Parte II | Esquerda/Direita: A Era PT no Brasil

Vença Quem Vencer, As Ganhadoras Serão As Mesmas: Um Posicionamento Ácrata  Sobre As Eleições Presidenciais de 2022.

Por V4N0L1 | 28/09/2022

Esquerda/Direita: A Era PT no Brasil

A exposição anterior do relato sobre a experiência francesa sob o governo de François Hollande não é despropositada para as finalidades deste texto, destinado a lançar uma visão ácrata prospectiva sobre as perspectivas em torno de um próximo governo federal do Brasil, consagrado pelo ritual eleitoral de 2022 – neste caso, um possível governo de esquerda: é isto que pretendo evidenciar a partir deste momento, onde passo a resgatar em largas linhas alguns aspectos destacados da experiência recente de mais de uma década de governos do PT no Brasil, apontando, sobretudo, para um esclarecedor paralelismo significativo de certos processos políticos verificados nas experiências dos dois governos em pauta (o daqui e o de lá). O que almejo com isto é demonstrar como existe um comportamento inequivocamente “traiçoeiro” por parte da esquerda social democrata quando no poder, e isto tanto em nível local como também em nível internacional, o que nos enseja a proposição de que não se trata aí de uma “mera coincidência”.

Seguindo a linha da demonstração do paralelismo significativo existente entre o governo Hollande na França e os governos do PT no Brasil, lembremos que foi durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula que, assim como aconteceu na França durante o governo Hollande, também no Brasil a esquerda foi a responsável por implementar uma reforma previdenciária (a qual, vale lembrar, havia sido proposta anteriormente por um governo atacado pelo PT – então na oposição – sob a acusação de ter um cunho neoliberal, o governo FHC, o qual só não conseguiu implementá-la devido ao baixíssimo cacife político com que contava ao final do seu segundo mandato) que penalizou mais a classe trabalhadora, instaurando, p.ex., um mecanismo de taxação dos aposentados, até então inexistente. O ex-presidente Lula, aproveitando os altos índices de popularidade de que gozava no início de seu primeiro mandato, “passou o rolo compressor” para atacar esse direito histórico da classe trabalhadora.

Aqui vale lembrar que em nenhum momento de sua trajetória no poder os governos petistas fizeram algum esforço significativo para viabilizar a tão debatida instauração de um mecanismo de taxação das grandes fortunas.

Ainda na linha do paralelismo entre os governos Hollande na França e PT no Brasil, o tratamento dado ao fenômeno do crescimento da violência urbana  – caracterizada especialmente pela adesão de parcelas da juventude periférica a organizações criminosas impulsionadoras deste fenômeno: organizações terroristas na França e facções criminosas no Brasil – por ambos os governos dos “companheiros” de orientação política “progressista” foi bastante semelhante: a militarização da sociedade, sem nenhum tipo de política complementar efetiva de oferta de programas culturais consistentes às juventudes periféricas que pudesse oferecer-lhes alguma alternativa mais atraente para afastá-las da sedução da busca de “compensação” pela violência.

Se na França o governo Hollande lançou mão do “Estado de Urgência”, no Brasil o governo do PT empreendeu ocupações de forças militares sobre favelas, por ocasião da realização de mega eventos esportivos como a Copa da FIFA e as Olimpíadas, sob a justificativa de garantia da segurança destes eventos. Aqui vale lembrar que, assim como na França, também no Brasil não faltaram relatos de arbitrariedades cometidos pelas forças da “ordem” contra as populações das comunidades periféricas e, a este respeito, é significativo um incidente ocorrido em fins do ano de 2016, por ocasião do processo de impeachment movido contra a ex-presidenta (como ela preferia ser chamada) Dilma Rousseff: naquele momento, verificou-se uma clara tendência à “evasão” – por parte das populações periféricas – dos círculos de apoio à presidenta e o Rapper Mano Brown, engajado na defesa de Dilma, declarou durante um ato público que lamentava que a periferia tivesse abandonado a presidenta, ao que a líder do movimento Mães de Maio (uma organização criada por mães de jovens periféricos assassinados durante uma ação policial) rebateu publicamente, afirmando: “se a periferia abandonou o governo, é porque o governo abandonou a periferia antes.”

