[Espanha] Milei e a mistificação “libertária”

O triunfo de um certo Javier Milei (ou quase) nas eleições argentinas nos traz mais confusão política em uma época não exatamente propensa à ativação de neurônios. Até mesmo o jornal El País, tremendamente esquerdista, é capaz de tachar de “libertário” alguém que não passa de um (ultra)liberal vulgar, mesquinho e oportunista; infelizmente, algo que não isenta o jornal espanhol, a própria força política que encabeça esse elemento chama-se Partido Libertário e não são poucos os meios de comunicação no mundo que têm a pouca vergonha de tachar Milei, inclusive, de anarquista. Além da distorção da terminologia, que foi ajudada não pouco pela estupidez presente nas redes sociais, poderíamos nos sentir tentados a descrever a massa de argentinos que votou em tal elemento como idiotas e ovelhas. Não faremos isso, já que nesse país inefável chamado reino da Espanha também temos nossas próprias características quando se trata de colocar um pedaço de papel na urna eleitoral, e faremos todos os esforços para tentar esclarecer esse absurdo.

E o fato é que o possível novo presidente da Argentina se considera um anarcocapitalista, já que é muito provável que, quando assumir o poder, ele se dedique a desmantelar o Estado para que o livre mercado possa ter livre domínio. Sim, isso é sarcasmo. Alguns argumentam que não haveria capitalismo sem o Estado para protegê-lo, portanto, concluam por si mesmos. Por outro lado, tentando colocar um ponto mais fino na questão, há aqueles que descreveram pessoas como Milei como anarquistas de “direita”, mas estamos entrando no reino do oximoro, como acontece com aquela falácia pré-escolar que eles chamam de anarcocapitalismo. No entanto, como o termo “esquerda” é tão difuso e confuso neste momento pós-moderno, é absolutamente desnecessário acrescentar algo esclarecedor à bela acracia. E, antes de mais nada, vamos apontar o mais óbvio: estamos falando de um sujeito que se candidatou às eleições com pretensões de líder carismático e demagógico, que não tem nada a ver com nenhuma corrente genuinamente libertária, cada uma das quais sempre esteve comprometida com a autogestão social, o apoio mútuo e a horizontalidade. Por outro lado, o anarquismo é ferozmente antiautoritário, porque não há espaço para a exploração do trabalho alheio, que é tão cara a essa ralé, bem vestida com uma retórica enganosa.

Lembro-me daquela piada gráfica do brilhante El Roto, talvez em homenagem consciente ou inconsciente ao bom Proudhon, que dizia que aqueles que defendem mais fervorosamente a propriedade privada são os que mais roubam. De fato, e se há uma instituição que protege fervorosamente o privilégio e a propriedade privada (de poucos), é o papai Estado, por mais que certos esquerdistas queiram apresentá-lo a nós apenas com sua face protetora. Os anarquistas clássicos já insistiam nisso, e talvez não possamos permitir que a confusão pós-moderna nos faça olhar para o outro lado: a antítese governante/governado é o correlato do proprietário/despossuído (cito sem a intenção de ser literal, é claro, e acrescento algumas palavras minhas). Milei, e tantos outros representantes da pior face do liberalismo, se esforçam para exercer a liberdade diante de uma esquerda supostamente totalitária.

O anarcocapitalismo, insisto, é uma mistificação vulgar, mas até mesmo em suas propostas teóricas para o suposto desaparecimento do Estado, eles só querem colocar suas instituições coercitivas, a polícia e a justiça, em mãos privadas (talvez não muito diferente das oligarquias políticas disfarçadas de democracias que sofremos). Certamente, eu mesmo entro no campo da confusão quando chamo essas pessoas de ultraliberais, já que estamos falando de ideias bastante multifacetadas (as liberais), é justo dizer. De fato, o próprio anarquismo, o verdadeiro anarquismo, que está comprometido com a solidariedade como parte inalienável da liberdade, há muito tempo assumiu todas as coisas boas que o liberalismo tem a oferecer.

Juan Cáspar

Fonte: http://acracia.org/milei-y-la-mistificacion-libertaria/

Tradução > Liberto

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Teu azul profundo,
nos olhos do cristal tímido,
cintila o mundo

Fred Matos