[EUA] A necessidade de um movimento anarquista revolucionário nunca foi tão grande

Por Wayne Price

Fifth Estate # 407, outono, 2020

O anarquismo recentemente está em todo lado nas mídias. Os anarquistas são culpados e denunciados por um amplo espectro de políticos. Trump e os seus seguidores denunciam anarquistas e antifas como sendo as figuras centrais nas manifestações Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).

Os democratas fazem uma distinção entre aqueles que eles designam como manifestantes pacíficos e os anarquistas maus e violentos que, ecoando os republicanos, acusam de serem responsáveis por danos à propriedade e de se envolverem em saques.

Na realidade, os e as anarquistas estão envolvidos numa ampla gama de atividades dentro do movimento de protesto. Estão circulando ideias dentro das rebeliões que, se não são anarquistas, são consistentes com o anarquismo. A ideia de as pessoas tomarem as ruas diretamente, em vez de esperar a cada poucos anos para votar num político que irá para um lugar distante para tomar decisões por nós é congruente com o anarquismo. As demandas do movimento BLM, incluindo a daqueles que reivindicam o corte do financiamento à polícia e até mesmo a sua abolição, são distintas das exigências das reformas habituais de maior treino de sensibilidade para os policiais.

É improvável que essas forças resultem numa revolução anarquista popular num futuro próximo, mas será que estes fatores contribuirão para a criação de um movimento anarquista revolucionário organizado? Organizado não significa qualquer tipo de partido, uma organização que visa assumir o poder do Estado e governar o povo. Anarquistas não dizem às pessoas o que fazer. Estão em diálogo com os outros, contribuindo com as suas próprias ideias abertamente e honestamente, encorajando as outras pessoas a se auto-organizarem de forma independente e a se oporem a abordagens autoritárias.

A política nos EUA é altamente polarizada. O Partido Republicano, no passado um partido de centro-direita, tornou-se um culto de extrema-direita. Abarca auto-identificados nazis assim como fascistas excêntricos do Q-anon (teoria da conspiração de extrema-direita). Os democratas seguiram na derrapagem para a direita, tornando-se agora o partido de centro-direita. Mas os democratas tiveram de reagir ao crescimento da esquerda desenvolvendo uma chamada ala progressista, embora impotente.

Os democratas não ousam ir tão longe para a esquerda quanto os republicanos podem ir para a direita. A base republicana pode ficar histericamente louca, escorrendo para o fascismo, sem ameaçar as bases do sistema. Mas se a base dos Democratas de afro-americanos, latino-americanos, trabalhadores sindicalizados, mulheres, ambientalistas, pessoas LGBT e outros se tornasse muito militante, abalaria a ordem dominante.

As suas necessidades não poderiam ser satisfeitas sem uma incursão profunda no capitalismo e no Estado. Trabalhadoras e trabalhadores furiosos podem até fazer greves em massa e fechar a economia, até ocupar os locais de trabalho e indústrias e tomá-los por conta própria. A elite governante da qual o Partido Democrata faz parte não permitirá isso.

Portanto, é extremamente importante para eles desacreditar os anarquistas. Têm sido feitos esforços massivos para canalizar o descontentamento para o sistema eleitoral, especificamente pelos democratas. Uma indicação da virada para a esquerda foi o aumento do apoio ao que é chamado de socialismo por seus defensores, mas são apenas programas de governo estendidos, como os encontrados nos países escandinavos.

Esse entusiasmo, especialmente por parte dos jovens (o que quer que o socialismo signifique para eles) foi exibido nas recentes primárias presidenciais democratas, inicialmente direcionado para o apoio à campanha de Bernie Sanders. Mesmo depois de ele se retirar da disputa, os Socialistas Democratas da América concentraram-se principalmente no eleitoralismo, enquanto Bernie deu todo o seu apoio à chapa eleitoral democrata.

No entanto, alguns ex-apoiadores de Bernie ficaram desiludidos com os democratas e voltaram-se para uma direção anti-eleitoral, quase anarquista.

