Parte III | Direita/Esquerda: O Governo Bolsonaro

Vença Quem Vencer, As Ganhadoras Serão As Mesmas: Um Posicionamento Ácrata Sobre As Eleições Presidenciais de 2022.

Por V4N0L1 | 29/09/2022

Direita/Esquerda: O Governo Bolsonaro

O governo Bolsonaro foi eleito na esteira do aceleramento do processo de perda de popularidade do Governo petista da presidenta Dilma Rousseff – lembremos que durante as manifestações populares nas assim chamadas Jornadas de Junho de 2013, o conjunto dos textos reivindicativos expostos pelos manifestantes através de cartazes expressava um leque de temas que abrangia praticamente todos os setores básicos da vida social constitucionalmente definidos como sendo direitos básicos do cidadão, sob a responsabilidade do Estado, nomeadamente, saúde, educação, segurança, transporte -, de sua destituição pelo Congresso, e do crescimento de uma tendência sócio-política antipetismo que teve seu ápice com a execução da prisão – em um quarto especial de dormitório da Polícia Federal – do ex-presidente Lula.

Aqui é importante lembrar que, a pretexto da campanha eleitoral para as eleições de 2018, Ciro Gomes – que concorreu por um partido considerado de esquerda (o PDT) – declarou que o então candidato pelo PT, Fernando Haddad (tutoriado diretamente por Lula, a partir da sua cela especial no dormitório da Polícia Federal em Curitiba), “bateu” muito mais nele (em Ciro, no caso) do que em Bolsonaro. O motivo? Ante o quadro desanimador das perspectivas para o PT naquele pleito – no que se referia às aspirações à presidência -, a estratégia adotada por aquele partido então lutando desesperadamente para se manter não apenas existindo, mas com chances de reverter o extremo desgaste público em que se encontrava, teria sido a de apostar na perspectiva do provável desgaste da direita pelo exercício do poder: em política há uma compreensão de que normalmente os governos tendem a cair em popularidade com o tempo, como consequência quase “natural” do exercício da governança: afinal, governar exige tomar medidas “impopulares” – ou, antipopulares -, mas, com um personagem tão chucro como Bolsonaro, não é necessário nem sequer ter a mínima noção de política para antever o desastre que um possível governo seu poderia configurar. E isso criaria o ambiente perfeito para lançar o povo no colo do PT novamente numa eleição posterior. Em suma: seguindo essa avaliação, o PT teria preferido um “inimigo” no poder do que um ex-aliado (Ciro Gomes), teria preferido a lógica de um projeto de poder à de um suposto projeto de nação.

Sem nenhuma surpresa, o governo Bolsonaro tem se configurado como um período de degringolação acentuada de políticas e instituições públicas voltadas para temas como os do meio ambiente e violência, alegando como justificativa para tal uma suposta necessidade de afrouxamento de regramentos ambientais para possibilitar um maior “progresso” econômico do país, porém – e aqui provocando alguma surpresa em boa parte dos militantes de esquerda com um conhecimento pífio sobre história política nacional e internacional e que, por isso, não sabem que políticas assistencialistas não são nenhuma marca de exclusividade dos chamados “progressistas” -, esse governo tem mantido vários programas sociais herdados da era dos governos PT, tendo inclusive chegado a ampliar a abrangência de público atendido e multiplicar os valores monetários concedidos nos casos de alguns deles (e isso, antes mesmo do período eleitoral).

Quanto às problemáticas orientações governamentais supracitadas relativas aos temas do meio ambiente e violência institucional, já vimos acima como, também nestes quesitos, as relações questionáveis por parte dos governos para com estes assuntos não são nenhum privilégio de nenhum dos lados limítrofes do leque político ideológico em questão.

O Centro

Há um “centro” no qual as orientações dos governos de direita e esquerda “social democrática” se encontram, e se este centro não é claramente “político-ideológico”, ele se configura como um tipo de ideologia de outra “dimensão”, qual seja, a ideologia do “desenvolvimentismo”, quer dizer, os “ideais” do “crescimento econômico” e da dinamização de processos produtivistas e consumistas: não por acaso, tanto governos de direita quanto de esquerda se demonstram dispostos a ultrapassarem todos os limites para promoverem grandes agentes econômicos, mesmo em detrimento do bem estar de várias parcelas de suas populações consideradas pelos frios raciocínios econômicos como sendo “desprezáveis”, “cartas fora do baralho”, conforme demonstram os exemplos das experiências governamentais que elencamos aqui.

Há Diferença?

Os temas dos grupos identitários e das “minorias” constituem-se como questões sobre as quais as abordagens políticas da esquerda social-democrata dita “progressista” e da direita conservadora parecem se distinguir claramente: aqui, o tratamento dado pelos governos de esquerda parece visar a redução das violências institucionais e interpessoais às quais estes grupos sociais estão submetidos historicamente, em sentido contrário às orientações políticas da direita. Entretanto, de uma perspectiva ácrata mais apurada, a análise exige uma maior complexificação.

