[França] Atualidade do anarquismo

O anarquismo ainda é uma corrente não reconhecida e caricaturizada. Entretanto, durante momentos de luta social, despontam práticas libertárias. Longe de reduzir-se a uma simples recusa, o anarquismo dispõe de um legítimo projeto de sociedade.

A corrente anarquista permanece ainda sem reconhecimento. A imagem midiática dos black blocs contribui para a sua popularidade nos movimentos sociais atuais. Mas o anarquismo propõe, sobretudo, uma crítica precisa ao capitalismo e ao Estado, para desenvolver um projeto alternativo de sociedade. É igualmente importante atualizar o pensamento anarquista para levar em consideração novas questões.

Guillaume Davranche, profundo conhecedor do movimento operário e anarquista, propõe um pequeno livro de introdução. Militante da Union Communiste Libertaire (UCL), ele aposta em uma síntese aberta e apartidária. O anarquismo abrange diferentes correntes e está permeado por inúmeros debates. Guillaume Davranche fixa-se em apresentar seus fundamentos ideológicos em suas “Dez questões sobre o anarquismo”.

Doutrina anarquista

O anarquismo estrutura-se entre 1876 e 1880. Na época, é considerado uma corrente do movimento operário. A Primeira Internacional é criada em 1865. Com Karl Marx e Mikhail Bakunin, ela propôs a propriedade coletiva dos meios de produção. O anarquista Bakunin firma-se na ação clandestina e na insurreição. Mas ele defende progressivamente a construção de organizações amplas de luta operária.

Os bakuninistas opõem-se aos marxistas. Eles criticam o Estado e as eleições. Uma cisão irrompe em 1872. A Federação do Jura e, depois, Piotr Kropotkin elaboram a teoria anarquista. O coletivismo, e depois o comunismo, opõe-se à propriedade privada. A federação dos grupos de produtores substitui o governo.

Após o insucesso das revoltas e dos atentados, os anarquistas franceses voltam-se para o sindicalismo revolucionário. A transformação da sociedade passa agora pela greve geral. Os anarquistas dominam a CGT de 1901 a 1913.

O anarquismo opõe-se ao capitalismo. Ele propõe uma socialização da economia. As infraestruturas de produção e de comércio são controladas pelo conjunto da sociedade. A autogestão propõe uma organização diferente do trabalho. A especialização e a hierarquia entre trabalhadores intelectuais e manuais são abolidas. As escolhas de organização da sociedade são debatidas de maneira democrática. O comunismo libertário substitui o coletivismo. Não é mais a quantificação do trabalho, mas a satisfação das necessidades que predomina. Hoje, porém, as questões ecológicas impõem uma regulação dessas necessidades.

Os anarquistas propõem a destruição do Estado, substituído por um autogoverno federal. A organização firma-se na camada local, que não é controlada por uma camada superior. As comunidades de base confederam-se para organizar a sociedade de baixo para cima. Os eleitos e os nomeados são controlados por um mandato imperativo limitado no tempo e revogável.

O anarquismo incorpora o combate feminista. Bakunin opõe-se à misoginia de Proudhon. Os anarquistas reivindicam a igualdade de direitos entre mulheres e homens. Emma Goldman e Voltairine de Cleyre desenvolvem um anarquismo claramente feminista. A liberdade sexual, a contracepção e a união livre são defendidas pelos sindicalistas revolucionários da CGT. A dependência econômica da mulher é igualmente colocada em pauta. No ano de 1968, a livre disposição do corpo torna-se o combate central. O anarquismo propõe igualmente a destruição do patriarcado.

Práticas de luta

Os anarquistas não compartilham as mesmas estratégias de ação para mudar a sociedade. O historiador Gaetano Manfredonia propõe uma classificação que conecta os discursos e as práticas. O insurrecionalismo é a manifestação mais visível do anarquismo. Durante os grandes momentos revolucionários, eles conduzem as revoltas. No período atual, os black blocs que atacam símbolos do capitalismo, como os bancos, encarnam essa estratégia. No entanto, essa prática de luta deve estar inscrita em um contexto de conflitualidade social para não se marginalizar.

