[Chile] Santiago: “Este é o momento de luta pela dignidade”

Comunicado recebido na madrugada de 21 de outubro de 2019

Olá, como estão?

Primeiro de tudo gostaria de esclarecer que faço este áudio com fins de comunicação, com a intenção de que se difunda o que está acontecendo no território em que habito, o território dominado pelo Estado do Chile, especificamente a capital.

Nestes últimos dias o Estado do Chile tem mostrado sua cara real, o que realmente é, colocando todos os policiais e militares na rua para reprimir os protestos e mobilizações que a esta altura já estão sendo vividas em nível nacional.

Estão morrendo pessoas, estão assassinando pessoas, estão torturando e estuprando mulheres, estão sequestrando pessoas. Até agora se trabalha com um número indeterminado de pessoas falecidas, 8 oficialmente, mas sabemos que são muito mais, sabemos que há muita gente ferida com gravidade com disparos da polícia e dos militares.

Para dar um breve contexto talvez poderia partir dizendo que ao redor de duas semanas atrás começaram os protestos massivos devido à gota que transbordou o copo, este copo carregado de demandas históricas neste lugar. Demandas relacionadas à saúde, à educação, ao sistema de transporte, ao sistema de abastecimento, próprios de um cruel sistema neoliberal implantado na ditadura.

A gota que transborda o copo é o aumento da passagem, o aumento dos serviços básicos, a eletricidade em específico, e começam com as multidões fazendo catracaços [evasiones, no termo espanhol da região] por parte de estudantes secundaristas nas estações de metrô, principalmente no centro da cidade. Com o passar do tempo, estes catracaços começam a abarcar gente de todas as camadas da população, gente de todas as idades se encontravam catracando e tomando as estações de metrô de Santiago sob seu controle, permitindo que todes que pegassem o metrô naquele momento entrassem sem pagar, o que com o passar dos dias levou à presença das forças especiais da polícia [carabineros, um dos braços da polícia de lá] nas estações, fazendo guarda e tentando reprimir esta manifestação. Não conseguiram, e as pessoas seguiram com os catracaços e ocupando as estações, e em particular a sexta-feira 18 de outubro, o protesto se aguça e se radicaliza e sai à rua, se dirigindo aos símbolos eternos do Capital: aos supermercados, aos bancos, às farmácias, aos ônibus de transporte público e à destruição das estações de metrô. Cerca de 45 estações de metrô de Santiago estão destroçadas, 20 delas incendiadas, principalmente nas periferias, nas poblaciones [bairros periféricos onde vivem as pessoas que estão nas margens do capitalismo neoliberal chileno].

No sábado, 19 de outubro, é decretado durante a noite o toque de recolher, o Estado de Sítio, desde às 22h00 até às 7h00. Antes disso, na sexta-feira, foi decretado Estado de Emergência, os militares já estavam nas ruas, as ações não pararam. As pessoas seguiram saindo às ruas, seguiram armando barricadas, é incontrolável até o dia de hoje. No sábado foi decretado o toque de recolher, como dizia, e na noite seguiram as ações, as pessoas seguiram saindo às ruas, os militares começaram a entrar nas poblaciones, não apenas de Santiago, a esta altura já são 7 cidades que se encontram em Estado de Emergência, creio que 3 delas em Estado de Sítio também, com toque de recolher.

As polícias e os militares estão disparando, entram reprimindo e matando a quem se cruze com eles, há muitos vídeos em redes sociais de torturas, de detenções, de sequestros, relatos de estupros, atropelamentos, há uma repressão grande a poblaciones que historicamente se organizaram e resistiram diante da ditadura, e estão ocorrendo invasões da polícia nesses setores, uma perseguição política que sabemos que não será contida, e que o governo está tentando dirigir.

O presidente fascista e de direita, Sebastián Piñera, há umas poucas horas durante a coletiva de imprensa, declarou que estamos em guerra, que há um inimigo interno que está por trás de todas estas organizações. Há tentativa de apontar para organizações políticas já organizadas, sabemos que esta é uma montagem vil, que esta é uma mentira vil, as pessoas estão se organizando sem líderes nem dirigentes, de maneira horizontal e de maneira solidária.

Estão ameaçando cortar a água e a luz, estão colocando medo, estão intimidando as pessoas. A presença dos militares na rua cumpre o mesmo papel, varrendo estações, varrendo avenidas onde as pessoas se reúnem para protestar.

Não sabemos como isso vai seguir, não sabemos como vão seguir os assassinatos e os desaparecimentos. Isto não é algo novo para este território, há 40 anos atrás o panorama não era diferente, começamos de outra maneira, mas não sabemos como será concluído agora.

Há um chamado aberto às agitações, aos gestos de solidariedade a este lugar nos diferentes setores do planeta, que a solidariedade se expanda para além dos escritos e das palavras.

Este é o momento de luta pela dignidade, o descontentamento se respira, é incontrolável, a raiva e a expressão da ira tomou as ruas desta cidade e do país.

Um abraço, espero que isto sirva e contribua a tudo o que está acontecendo neste lugar.

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