Também no que se refere a ações eco-sociocidas o governo do PT no Brasil guarda um paralelo com o govenro Hollande na França: se lá o governo “socialista” encampou o projeto escandaloso do mega aeroporto de Notre-Dame-des-Landes, aqui os governos do PT (Lula e Dilma) ressuscitaram também um antigo projeto de uma mega obra questionável e questionada que havia sido concebida ainda no período da ditadura militar, mas que não tinha sido levada adiante nem mesmo pelos governos autocráticos das casernas, e que – também aqui, aproveitando-se dos altos índices de popularidade de que gozava no seu primeiro mandato, o ex-presidente Lula usou de sua influência para neutralizar todos os elementos que de saída representaram um impedimento à realização da obra, especificamente, garantindo um desprezo escandaloso (da parte dos órgãos responsáveis) por todos os laudos prévios que foram emitidos durante a fase de estudos de impactos da obra, pois absolutamente todos eles concluíram pela imprudência do projeto: o laudo ambiental apontou um impacto extremamente danoso para o eco-sistema, com repercussões tais como a extinção de espécies inteiras de peixes próprias do Rio Xingu; o laudo social apontou um impacto cruel de sociocídio das populações de comunidades tradicionais locais – indígenas, ribeirinhos -, pelo fato de, por serem grupos com economias estreitamente dependentes do meio em que viviam, fatalmente não conseguiriam retomar suas condições originais de sobrevivência após serem deslocadas de seu lugar original de habitação para que a obra fosse realizada; e até mesmo o laudo especificamente “técnico”, de engenharia, apontou uma relação custo/benefício contraproducente pois, devido ao ciclo das águas específico do lugar, o retorno que a usina poderia oferecer em termos de produção energética não compensaria os altíssimos custos de sua construção.

Assim como aconteceu no processo de Notre Dame des Landes, também em Belo Monte houve resistências da parte de grupos da sociedade civil (especificamente, indígenas, ribeirinhos e trabalhadores da construção empregados na obra) contra a implementação da mega obra eco-sociocida.

Inicialmente, tal resistência se deu na forma da negativa da parte das famílias locais de deixarem suas moradias, ante o que, foram constrangidas pelas empreiteiras integrantes do Consórcio Norte Energia (responsável pela construção) a abandonarem seus lares sob atos de incêndios criminosos cometidos contra suas casas, tendo seus líderes comunitários chegado inclusive a enviar relatos documentados das agressões compondo vários abaixo-assinados solicitando a suspensão da obra para o então presidente Lula – que engavetou os documentos – e, posteriormente, ido até ao Senado Federal expor a situação – o que não surtiu nenhum efeito.

Posteriormente, a resistência se desdobrou em eventos de ações diretas de grupos indígenas locais que tentaram barrar o andamento dos trabalhos em alguns canteiros de obras e foram duramente reprimidos por forças governamentais.

Num momento já avançado da obra, os conflitos em Belo Monte culminaram num evento de paralisação grevista independente dos trabalhadores de dois dos principais canteiros de obras, que denunciavam condições de trabalho infra legais e exigiam que fossem respeitados seus direitos a jornadas de trabalho de no máximo oito horas de duração, bem como a folgas e a licenças para visitarem suas famílias: essa paralisação foi cruelmente reprimida por forças governamentais de várias esferas administrativas, as quais fizeram um cerco sobre os trabalhadores grevistas em seus canteiros de obras e cortaram o fornecimento de energia, alimentação e água, submetendo-os a essa tortura durante vários dias, após o que invadiram os locais e demitiram sumariamente muitos trabalhadores (as forças de segurança!), tendo inclusive corrido a informação de que um dos trabalhadores teria sido sequestrado pelos agentes e, posteriormente, desaparecido.

Diferentemente do que aconteceu em Notre Dame des Landes, os conflitos em Belo Monte não foram muito visibilizados, e a mega construção eco-sociocida dos governos do PT foi conduzida até às últimas consequências: a obra foi concluída.

Não é necessário pensar muito para se responder à questão sobre a quem interessou a construção da mega hidrelétrica de Belo Monte (“follow the money“), e a resposta a essa pergunta nos fornece uma boa linha de raciocínio para responder também à questão de mesmo cunho colocada ao final da primeira parte deste texto, a respeito do projeto do mega aeroporto de Notre Dame des Landes, empreendido pelo então governo François Hollande, do Partido Socialista francês.

Continuará…

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Kaya Shirao