As políticas dos governos social-democratas em relação aos temas em pauta caracterizam-se especialmente pela promoção de mecanismos de instauração de novas construções normativas – sociais e, em especial, estatais (currículos escolares, legislações judiciais, instituições especiais etc.) – orientadas por uma doutrina geral de “empoderamento” dos grupos sociais em questão o que, no limite, implica a possibilidade de uma provável geração de processos que, ao invés de promoverem uma equilibração nas relações sociais aí em jogo, poderão promover uma verdadeira inversão em algumas de suas dinâmicas específicas de poder – como de praxe, no que se refere aos paradigmas políticos da esquerda em geral. Em outras palavras: ao invés de equilibrar a balança, invertê-la. E, como as ácratas com maior clareza de compreensão sobre as perspectivas antiautoritárias sabem, toda relação de poder implica em alguma violência, independentemente se esta é sustentada por grupos tradicionalmente opressores ou por “minorias” históricas. A dinâmica de relacionamento conjugal revelada durante o recente e hiper midiatizado processo judicial por reparação de danos protagonizado pelo casal hoollywoodiano Amber Heard (militante LGBT e feminista) e Johnny Depp pode indicar a ponta de um possível iceberg de novos “habitus” sociais em formação, consequente ao avanço dos processos de instauração das novas construções normativas orientadas pelas doutrinas de (em)poder(amento) da esquerda.

É preciso lembrar: todas nós somos frutos de sociedades hierarquizadas e, portanto, todas somos autoritárias (no sentido ácrata do termo) também em alguma medida – inclusive, integrantes de “minorias”.

Ademais, qual contribuição para o avanço da luta pela emancipação humana das relações sociais de dominação/submissão pode trazer a emergência de governanantes negros tais como Obama, durante o governo do qual os índices de encarceramento da população negra nos EUA cresceram substancialmente e os investimentos daquele país em guerras contra países do Oriente Médio com populações de pele “escura” foram significativamente multiplicados; ou de estadistas mulheres tais como Cristina Kirchner, governante argentina apoiadora de regimes teocêntricos ditatoriais como o do Irã, onde mulheres são estupradas por agentes do governo como parte de suas políticas de repressão aos “crimes de costumes”; ou de presidentes indígenas tais como Evo Morales, que reprimiu duramente manifestações públicas de grupos ameríndios descontentes com o seu governo; ou de demagogos ex-operários?

Bem entendido, o paradigma antiautoritário de luta pela emancipação humana das relações sociais de dominação/submissão nunca se traduziu por equivocadas bandeiras de (em)poder(amento), mas, pelo contrário, pela construção de processos de POTENCIA(LIZ)AÇÃO das de baixo.

As Ganhadoras São as Mesmas: Bancos

Durante a era PT o endividamento da população brasileira com os bancos aumentou significativamente em consequência das políticas de criação de uma bolha de consumismo (o verdadeiro fenômeno ocorrido no processo que se convencionou denominar de “criação de uma nova classe média”, que foi favorecido, inclusive, pela coincidência de um ciclo econômico positivo do sistema globalizado durante o primeiro governo Lula – o que não será o caso em um eventual próximo governo do PT) através do atrelamento de programas sociais à oferta de créditos para aquisição de bens de consumo e, em contrapartida, os lucros dos bancos se multiplicaram enormemente, o que foi inclusive reconhecido publicamente de forma cínica por Lula ao proferir a frase “nunca antes na história desse país os bancos lucraram tanto como durante o meu governo”; do outro lado, o governo Bolsonaro impulsionou esse processo para um patamar mais escandaloso ainda, pela liberação do limite de juros a serem cobrados pelos bancos nos programas de créditos vinculados aos programas governamentais de auxílio financeiro.

Agronegócio

Durante a era PT o agronegócio ecogenocida teve espaço privilegiado, tanto, que um dos grandes pecuaristas do Brasil, José Carlos Bumlai, amigo pessoal de Lula, recebeu “a graça” de ter uma usina construída pelo governo em suas terras, e Dilma Rousseff colocou à frente do Ministério da Agricultura a pecuarista Kátia Abreu, alcunhada de “Miss Motossera” pelo Greenpeace por sua liderança em ações de desmatamento (foi durante a gestão de Kátia Abreu no ministério de Dilma que se perpetrou uma cruel repressão contra índios Guaranis Kaiowas no MS durante uma ação direta destes de retomada de terras ancestrais que já haviam inclusive sido reconhecidas pelo judiciário como sendo suas por direito); do outro lado, como é de conhecimento franco, o governo Bolsonaro fez de tudo para “fazer passar a boiada”.

Indústria Bélica

Durante a era PT o Brasil se tornou um dos maiores compradores de armas da indústria bélica israelense (vejam só: por um lado declaram apoio à causa palestina e por outro alimentam a indústria repressora israelense); do outro lado, como se sabe, o governo Bolsonaro fez o possível e o impossível para estimular e franquear o acesso a armas no Brasil.

Mega Empreiteiras (seria necessário falar algo sobre?)

E segue nessa linha.

Como se vê, seja com a esquerda social democrata ou com a direita no poder (não apenas no Brasil), as pautas neoliberais de retiradas de conquistas históricas das trabalhadoras, de promoção do avanço dos processos de espoliação e repressão das populações periféricas e de incremento das dinâmicas de devastação ambiental seguem sendo implementadas sem muitas alterações, em nome do “desenvolvimento” da nação, do crescimento econômico pelo incremento das dinâmicas produtivistas/consumistas, apenas com alguma diferença de “estilo criminoso”, a depender do grupo político/ideológico governante. Ou seja: as perdedoras são sempre as mesmas.

Por isso, o único lema de “campanha” coerente para o movimento ácrata, nesta ou em qualquer eleição, é este:

Vença quem vencer, as ganhadoras são as mesmas!

Não vote, organize-se!

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