre as Forças Armadas de Autodefesa. Em ambos os casos, os japoneses acabaram enfrentando sua própria impotência política diante de um governo quase abertamente fascista. Isso explica o fato de que, após a derrota dos protestos antimilitarização em 2015, não houve mobilização em massa no Japão, apesar de uma série de escândalos de corrupção envolvendo o próprio Shinzo Abe. Nos últimos cinco anos, o ódio popular ao primeiro-ministro e ao seu governo de coalizão – entre o Partido Liberal Democrático e o Komeito – foi expresso apenas de forma discursiva, em particular no Twitter.
Foi neste contexto político desesperado que surgiu o coronavírus. O governo de Abe parece ter entendido desde os estágios iniciais que o vírus poderia constituir uma séria ameaça à sua amada Tóquio 2020. Assim começou sua batalha contra o vírus, uma batalha que consistiu principalmente em subestimar deliberadamente o efeito da epidemia em território japonês, reduzindo ao mínimo o número de testes PCR e evitando tomar quaisquer medidas drásticas de proteção. O governo de Abe, assim como o Comitê Olímpico Internacional e o governo japonês, queriam absolutamente manter a imagem de um Japão corona free quando a Covid-19 estava se tornando uma pandemia global. E foi esta nova negação governamental da situação real que levou muitos japoneses a entrar numa aliança subterrânea com o coronavírus.
Em 24 de março, o governo japonês, juntamente com o Comitê Olímpico Internacional, anunciou publicamente o adiamento de Tóquio 2020 por um ano. E com isso, o governo de Abe se permitiu de repente falar sobre a possível declaração de estado de emergência e a possível tomada de uma medida de contenção para a cidade de Tóquio. Será que o corona ganhou? Apenas a meio caminho, do ponto de vista dos japoneses furiosos. É verdade que estamos celebrando o aparecimento, há muitos anos tão desejado, de uma ameaça real ao poder fascista neoliberal, mas o que queríamos e ainda queremos é uma anulação imediata e não um adiamento, que significa apenas um tempo de purgatório prolongado, no qual o governo de Abe reorganizará suas Olimpíadas adiadas como um evento “testemunhando a vitória da humanidade sobre o novo coronavírus” (segundo o próprio Abe).
Muitos japoneses já estão prontos para serem infectados e até morrem por derrubar o governo de Shinzo Abe e por enterrar de vez esta abominável Tóquio 2020. É uma nova forma de luta armada que está nascendo aqui, em um canto do Extremo Oriente. Os rebeldes japoneses se identificam com o movimento do coronavírus, que por sua vez se identifica com os grandes movimentos de desterritorialização absoluta da Terra. Em uma luta armada, não é sempre a Terra que fornece as armas?
Tradução > Liberto
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— Mamão docinho!
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Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!
Um puta exemplo! E que se foda o Estado espanhol e do mundo todo!
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