A estratégia sindicalista deve permitir mobilizar os explorados, quaisquer que sejam suas ideias políticas, por meio de reivindicações imediatas. Uma greve geral insurrecional deve permitir a apropriação coletiva dos meios de produção. A auto-organização pode igualmente emergir das assembleias autônomas em relação aos sindicatos. Os anarquistas devem intervir para denunciar a delegação de poder e apresentar uma perspectiva de ruptura para com o capitalismo. Essa estratégia sindicalista depende da intensidade da luta de classes. Os anarquistas correm o risco de deixarem-se absorver por um aparelho sindical legalista e repetitivo.

A estratégia do tipo educacionista-realizador insiste na mudança das mentalidades. Os anarquistas defendem a educação popular, mas também a ação direta. As cooperativas, as pedagogias libertárias, as zonas a defender (ZAD) e os modos de vida comunitários visam a experimentar um novo modo de vida. Hoje, as alternativas estão inscritas em uma estratégia de transição ecológica. Mas essas experiências podem desmembrar-se dos movimentos sociais. Elas mergulham então na marginalidade sectária. As alternativas podem também fundir com a lógica mercantil, à imagem das cooperativas.

Os anarquistas podem organizar-se de maneira diferente. A organização informal estrutura-se unicamente durante os momentos de luta. A ação direta antepõe-se ao formalismo organizacional. A rede pode igualmente permitir a troca de informações e conduzir ações comuns. No entanto, a ausência de estruturas pode também mascarar hierarquias informais.

O anarcossindicalismo apoia-se em uma organização sindical que carrega uma ideologia anarquista. Essa forma permite afirmar um caráter de classe. No entanto, embora o sindicato não somente busque recrutar anarquistas, seus efetivos são limitados. Ao contrário, o desenvolvimento da organização pode distanciar-se das práticas libertárias. A CNT espanhola é o modelo do anarcossindicalismo.

O plataformismo insiste no envolvimento nos movimentos sociais. A organização apoia-se em uma orientação política claramente definida. No entanto, o plataformismo corre o risco de levar a organizações rígidas e até mesmo autoritárias. O especifismo retoma o mesmo esforço, mas divide-se em frentes de luta; o que provoca uma fragmentação dos movimentos sociais e impede uma perspectiva global. O sintetismo propõe a comunhão entre individualistas e comunistas libertários. Mas a organização apoia-se em acordos tácitos e foge do debate para manter uma unidade de fachada.

A ação dos anarquistas durante as revoltas históricas não é realmente triunfante. Na Espanha de 1936, um levante espontâneo permite uma auto-organização de base. Mas os anarquistas da CNT juntam-se ao governo. Sobretudo, eles dão confiança aos stalinistas, que acabam por massacrar as comunidades libertárias. Durante a Revolução Russa de 1917, os anarquistas defendem os sovietes nas fábricas para permitir uma reorganização da economia. Mas eles agem com os bolcheviques, que acabam por massacrá-los após tomarem o controle dos sovietes. Os anarquistas participam da Revolução Mexicana de 1910, encarnados por Ricardo Flores Magon. Mas são derrotados antes de poderem realizar seu projeto de coletivização das terras.

Limites do anarquismo

Guillaume Davranche propõe uma introdução preciosa da corrente anarquista. Esse livro pode tornar-se uma ferramenta central para abrir debates nos movimentos sociais. Em um contexto de desgosto pela velha esquerda institucional, o anarquismo abre uma outra via. Essa corrente é, aliás, o objeto de ataques virulentos por parte dos intelectuais orgânicos da velha esquerda reformista e autoritária. Frédéric Lordon esforça-se para descredibilizar o anarquismo para o qual ele propõe uma visão caricatural. O livro de Guillaume Davranche pode trazer algumas elucidações indispensáveis sobre essa corrente política. Essa introdução curta e acessível não mascara os debates e as ramificações que permeiam o movimento libertário. Mas o anarquismo de Guillaume Davranche carrega igualmente alguns limites.

A parte doutrinal é importante. O anarquismo não se reduz a uma recusa e a um desejo de destruição. É sobretudo um legítimo projeto alternativo de sociedade. Guillaume Davranche esboça as principais linhas da utopia libertária. Esse esforço permite apresentar esclarecimentos indispensáveis diante das caricaturas vendidas pela esquerda e pela mídia. Sobretudo, Guillaume Davranche assume a perspectiva de uma reorganização da sociedade pela base. Enquanto comunizadores e apelistas avaliam que o comunismo deve surgir de maneira mágica, Guillaume Davranche insiste na necessidade de munir-se de algumas perspectivas.

