[Cuba] A velha doutrina do lumpen proletariado

Por Rafael Rojas | 17/07/2021

Nos dias dos protestos populares em Cuba, a velha teoria do “lumpen-proletariado” é reavivada como um mantra da ortodoxia de esquerda. Funcionários e ideólogos da ilha e seus meios de comunicação e aliados acadêmicos na América Latina a reciclam para explicar a explosão social: aqueles que saíram às ruas em dezenas de cidades e vilas cubanas eram “vândalos, delinquentes, vulgares e indecentes”.

Esta é uma linguagem classista e racista, que também temos visto rearticulada na direita latino-americana, especialmente no Brasil, Chile e Colômbia, embora nesses casos recorra ao não menos antigo arsenal do positivismo criminalista. Nos antropólogos latino-americanos, seguidores da tese de Cesare Lombroso, como o brasileiro Raimundo Nina Rodrigues ou o cubano Fernando Ortiz, desde o início do século XX, foi estabelecida uma conexão direta entre criminalidade, negritude e pobreza.

Pensamos que as ciências sociais latino-americanas há muito abandonaram aquelas ideias superciliares sobre o “submundo afro-cubano”. Durante os anos da Nova Esquerda, o marxismo latino-americano, em contato com autores como Frantz Fanon, E. P. Thompson ou Eric Hobsbawm, questionou preconceitos herdados tanto do positivismo burguês quanto do dogmatismo soviético em relação à rebeldia dos marginalizados.

Mas quando menos se esperava, esses preconceitos ressurgiam, como se apagassem de uma só vez tudo o que George Rudé, Michael Hardt e Antonio Negri aprenderam das leituras sobre a importância das “multidões” na história. No caso da criminalização do protesto em Cuba, é inevitável referir-se ao peso que a tradição do marxismo-leninismo soviético ainda carrega na legitimação do socialismo cubano.

No Manifesto Comunista (1848) Marx e Engels haviam definido o “lumpenproletariado” – uma síntese etimológica de lump (farrapo, andrajo) e proletário (cidadão de classe baixa, trabalhador, operário) – como um setor que poderia eventualmente se juntar à revolução, mas que, devido à sua falta de consciência de classe, tendia a se aliar com a reação.

Em Luta de Classes na França (1850), Marx associou o lumpen proletário com o “mais vil banditismo” e a “venalidade mais suja”. E em seu brilhante ensaio O 18º Brumário de Luís Bonaparte (1852), o fundador do marxismo foi mais preciso ao apresentar o lumpen como a base social do Bonapartismo. Foi a esta definição que Lenin e o marxismo soviético ortodoxo mais tarde recorreram para definir os desclassificados como aliados naturais dos anarquistas, revisionistas e outras variantes teóricas ou práticas de “inimigos do povo”.

Na América Latina, esse marxismo-leninismo ortodoxo promoveu, durante grande parte do século 20, uma visão negativa do populismo baseada na rejeição do caráter revolucionário do lumpen. Em seu livro Vida lumpen. Bestiario de la multitud (2007), o estudioso argentino Esteban Rodríguez Alzueta fez um relato desse repertório de clichês e estereótipos que deram ao racismo e ao classicismo latino-americano uma nova oportunidade através da esquerda.

Diante da explosão social cubana, esses dogmas despertaram em sua forma mais brutal, o que, em suma, justifica a repressão e a deslegitimação. Os manifestantes de 11 de julho foram manipulados por campanhas de rede promovidas do exterior, ou eram “marginais” – um termo usado pejorativamente na língua oficial cubana – prontos para tirar proveito do caos para cometer crimes.

Esta resistência à compreensão da explosão social em Cuba está fortemente endividada a um não menos arcaico excepcionalismo, que expulsa a ilha de seu ambiente latino-americano e caribenho. Cuba continua a ser considerada como um país deslocalizado de sua região, cujo status de vítima dos Estados Unidos naturaliza o autoritarismo.

Fonte: https://www.razon.com.mx/opinion/columnas/rafael-rojas-1/vieja-doctrina-lumpen-proletario-443273?fbclid=IwAR0XV7XIm0SdjmhQw8If7zKYiUXwzL_52E4cEa9ayZal5EXHUkZB19sjbd8

Tradução > Liberto

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