Ao contrário da imagem dos anarquistas na mídia como um monólito assustador, existem diferenças entre eles em muitos tópicos. Sobre a violência, por exemplo, muitos anarquistas são pacifistas absolutos, enquanto outros usarão a força física em autodefesa, mas quase todos distinguem entre a destruição de propriedade e ataques contra pessoas. Muitos acreditam numa estratégia de longo prazo de construção de instituições alternativas até que elas possam, com sorte, substituir a economia e o estado capitalistas. Outros, sem rejeitar instituições alternativas, acreditam que terá que haver um confronto direto com o Estado e a classe capitalista em algum momento na forma de uma insurreição revolucionária. Ambas as tendências, que se sobrepõem, apoiam os protestos populares do BLM.

Em manifestações e na sua organização, as e os anarquistas frequentemente trabalham como médicos, fornecedores de alimentos, assessores jurídicos e noutras funções de apoio, além de estarem na linha de frente contra a polícia. As manifestações do BLM revelaram uma ampla camada de anarquistas que são negros ou não-brancos. Eles integram conceitos anarquistas com a teoria antirracista e com as suas próprias experiências.

O sistema tenta minar a tendência ao anarquismo de todas as maneiras que pode. Como mencionado, existe a tendência de culpar os anarquistas tanto pela direita quanto pelos liberais. O uso provocativo da violência por grupos fascistas e pela polícia na criação de parte da violência e de danos à propriedade é geralmente ignorado.

Retirar fundos à polícia, enquanto cause gritos de horror à direita, não é mais do que transferir dinheiro do governo para diferentes agências enquanto reorganiza a polícia para continuar a policiar os pobres e a reprimir a resistência. Mesmo a exigência mais radical de abolir a polícia é meramente liberal se interpretada como significando a eliminação de uma força policial especializada, mantendo o capitalismo e o Estado.

É uma ilusão dizer que a polícia pode ser abolida sem uma revolução para criar um tipo diferente de sociedade. Na verdade, é um equívoco popular acreditar que os anarquistas desejam uma sociedade como a atual, mas sem polícias. A sociedade de classes é uma justificativa para manter o poderio armado do Estado. Deixar o capitalismo no lugar sem as estruturas policiais atuais resultaria em caos (anarquia, como a mídia colocaria) até que a ordem fosse restabelecida por gangues criminosas, mafiosos, polícia privada corporativa ou uma combinação dos três. A maioria das pessoas, não importa o quanto odeie a polícia, sabe disso. Os anarquistas podem apoiar as exigências de retirada de fundos ou abolição da polícia, ou outras reformas, como o fim das leis sobre as drogas, enquanto explicando que isso só pode ser totalmente alcançado após uma revolução.

Há uma enorme pressão para empurrar o nosso movimento para moderar as nossas demandas maximalistas. Isto está ocorrendo enquanto o mundo enfrenta uma concentração de desastres que tornam soluções brandas completamente inadequadas: a pandemia, a depressão que ela desencadeou, o racismo e a opressão policial, a catástrofe climática com as suas ondas de calor resultantes, tempestades violentas e incêndios florestais, a vil presidência Trump, guerras contínuas, o aumento das tensões EUA-China e uma nova corrida às armas nucleares, tudo isto implorando por visões que vão além das reformas.

Nestas condições, nada poderia ser mais importante do que o crescimento e a coerência do anarquismo revolucionário. É desconhecido como é que isto poderá sacudir as coisas. A América do Norte é um lugar grande e é improvável que uma organização, rede ou federação possa ou venha a ter todas as melhores ideias.

Uma revolução, se vier, será uma frente unida de muitas tendências, anarquistas e não anarquistas. É importante, entretanto, que a minoria que se vê como anarquista não espere passivamente que os movimentos apareçam, mas trabalhe para fazer o processo avançar.

>> Wayne Price é um escritor anarquista de longa data, teórico e ativista. Ele é o autor de A Abolição do Estado; Perspectivas anarquistas e marxistas.

Tradução > Ananás

agência de notícias anarquistas-ana

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Irene Massumi Fuke