No entanto, esse projeto anarquista é limitado. Ele pode parecer ao mesmo tempo bastante preciso e rígido, mas carrega igualmente aspectos um pouco obscuros. Guillaume Davranche propõe um projeto claro e leniente. Mas é importante levar em consideração as vicissitudes da história. O projeto de sociedade libertária será antes de tudo o que os explorados em luta decidirão construir. É importante afirmar uma parte de experimentação e de espontaneidade para não se mergulhar na rigidez doutrinal.

Mas Guillaume Davranche é igualmente obscuro. A democracia direta e a autogestão são conceitos vagos. São formas vazias sem verdadeiro conteúdo político. Um projeto revolucionário deve, antes de tudo, exprimir recusa. O trabalho, a mercadoria, o valor devem ser claramente abolidos. Senão, o anarquismo corre o risco de mergulhar em uma autogestão do capital e em autoexploração. A livre associação de produtores livres deve, ao contrário, apoiar-se no prazer e na liberdade mais que na coerção e na contabilidade.

Guillaume Davranche apresenta igualmente diversas estratégias de luta e formas de organização. Ele mostra bem as contribuições e os limites de cada iniciativa. Mas seu anarquismo está impregnado de um velho plano de fundo vanguardista. Guillaume Davranche parece considerar que são os anarquistas que vão mudar a sociedade e fazer a revolução. No entanto, essa simpática corrente está condenada à marginalidade. Grupos minoritários não são capazes de despertar um levante popular. E felizmente.

Guillaume Davranche tem razão em insistir nos debates estratégicos. É importante refletir sobre a maneira de mudar o mundo e de propor perspectivas de luta. No entanto, esse debate estratégico não deve concernir unicamente aos anarquistas. As controvérsias no âmbito das seitas e dos grupelhos pouco importam, para além do prazer da disputa doutrinal. O debate estratégico deve estar situado na conjuntura das lutas que concernem ao conjunto dos explorados.

Ao contrário, o esforço da autonomia operária visa a agir a partir das lutas existentes e não de uma ideologia. É unicamente das revoltas sociais que pode surgir uma sociedade comunista libertária. Portanto, é necessário apoiar-se unicamente nas lutas sociais. Esses movimentos devem organizar-se por si sós, fora dos partidos e dos sindicatos, para debaterem suas perspectivas. É somente esse esforço que pode levar a uma ruptura com o Estado e com o capitalismo. As estruturas de auto-organização criadas pelas revoltas massivas devem tornar-se as bases para reorganizar a sociedade.

Fonte: http://www.zones-subversives.com/2020/01/actualite-de-l-anarchisme.html

Tradução > Dienah Gurhühor

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https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/03/05/franca-lancamento-dez-questoes-sobre-o-anarquismo-de-guillaume-davranche/

agência de notícias anarquistas-ana

Quietos, no jardim,
mãos serenadas. Na tarde,
o som das cigarras.

Yberê Líbera

One response to “[França] Atualidade do anarquismo”

  1. Àcrata Knup

    “O plataformismo insiste no envolvimento nos movimentos sociais. A organização apoia-se em uma orientação política claramente definida. No entanto, o plataformismo corre o risco de levar a organizações rígidas e até mesmo autoritárias. O especifismo retoma o mesmo esforço, mas divide-se em frentes de luta; o que provoca uma fragmentação dos movimentos sociais e impede uma perspectiva global. O sintetismo propõe a comunhão entre individualistas e comunistas libertários. Mas a organização apoia-se em acordos tácitos e foge do debate para manter uma unidade de fachada.”

    Gostaria de uma fundamentos mais aprofundados; pois historicamente esse texto possui alguns erros.

    “A ação dos anarquistas durante as revoltas históricas não é realmente triunfante. Na Espanha de 1936, um levante espontâneo permite uma auto-organização de base. Mas os anarquistas da CNT juntam-se ao governo.”

    Levante espontâneo? Outra afirmação que não fundamenta historicamente.