[EUA] O Heavy Metal confronta o seu problema com o Nazismo

Por Colin Moynihan | 19/02/2019

“O mundo está em chamas,” disse Ben Hutcherson para uma plateia no Brooklyn, no último mês, antes de um show da sua banda Glacial Tomb. Ele complementou, “Pelo menos nós todos podemos queimar juntos.” Pelos próximos trinta minutos a banda, que nas palavras de Hutcherson toca um “Death Metal sujo, sombrio”, rugido através de meia dúzia de músicas, repletas de baterias trovejantes e vocais guturais. O set terminou como um grito desafiante, na forma de um cover da música “Fuck Nazi Sympathy”, da banda punk Aus-Rotten. Enquanto a Glacial Song tocava a música — que possui versos como “Não respeite algo que não tem nenhum respeito” e “Não lhes conceda liberdade, pois eles não a concederão a você” — a platéia vociferava a letra, agitada em um mosh pit e se jogando de cima do palco.

O set era parte de um festival de quinze bandas chamado “Black Flags Over Brooklyn”, no Brooklyn Bazaar, em Greenpoint, Nova Iorque. O evento é provavelmente o primeiro festival de metal extremo e antifascista da cidade. Ele foi planejado parte como uma celebração de uma forma de música underground que tradicionalmente se desenvolveu a partir de imagens de drama e perigo, e parte como uma resposta a um subgênero conhecido como Black Metal Nacional-Socialista, que defende visões neo-nazistas e tem como objetivo recrutar jovens para a causa da supremacia branca, de acordo com o “Southern Poverty Law Center”. A organizadora do evento Kim Kelly (que até recentemente era uma editora da Nosey, além de ter escrito para a Pitchfork, Spin e Rolling Stone) disse que, mesmo compreendendo somente uma pequena parcela do Metal, o Black Metal Nacional-Socialista vem ganhando visibilidade. E como movimentos de extrema-direita vem crescendo nos EUA e na Europa, ela disse, alguns fãs de Metal começaram a ter discussões sobre política e expressão que espelham aquelas que se desenrolam no âmbito maior da cultura.

“O Metal deveria se manter perigoso, controverso e ofensivo?”, disse Kelly. “Negar espaço para bandas com visões genocidas é uma forma de censura? Boicotar a banda é atacar a sua liberdade de expressão, ou até que ponto torna-se crítico manter esses elementos fascistas e danosos fora da cena? Em que medida esse disco vale tanto para você, a ponto de você comprá-lo sabendo que assim ativamente se contribui para algo que está ferindo outras pessoas?”

Considera-se que o Black Metal — conscientemente sombrio e com letras uivantes, acordes violentos e frequentemente uma estética apocalíptica e misantropa — começou com a banda inglesa Venom, que usou o termo como o título do seu segundo álbum em 1982. Já o Black Metal Nacional-Socialista emergiu de um ambiente mais obscuro, nos anos 90, onde se encontravam figuras como Varg Vikernes, da banda de um homem só Burzum. Vikernes era parte da cena norueguesa de Black Metal, cujos membros frequentemente se pintavam com os fantasmagóricos “corpse paint” e usavam crucifixos invertidos, além de serem conhecidos por queimarem igrejas. Em 1993, enquanto Vikernes tocava baixo na banda Mayhem, ele assassinou o guitarrista Euronymous. No mesmo ano, Hendrik Möbus, da banda alemã Absurd — cujo álbum “Asgardsrei” (1999) é visto como influente no mundo do Black Metal Nacional-Socialista — fez parte, em conjunto com dois cúmplices, do assassinato de um colega de classe do ensino médio. Depois de violar os termos da sua detenção juvenil, Möbus fugiu para os EUA. Antes de ser preso e voltar para a Alemanha e encarar as acusações, ele viveu na Virgínia Ocidental,  numa comunidade que pertencia ao líder neonazista William Pierce.

 Dentre as bandas que pertencem ao subgênero B.M.N.S., como é frequentemente chamado, há a M8JI8TX, da Rússia, cujos fãs vem fazendo saudações nazi durante os shows; Goatmoon, banda finlandesa que se apresentou na frente de um painel que lembrava uma bandeira Nazi; e Der Stürmer, Grécia, cujo nome vem de um jornal alemão antissemita e cujo editor, Julius Streicher, foi condenado durante os Julgamentos de Nuremberg e posteriormente executado. Essas bandas e outras, incluindo a Stahlfront, Sunwheel, Absurd e Dark Fury, se apresentaram em Dezembro durante o Festival “Asgardsrei”, em Kiev, onde abundavam bandas de estilo nazista.

Poucos são os grupos que têm a ousadia de assumir o rótulo B.M.N.S., por isso é uma questão de debate decidir quais bandas devem ser categorizadas assim. Nos últimos anos, esquerdistas tem tentado impedir shows de bandas de Metal acusadas por eles de promover racismo ou fascismo. Em muitos casos, bandas responderam que elas têm sido mal caracterizadas, ou que as acusações são baseadas em associações passadas que foram abandonadas. Em 2016, organizadores do Festival “Messe des Morts”, em Montreal, cancelaram a apresentação da banda polonesa Graveland após um grupo antifa anunciar planos de um protesto confrontacional. A banda respondeu no seu site que “Graveland não é BMNS!”. No ano passado, a banda norueguesa Taake cancelou as datas da sua turnê americana depois que antifas postaram em rede social fotos do líder da banda com uma suástica no seu peito, junto com números de telefone dos locais onde a banda iria tocar. Taake negou que o fato tem qualquer relação com o Nazismo, e acusou os críticos de tomar parte em uma caça às bruxas, incluindo o rapper Talib Kweli, que cancelou um show em uma boate no Kansas que havia agendado a banda.

Os anúncios dos shows do Black Flag, que também incluem performances dos grupos Racetraitor, Cloud Rat, Dawn Ray’d e outros, proclamaram a rejeição do Metal de extrema-direita como um tema urgente, afirmando que “A ascensão mundial do fascismo e da violência do supremacismo branco vem colocando cada um de nós — mas especialmente aqueles que fazem parte de comunidades marginalizadas — em risco, e não deveríamos permitir que o Metal se torne um solo fértil para o extremismo de direita… Esse festival é para aqueles que rejeitam e respondem a esse veneno — que aderem ao mantra ‘Metal é para todos (menos para Nazis)’, e que estão comprometidos em limpar o nosso próprio quintal”.

Kelly afirmou que os fãs de Metal são parte de uma comunidade fechada, e por isso alguns podem ver o criticismo como um esforço por parte de forças externas de higienizar ou mudar aquilo que eles prezam. Uma razão para organizar o festival, ela disse, foi a de dar aos fãs de Metal e aos antifascistas a chance de ver que as duas coisas podem trabalhar juntas. “Eu só queria mostrar às pessoas que você pode fazer a sua militância política e ser um metalhead, e essas coisas não devem de forma alguma serem mutuamente excludentes”, disse ela. “Eu não entendo como alguém pode amar algo de maneira tão profunda, como eu amo o Metal pesado, e não querer que este seja o melhor possível, ou não querer que o Metal seja apreciado pelo maior número de pessoas possível”.

Além dos shows, que ocorreram no segundo andar do Brooklyn Bazaar, o festival também expôs vários tipos de literatura no primeiro andar. Haviam zines sobre como dar suporte a uma vítima de assédio sexual ou como enfrentar um agressor. Haviam panfletos clamando por solidariedade com os Curdos, que estão ameaçados tanto pelas forças Turcas quanto pelo ISIS. Os editores da Verso Books, Haymarket Books, AK Press e PM Press venderam livros ligados à organização política. Suzanne Shaffer, presente no estande da AK — cujos livros incluíam “Anti-Fascismo Militante: Cem Anos de Resistência”, “Alerta! Alerta!: fotogramas da luta Anti-Fascista na Europa”, “O Fascismo Hoje: O que é e Como Acabar com Ele”, e “Contra a Besta do Fascismo” (não publicados em português; traduções livres) — afirmou que ela espera que esses trabalhos possam alcançar uma nova audiência. “É realmente importante nos juntarmos contra o Fascismo”, disse ela. “E é bom possuir livros que façam parte dessa luta”.

Depois que a Glacial Tomb terminou o seu set, Hutcherson — que também é membro de uma outra banda, a Khemmis, e está estudando a cena do Heavy Metal em Denver enquanto trabalha em um doutorado em Sociologia na Universidade de Colorado, Boulder — caminhou através do primeiro andar do Brooklyn Bazaar e ficou na parte de trás da sala, perto de uma mesa de camisetas com slogans antifascistas. O festival, ele disse, pode ser visto como parte de um esforço de reafirmar o espírito do Metal, que tem uma história de desafiar o poder e de acolher pessoas que não se sentem conectadas ao mundo ao seu redor. “A promessa do Underground, independente do estilo, sendo Metal ou punk, hardcore, grindcore ou qualquer coisa, é uma de subversão e resistência”, afirmou ele. “Ser perigoso não é sobre atingir os de baixo. É sobre derrubar os de cima”.

Fonte: https://www.newyorker.com/culture/culture-desk/heavy-metal-confronts-its-nazi-problem

Tradução > Aroma dos Caminhos

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agência de notícias anarquistas-ana

Arco-íris no céu,
chega ao fim o temporal:
tobogã de gnomos.

Ronaldo Bomfim